É, caro leitor, confesso: eu duvidei que esse filme iria ser realizado.

Mas não é que, aparentemente, aquele filme do Coringa estrelado por Joaquin Phoenix, dirigido por Todd Phillips e produzido por (pasme!) Martin Scorsese, vai mesmo sair do papel? Em notícia divulgada recentemente, Phoenix foi confirmado no projeto e as filmagens devem começar em breve.

É uma notícia que me enche de sentimentos contraditórios e, ao longo deste artigo, tentarei explicar por que. Claro, a perspectiva de ver Joaquin Phoenix, um dos melhores atores do momento, interpretando um dos maiores vilões de todos os tempos é, por si só, interessante. Além disso, Phillips também é um bom cineasta. Porém, mesmo assim, a notícia não me empolga tanto quanto deveria, por vários motivos. Como…

1. A bagunça da Warner/DC
(Mas ela podia ser benéfica…)

Sinceramente, falar da bagunça no estúdio Warner e dos seus esforços para estabelecer um Universo DC no cinema já é chover no molhado.

Depois do fracasso de Liga da Justiça (2017), houve mais uma dança das cadeiras por lá e espera-se que as novas mentes por trás desses filmes – entre eles Walter Hadida, produtor dos filmes de terror da subsidiária New Line – tenham melhor sorte.

Mas sobre essa questão da bagunça, querem saber de uma coisa?

Temos que lembrar que a DC sempre foi bagunçada também nos quadrinhos, com suas “múltiplas terras” e universos – tanto que vez ou outra, surge uma mega-saga nas HQs para tentar dar uma arrumada na casa, com algumas tendo mais sucesso que outras. Uma mente esperta podia tentar se aproveitar disso no cinema – na TV, as séries atuais com os heróis DC já fazem isso. Se eles conseguissem transpor para o cinema o conceito de multiverso, isso abriria possibilidades de história virtualmente ilimitadas – o Batman do Ben Affleck já encheu seu saco? Aqui tem outro, de outro universo! E isso representaria um grande diferencial para o estúdio, em relação aos filmes do concorrente Marvel Studios.

Diz-se que esse projeto do Coringa deve lançar um novo selo de filmes DC, com histórias independentes do tal do Universo. De fato, a ideia de um Multiverso DC abriria as possibilidades para termos o Coringa do Phoenix convivendo no cinema com o Coringa do Jared Leto – outro que já teve anunciado o seu retorno, embora neste caso nos perguntamos “para que?”.

As possibilidades são interessantes, porém, não levo muita fé nelas porque não acredito mais na capacidade do estúdio em levar para as telas um Universo DC nos moldes do da Marvel. Se conseguirem, ótimo, mas por enquanto verei esses filmes sem esperar mais nada deles. O que me lembra…

Coringa em Batman: A Piada MOrtal2. Origem do Coringa?
E Coringa sem Batman?
Duas más ideias…

Notícias divulgadas sobre o filme com Phoenix no começo do ano indicam que ele vai se passar nos anos 1980 e abordará a origem do Coringa.

[Suspiro].

Sinceramente, mostrar a origem do Coringa é a pior opção de história que se pode fazer com o personagem. A origem mais comumente aceita do personagem nas HQs – onde ela também nunca foi muito bem definida – é aquela que o gênio Alan Moore colocou no seu controverso clássico A Piada Mortal de 1988, que mostrava o Coringa como um comediante fracassado que perde a esposa e é forçado a participar de um roubo numa indústria química. Lá, o Batman interfere, ele tenta fugir e acaba caindo num tonel de produto químico que o deixa deformado, potencializando sua loucura.

O porém aí é que mesmo essa origem não é definitiva. Moore a deixa em aberto e como grande parte da história é narrada pelo próprio Coringa, não podemos confiar neste narrador. Christopher e Jonathan Nolan brincaram com essa mesma noção em Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008), ao fazer o Coringa deles apresentar mais de uma versão para as suas cicatrizes.

Ali, eles deixaram clara uma noção que o cinema muitas vezes esquece: o mal é melhor quando é misterioso, inexplicado, indefinível. Ou alguém aí sentiu mais medo do Hannibal Lecter, do Alien, do Michael Myers ou do Darth Vader depois de sabermos como eles vieram a existir? Não mesmo, não é? Em toda a história do cinema, explicar o vilão nunca resultou em coisa boa.

Além disso… em uma história de origem o Batman teria inevitavelmente uma participação limitada, se aparecer. Faz sentido um Coringa sem Batman? Sem o seu oposto, o Coringa é um vilão tão fascinante?

Tenho minhas dúvidas…

Os grandes vilões são definidos pelos seus relacionamentos com os heróis e as grandes histórias que definiram Batman e Coringa o fizeram opondo as filosofias fundamentalmente opostas dos personagens. Sem o outro lado do espelho, há grandes chances de o filme reduzir o personagem. Phillips, Phoenix e os roteiristas podem até me fazer queimar a língua depois, mas, pelo menos, no momento, não estou animado com suas opções para a história.

E há mais um motivo para não me deixar tão animado…


3. A fixação no mal e a necessidade de dar adeus a Ledger e Nolan

Talvez seja só eu, mas bate uma tristeza ver que a Warner/DC está preparando dois (repito: DOIS) filmes com o Coringa, além de um das vilãs de Gotham City e um Esquadrão Suicida 2, e enquanto isso um novo do Superman, o maior de todos os super-heróis e sem o qual nada disso existiria, permanece meio no limbo – há alguns dias o intérprete do personagem, Henry Cavill, disse meio desanimado que podemos esperar um Homem de Aço 2 entre 2019 e… 2045!.

Então, vamos nos perguntar: por que tanto Coringa?

Ora, é porque ainda estamos vivendo sob o impacto da interpretação de Heath Ledger no já mencionado Cavaleiro das Trevas. Mas, me incomoda essa fixação no mal que parece dominar o pessoal da Warner.

Poxa, já vivemos numa época cheia de gente escrota e vilões da vida real; precisamos ver muito mais disso nas nossas horas de escapismo, ainda mais em filmes baseados em material de histórias em quadrinhos?

Talvez este seja um dos motivos (pouco relacionados) do sucesso do Marvel Studios: ali o heroísmo é o principal, eles valorizam e acreditam nos seus personagens que até podem não ser inteiramente bons, mas mostram que vale a pena fazer a coisa certa. Precisamos disso, especialmente as crianças e jovens – e nunca esqueçamos, eles são o maior público-alvo, tanto das HQs de super-heróis quanto da maioria dos filmes derivados delas.

O Coringa é um vilão fascinante, e o fascínio do mal é algo que sempre alimentou o cinema, a literatura, o teatro, as HQs… Mas é tão prevalente hoje nas mentes do público, e do pessoal da Warner, por causa da interpretação de Ledger.

Mesmo assim, por mais que a trilogia de Nolan seja fantástica e tenha marcado o sub-gênero e as memórias dos espectadores, o Universo DC não vai florescer no cinema enquanto estúdio e cineastas (principalmente), e também o público, não aprenderem a dizer adeus a Nolan e Ledger. Foi muito bom, mas nunca mais veremos um filme igual àquele. As circunstâncias que levaram à criação dele não existem mais, Hollywood é outra hoje também. Nunca veremos um Coringa igual também.

Por que tão sério? Por que não se lembrar dos heróis?

Por mais que me intrigue a ideia de ver Phoenix como o vilão icônico, não consigo deixar de pensar que eu preferia ver um Homem de Aço 2 – ainda mais depois de Liga da Justiça, que parece ter dado uma definitiva e benvinda “correção de rumo” para o personagem. Ou um Batman com o qual eu possa me importar – já que Zack Snyder caiu fora, ainda bem, Ben Affleck deve ir com ele.

Estabeleçam melhor a trindade – só a Mulher-Maravilha funciona no momento. Resolvam os problemas do projeto do Flash, e façam uma correção de curso nele também. Preocupem-se em fazer um filme decente do Lanterna Verde. Um da Liga realmente épico. Cuidem melhor dos seus ícones.

Então, façam o filme do Coringa, façam mais de um – afinal, o personagem é popular e dá dinheiro, não é? Mas se eu puder dar um minúsculo conselho (claro que eles vão ler isso)… Lembrem-se do heroísmo também. Ponham de lado essa noção de “ser sério e sombrio”, aquela grande meia-verdade sobre a DC cuja propagação fez mais mal do que bem. E, por favor, tirem os filmes do Nolan do altar. Guardem-nos na estante e nos corações.

É onde eles merecem, e precisam, ficar.