AVISO: Este texto contém alguns SPOILERS do começo da temporada. Recomenda-se ler apenas após assistir aos episódios.

Negan: Esse foi o nome, e o personagem, que definiu a sétima temporada da série The Walking Dead. Ele surgiu de maneira impactante, com o perdão do trocadilho, rachando cabeças com seu bastão de beisebol incrementado com arame farpado, batizado sugestivamente de “Lucille”. Ele remanejou as dinâmicas entre os personagens. Sua aparição possibilitou uma expansão do universo da série. Mesmo quando ele não aparecia, a grande maioria das conversas entre os personagens girou a respeito dele e a força que ele representa. E muitos desses personagens quiseram e tentaram matá-lo ao longo dos episódios.

Mas, e a pergunta que não quer calar: a entrada deste aguardado vilão em cena melhorou a série? Ao que parece, não, como as várias notícias na imprensa americana sobre queda da audiência durante esta temporada deixaram claro. A verdade é que a sexta temporada trouxe danos para o programa – The Walking Dead nunca foi muito profunda e se mostrou meio irregular desde o começo, mas até o sexto ano, os espectadores nunca tinham se sentido insultados por truques baratos de roteiro como o “morre-não-morre” do personagem Glenn, e o episódio final, justo o que introduzia Negan, e no qual a conclusão em aberto soou apenas como um suspense barato de televisão. A temporada anterior acabou com um “Quem Negan matou?”, e quando o sétimo ano começou, grande parte da audiência deu de ombros ao ver a resposta para essa pergunta.

Os produtores e roteiristas apostaram na nossa curiosidade, mas se esqueceram de criar personagens nos quais o público realmente invista. Para contornar esse problema, enfim, mataram Glenn (Steven Yeun, que estava na série desde o começo, e é também a vítima de Lucille nesse momento das HQs) e também o moderadamente simpático Abraham (Michael Cudlitz), ambos com requintes de crueldade e doses de ironia, cortesias da performance de Jeffrey Dean Morgan como Negan. Foi, sem dúvida, o momento mais chocante da série até então, e isso numa série pródiga em momentos chocantes. Mas deixou um gosto vazio porque sentimos muito pouco por esses personagens – com o Glenn, havia apenas uma familiaridade trazida pelo tempo e a simpatia natural do ator para torná-lo marcante.

Além disso, com o passar dos episódios, ficou clara uma coisa: o Negan simplesmente não calava a boca. Morgan, aparentemente, teve permissão total dos diretores para “espanar o cenário”, o seu vilão possui umas pitadas do Coringa de Heath Ledger e do Comediante – papel do ator em Watchmen: O Filme (2009) – e suas cenas acabam tendo o efeito contrário: ao invés de serem tensas, acabam dissipando a tensão. Negan é, em teoria, o mais demente e perigoso dentre todos os que sobraram neste mundo apocalíptico, mas sua vilania e malvadeza são forçadas ao invés de parecerem naturais. Ele é uma caricatura, o tipo de vilão que gosta de discursar ao invés de matar o herói, mesmo tendo motivo para tal, e Morgan nem tem um tipo físico assim tão imponente para ajudar a convencer como líder de um grupo grande de sobreviventes, intitulados de “Salvadores”.

A respeito disso… Essa também foi a temporada de conhecermos outros grupos. Carol (Melissa McBride) acaba servindo para nos apresentar ao Reino, governado pelo excêntrico Rei Ezekiel (Khary Payton), que tem um tigre de estimação – o bicho, feito em computação gráfica, é bem falso em várias cenas, assim como o veado que Rick (Andrew Lincoln) e Michonne (Danai Gurira) ficam encontrando no episódio 12. Não foi uma boa temporada para mostrar animais.

Já em Hilltop, a liderança de Gregory (Xander Berkley, se divertindo com o papel) começa a se enfraquecer. No episódio 6, Tara (Alanna Masterson) descobre a comunidade de Oceanside, à beira-mar. E mais tarde, o grupo de Rick encontra um pessoal estranho no lixão que mais parece saído de Mad Max: Além da Cúpula do Trovão (1985). Eles até falam engraçado. E a tomada que mostra as dimensões do tal lixão é outra paisagem bastante falsa, uma das piores “telas verdes” vistas em tempos recentes. Aparentemente, o canal AMC está direcionando o orçamento da série, o maior sucesso da história da TV a cabo americana, apenas para o elenco crescente e os efeitos de maquiagem dos zumbis – como sempre, excelentes – porque chega a ser inadmissível uma computação gráfica tão tosca como a que vimos nesta temporada.

A introdução desses elementos mais cartunescos – Negan, o tigre, o rei Ezekiel e os malucos do lixão – apontam para a tendência da série de flertar com elementos mais fantasiosos. O que não é de todo o mal, pois Ezekiel se mostra interessante e até o Negan, mais controlado em alguns dos episódios da segunda metade, se torna uma figura com um pouco mais de nuances. Mas só um pouco… De fato, um dos maiores pecados desta temporada foi o de não analisar mais a fundo os paralelos entre Rick e Negan. Por que o Rick é caracterizado como o “herói”, se toda a confusão com os Salvadores aconteceu porque ele liderou um ataque que matou vários homens do Negan, ENQUANTO DORMIAM? Negan reagiu de forma extrema, claro, mas quem começou as hostilidades foram os nossos “heróis”. No mundo pós-apocalipse zumbi, todos são culpados de algo, mas pelo menos o Negan admite isso. No fim das contas, a noção de que “Rick está sempre certo”, plantada na cabeça dos roteiristas, prejudica a série. Mais tons de cinza seriam bem vindos, adicionariam complexidade e riqueza ao seriado.

Em termos de imagens e situações de impacto, The Walking Dead continua uma produção forte. Porém, os velhos problemas de caracterização, de ritmo – esse ano realmente passou mais a sensação de lentidão que os outros, e para piorar os produtores fizeram vários episódios com uma hora de duração, às vezes até um pouco mais – e de lógica começaram a se acumular. Sério: Rick é um péssimo líder, personagens sofrem com conveniências de roteiro e o episódio final é repleto de situações que não fazem sentido… Pelo menos, neste sétimo ano não houve nada tão idiota e insultante como a “lixeira mágica” que permitiu a sobrevivência de um personagem no anterior. Em compensação, os produtores e roteiristas apostaram todas as fichas num vilão que, pelo menos por esta temporada, pareceu mais irritante do que assustador na maior parte do tempo. A aposta no Negan, pelo menos até o momento, só serviu para quebrar cabeças. Inclusive as de alguns espectadores.

*Texto original alterado para substituir a equivocada expressão humor negro.