Existem dois tipos básicos de fãs: os que se empolgam cegamente por qualquer coisa relativa ao objeto de sua adoração e os que demandam uma marca de qualidade que se equipare ao objeto original quando este gera outros complementares. A linha entre um e outro não é bem demarcada, e a equipe criativa da Disney parece ter mantido esses dois públicos em mente ao ter seguido o longo e tortuoso caminho que gerou “Rogue One”.

Ela tem em mãos Star Wars, um objeto de culto da cultura pop que conseguiu, por si só, tornar-se mito, ao invés de remeter a um; logo, o modus operandi da continuidade da franquia possui um diferencial em relação a, por exemplo, uma saga como Harry Potter ou os heróis da Marvel; Star Wars nasceu no cinema, e não importa quantos outros braços sua narrativa estendida ganhe, esse é o terreno no qual ele deve manter-se mítico e único, ainda que sejam tantas as referências às quais ele remete.

Esse era o peso que o Episódio VII carregou e o qual manejou com graça, e esse é o peso que “Rogue One” também carrega. Junto a essa responsabilidade, mais dois agravantes ao último: trata-se da primeira vez, no universo fílmico, que a saga Star Wars não seria uma trilogia que girasse ao redor da família Skywalker; e trata-se do primeiro filme que inaugura a expansão cinemática da representação da “galáxia muito distante”. A proposta do filme de contar como os Rebeldes conseguiram os planos da Estrela da Morte, os rumores (e depois confirmações) sobre longas refilmagens, a interferência do estúdio na liberdade criativa do diretor Gareth Edwards… tinha tudo para dar MUITO errado, e para a surpresa de todos, deu certo. Quer dizer, em partes.

Rogue One: Uma História Star Wars

E como que isso deu certo (sem spoilers)?

Voltando à colocação de que “Rogue One” serve ao “fã cego” e ao “fã chato” do início do texto: o filme apresenta uma quantidade moderada de fan service, alocado ao longo de sua narrativa de maneira que isso não seja um acessório “masturbatório” (simbolicamente, claro!) a um público seleto. Temos ali, por exemplo, várias personagens da trilogia original, e elas de fato possuem função dentro da trama, tanto do lado dos mocinhos, como Mon Mothma (Genevieve O’Reilly), que é o fio condutor para unir os protagonistas; quanto dos vilões, como  Peter Tarkin (Peter Cushing, recriado em fantasmagórico CGI) e Darth Vader (voz original de James Earl Jones), que impressiona numa cena em especial (que não vou contar qual, mas vale cada segundo!).

Além da presença dos personagens da trilogia original, o fan service também atua a favor do fã transmídia, sendo nesse momento bastante sutil. Isso acontece quando vemos, por exemplo, citações à excelente animação “Star Wars Rebels”, que se encontra em sua terceira temporada. Aliás, uma vez que “Rebels” faz parte do cânone da saga, tal fan service é bacana porque nos dá informação a respeito de uma personagem específica, ao mesmo tempo em que passa despercebido para alguém que não acompanha o desenho animado e não prejudica o entendimento geral deste último para com o filme.

Os novos personagens, porém, não têm tanto sucesso em sua exposição quanto os itens até aqui citados. Eles possuem tempo reduzido para tornarem-se icônicos (ou não), e a protagonista Jyn (Felicity Jones), com um background de conflito ético interessante, tem essa característica apresentada de forma bastante apressada no início do filme, problema esse também enfrentado por Cassian (Diego Luna) e Bodhi (Riz Ahmed).

Rogue One: Uma História Star Wars

Já Chirrut (Donnie Yen) e Baze (Jiang Wen) equilibram esse ponto, pois temos pouquíssimas informações sobre a dupla, apenas o suficiente para entendermos como eles “funcionam”. Mantém-se então o ar de mistério que faz com que seja tão divertido curtir personagens secundários como Boba Fett ou Jabba the Hutt na trilogia original, o que é garantia de que nos lembremos da dupla por muito tempo. A dinâmica entre eles é interessante justamente pelas lacunas nas quais o laço dos dois é mais sugerido que exposto. Além disso, Chirrut gera outra surpresa: um momento simplesmente hilário no longa.

E falando em surpresa e risos, o personagem que sai vitorioso no hall de novos indivíduos do cânone da franquia é o improvável droid K-2SO (voz de Alan Tudyk). Reprogramado pela Aliança, o ex-robô do Império apresenta uma personalidade claramente “defeituosa” (bugada mesmo!), gerando momentos de comicidade genuína. Para uma saga que tem C-3PO e R2-D2 quase que como sinônimo de Star Wars, além da introdução bem sucedida de BB-8 no Episódio VII, é um feito muito bem-vindo. Fã ou não, é quase impossível não se divertir com esse personagem.

Uma pena que “Rogue One” não conseguiu manter o “nível de maldade” na ala do Império, pois o corte final poderia aproveitar melhor o talento de Ben Mendelsohn para interpretar tipos de caráter dúbio com o vilão Diretor Krennic. Megalomaníaco e dramático, ele se mostra um flat character charmoso, mas apenas efetivo. De certa maneira, ele espelha a situação de Mads Mikkelsen como Galen Erso e Forrest Whitaker como Saw Gerrera (outro fan service bem sacado, que remete à animação “Clone Wars”): alguém que está ali só para fazer a história de outros andar para frente.

Dito isso, é justo pontuar que o elenco é bom, ainda que alguns arcos não deem muito com o que eles trabalharem. Colocando em perspectiva o fato de que esses personagens a princípio não devem ser vistos no cânone cinemático de Star Wars nunca mais, diminuir a empatia para com eles é até estratégico, pois se torna um pouco menos doloroso vê-los partir de cena. No entanto, esse é o principal aspecto que impede que “Rogue One” esteja no nível dos filmes de trilogia.

Jyn Erso (Felicity Jones) em Star Wars: Rogue One

Tudo o que você queria de uma guerra nas estrelas

Se há um ponto que podemos considerar irrepreensível em Star Wars, são as cenas de conflito bélico. Cada sequência nas quais vemos Império contra Rebeldes no campo de batalha é empolgante, silenciando os temores de que um filme da saga sem jedis não teria confrontos interessantes o suficiente.

Seja nas cenas em terra, como em Jeddah enfrentando stormtroopers ou em Scarif lutando conta AT-ATs, deathtroopers e outros, seja nas cenas no espaço, quando vemos os Star Destroiers sendo “peitados” pela frota de naves rebeldes, a tensão se constrói de maneira bastante empolgante. Impossível não citar também a bela sequência na qual Donnie Yen pode mostrar seus dotes de lutador de artes marciais. Se levarmos em conta a avalanche de filmes com lutas, tiros e naves em guerra, ter uma sensação realmente intensa de estar diante de uma “guerra nas estrelas” é um feito e tanto no universo dos blockbusters de aventura, quase sempre tão previsíveis.

Rogue One: Uma História Star Wars

Todos esses pontos são apoiados pela respeitosa direção de arte. A partir dela nos deliciamos com os detalhes dos novos mundos que surgem na tela, expandindo a galáxia distante de maneira convincente. Jeddah, em especial, apresenta uma riqueza de encher os olhos, com suas referências à cultura oriental, perceptível na ordenação urbana e figurinos dos extras.

A música de Michael Giacchino orna bem essas sequências, introduzindo discretamente instrumentos que remetem ao Oriente na trilha. Tirando isso, são alguns poucos momentos em que a trilha chega próximo de se tornar marcante, sendo no geral um trabalho menor do compositor responsável pelas músicas do seriado “Lost” e da animação “Up – Altas Aventuras”, ambas excelentes. Mas também, difícil peitar o trabalho de John Williams nesse departamento…

Colocando tudo na balança, pode-se dizer que “Rogue One” segue um caminho divertidíssimo, porém seguro na medida para uma primeira empreitada rumo à expansão do universo Star Wars no cinema. O final é a apoteose que alça o filme ao nível que ela almeja, mas o percurso garante primeiramente altura de voo suficiente para o Star Wars Anthology, que seguirá com um filme sobre o personagem Han Solo em 2018 e, se tudo der certo, outros mais.