Dar continuidade a uma narrativa durante vários anos é um trabalho que poucas séries conseguem fazer de forma realmente equilibrada. Para a produção da BBC, “Segurança em Jogo” isso não chega a ser necessário: a história bem escrita e complexa da primeira temporada é encerrada de forma satisfatória sem deixar perguntas para uma continuação como grande parte das produções fazem. A produção traz como principais qualidades temáticas atuais e relevantes até a estética de uma fria Inglaterra e sua influência sobre os personagens.

Utilizando a imigração e ameaça de ataques terroristas como tema central, a série apresenta o veterano de guerra e atual membro do Serviço de Polícia Metropolitano de Londres, David Budd (Richard Madden, o Robb Stark de “Game of Thrones”) e sua nova função como guarda-costas da polêmica secretária do Ministério de Administração Interna do Reino Unido, Julia Montague (Keeley Hawes). Na tentativa de fazer um projeto controverso ser aprovado, a secretária recebe constantes ameaças, levando Budd a fazer seu trabalho protegendo-a mesmo que as diferenças políticas entre eles sejam evidentes.

Logo na primeira sequência da série, o público descobre a forma humanitária a qual Budd enfrenta ameaças de terrorismo – uma posição muito distinta das táticas desempenhadas por seus companheiros de profissão. Mesmo com autorização para que a polícia matasse Nadia (Anjli Mohindra), a qual iria explodir um trem em uma missão suicida, Budd luta para convencê-la a desistir e se render. Assim, fica claro que o protagonista possui uma história única a qual é utilizada não apenas para defini-lo como também para questionar sua relação com Julia e seus verdadeiros motivos em continuar próximo dela.

Afinal, a secretária pretende intensificar a investigação de organizações criminosas, em especial as terroristas, incitando uma política polêmica – o acesso às trocas de mensagens postadas por pessoas em redes sociais – que desencadeia ações as quais Budd é contra: a generalização e preconceito contra imigrantes.

Durante seu trabalho, Budd encontra situações puramente políticas, as quais não deixam de ser importantes para a história criada. Mesmo com uma linguagem mais específica, as relações de trabalho de Julia deixam pistas claras e importantes para seu público deslumbrar a resolução do último episódio. Dentre diálogos e, principalmente, palavras-chaves, Budd consegue conectar diferentes acontecimentos e manter a série interessante até seus últimos minutos. Além deste cenário político, as cenas de ação também são desempenhadas de forma bem-sucedida, seja pela direção de fotografia sufocante para seus personagens ou pela trilha sonora constante que se agrava conforme revelações são feitas. A mensagem é clara: criar uma narrativa envolvente para seu público.

Com a presença de duas sequências muito bem construídas envolvendo ataques à Julia Montague no decorrer de cinco episódios, como público, nos perguntamos se a série ainda possui potencial para impressionar. E sim, em seu último episódio acompanhamos a saga de Budd ao se sentir literalmente no lugar de um terrorista, cerca de 40 minutos do episódio focam no personagem e toda a situação em que foi colocado, a qual em momento nenhum demonstrou intenções de dispersar a atenção de seu público. Neste ponto, a atuação de Madden é uma parte fundamental para que todo o resto funcione, ocorrendo com sucesso.

Mesmo com muitos aspectos fortes, o roteiro acaba deixando escapar algumas justificativas fáceis demais para a trama complexa criada. São situações tão comuns que se diferenciam totalmente da grande qualidade que a série mantém em 90% de seus episódios. Grande exemplo disto é a criação do romance entre Julia e Budd: a situação toda é utilizada, principalmente, na intenção de deixar clara a intimidade entre eles e a vontade do segurança continuar a história sem Julia. Entretanto, mesmo este momento, é utilizado para mostrar mais sobre seus personagens e suas dificuldades com relacionamentos afetivos.

Com adversas percepções sobre a narrativa e seus personagens, o público redescobre a história a cada novo episódio. Em contrapartida, temáticas sobre o terrorismo, imigração e políticas de segurança pública são constantes durante seus episódios, o que reforça a necessidade deste debate no país no qual a série ocorre e na Europa como um todo. Mesmo que vários personagens possuam uma visão estereotipada sobre os imigrantes, Budd consegue realizar um contrapeso constantemente, com falas simbólicas o suficiente para gerar reflexão. Devido a atualidade e até mesmo polêmica sobre estes temas, é importante a forma que “Segurança em Jogo” decide utilizá-los, conseguindo também criar uma narrativa interessante e com diferentes aspectos de qualidade.

Apesar do ótimo trabalho da série, suas próximas temporadas não são uma certeza. A vitória de Richard Madden em Melhor Ator em Série Dramática no Globo de Ouro, definitivamente, atraiu novamente atenção do público e produtores para “Segurança em Jogo”, o que pode levar a novos episódios. Por ser uma produção da influente BBC, talvez a Netflix não possa atuar neste aspecto como fez com a espanhola “La Casa de Papel” e renovar o seriado para novas temporadas.

Que a torcida fique para que mais produções sejam influenciadas pela qualidade e relevância de “Segurança em Jogo”.