Os minutos iniciais de Sons do Igarapé já mostram a tônica do primeiro curta-metragem do ator Victor Kaleb: o zelo pelas imagens e enquadramentos. Isso é visível de ser observado, tanto no cuidado estético visual que é reforçado pela bela fotografia de Robert Coelho que sabe destacar o lindo cenário amazônico em que o curta foi rodado quanto pelo refinado (e relevante para o curta) trabalho de som – realizado pelo quarteto Chico Toledo, Wayra Arendartchuk, Henrique Mendonça e Lucas Coelho – que captura os ruídos naturais para imergir o público na sua viagem sensorial proposta pelo jovem diretor.

No seu curta, Kaleb conta a história de um casal (Fabiano Baraúna e Jessyca Paiva) que residem em uma casa no meio da floresta. Certo dia, eles encontram um homem branco (interpretado pelo próprio diretor), totalmente sem pelo, próximo da moradia. A relação do casal, inicialmente de desconfiança, muda à medida que a esposa começa a interagir afetuosamente com a figura.

Em seus aproximados 16 minutos de duração, Sons do Igarapé revela que Kaleb tem a total noção daquilo que deseja transmitir ao espectador. Sua câmera está sempre a serviço da narrativa para apresentar as relações e sentimentos, bem como a dinâmica entre o trio protagonista. Estas ações jamais são feitas através de diálogos – praticamente os únicos do curta são reduzidos a dois momentos musicais breves que revelam bastante sobre a solidão e vazio das personagens – caracterizando a produção com um tom mais intimista.

Kaleb também mantém a tradição e filosofia dos trabalhos da Artrupe de criarem filmes que proporcionem experimentações visuais e transmitem sensações e sentimentos de liberdade e anarquia. Sons do Igarapé segue este caminho, com um texto que revela o quanto nossos desejos e instintos sucumbem a um turbilhão de sensações devido as convenções e regras sociais impostas por uma relação monogâmica– que acabam exercendo uma grande força de insegurança no indivíduo.

Neste aspecto, o roteiro mostra como o contato com a natureza se torna fundamental para a conciliação do desejo frente ao nosso vazio emocional. Os sons (ou a ausência deles) e os elementos que compõe a natureza em volta do trio principal, aos poucos, permitem que a solidão, o egoísmo e os ciúmes sejam superados por um sentimento de acolhimento e afetividade para com outro.

Um ponto importante no curta é como ele próprio apresenta estas divagações através da construção da relação do casal com o intruso. Kaleb, gradativamente, cria o vínculo de desconfiança entre ambos com o homem branco sem pelos, para aos poucos, “despir” emocionalmente a mulher e o homem dos seus papéis. A cena de reconciliação – claramente de redescoberta sobre seus desejos – entre os três em um rio é um dos momentos mais sensíveis e poéticos do curta, graças ao trabalho de montagem de Eduardo Resing.

Isso não tira algumas imperfeições do curta: algumas transições de tempo são abruptas e a parte musical poderia ser mais efetiva, já que ela é a que melhor fornece as pistas sobre quem são o trio protagonista. A verdade que nada disso tira a força da boa estreia de Victor Kaleb na direção de curtas. Sons do Igarapé capta a beleza do momento de evocar a força dos desejos e a importância da natureza na busca do autoconhecimento e do amor entre as pessoas. Mantém a essência da Artrupe de criar curtas com belas imagens e de narrativas instigantes, ainda que aqui, Victor prefira mais o poético do que propriamente o provocativo.