As peças de uma caixa de brinquedo Lego podem se tornar diversas construções nas mãos de crianças e adultos. Basta a imaginação para criar casas, igrejas, carros, naves espaciais, barcos, robôs. Munidos dessa visão, a dupla responsável pela direção e roteiro da animação “Uma Aventura Lego”, Phil Lord e Christopher Miller (“Tá Chovendo Hambúrguer”), aproveita para brincar com referências a filmes clássicos e figuras históricas no formato do brinquedo. O resultado disso traz uma obra de ritmo acelerado, com excelentes momentos de humor e discurso ousado para um filme do gênero, mesmo com um final questionável.

Com “Matrix” sendo a principal referência da trama, Emmet pode ser encarado como Neo: um sujeito pacato e tranquilo que precisa escapar da monotonia da vida para salvar o universo (no caso, o mundo Lego) da destruição. Para isso, ele conta com a ajuda de Megaestilo, uma valente garota vestida de preto e pronta para a luta (olha a Trinity aí) e do mago Vitruvius (mistura de Morpheus com Obi-Wan e Gandalf). O trio se unirá a heróis conhecidos do publico como, por exemplo, o Batman, para derrotar o temível presidente Business.

O roteiro da animação surpreende pelo discurso ousado de contestação que emprega durante boa parte da história. Mesmo seguindo todas as convenções sociais vistas como ideais em um manual de conduta, Emmet se mostra uma pessoa incapaz de tomar decisões. Sem brilho próprio e tomado pela passividade proveniente de um mundo perfeito em que a televisão e líderes políticos ditam as normas, ele acaba sendo uma figura banal e esquecível. Momentos como a sequência inicial sobre o mágico mundo feliz embalada pela grudenta música “Tudo é Incrível” e a conclusão de Vitruvius durante visita à mente do protagonista mostram a pobreza intelectual de Emmet. Assim como no recente “A Vida Secreta de Walter Mitty”, resta ao personagem se libertar dessas amarras e construir o caminho dele para ser feliz.

Para embalar esse contexto rebelde, “Uma Aventura Lego” aproveita todo o universo Lego construído pelo design gráfico para brincar com o mundo do cinema e figuras históricas. Como aconteceu com “Detona Ralph”, as tiradas cômicas entre esses personagens acabam sendo um aperitivo a mais para os adultos. Referências a sujeitos tão diversos como Abraham Lincoln, William Shakespeare, Michelangelo, Shaquille O’Neal, além do Superman, Star Wars, Lanterna Verde, as Tartarugas Ninja, Senhor dos Anéis e um personagem misto de Transformers-Piratas do Caribe, surgem a cada instante. Na melhor delas, o Policial Bom/Ruim cria alguma das melhores situações do filme ao ter um pouco de Agente Smith de “Matrix” com visual e óculos de T-1000 de “O Exterminador do Futuro 2”.

O humor e ritmo acelerado imposto pelos diretores disfarçam uma certa ausência de história em alguns momentos do filme (trecho do faroeste) e deixa as situações confusas em outros trechos (plano para invadir a central onde o presidente comanda as ações). Porém, o maior erro de “Uma Aventura Lego” se mostra no tom publicitário emprestado nos últimos 15 minutos da animação. Sem saber como concluir a história, Lord e Miller optam por um discurso barato de que o brinquedo é capaz de unir pais e filhos. Tudo isso regado a péssimas atuações e uma trilha sonora digna de novela das seis, o que acaba arranhando o belo universo construído anteriormente e o tom ácido adotado na narrativa.

Mesmo com esse escorregão no ato final, “Uma Aventura Lego” realmente encanta o público pela história e, claro, na tecnologia adotada para construir aquele mundo. A mistura de stop motion com efeitos digitais consegue criar um visual único, sendo os detalhes da casa de Emmet, o oceano, as diversas realidades criadas e as movimentações dos personagens os maiores destaques.

No ano em que a Pixar tira férias do cinema, a turma da Lego se coloca como um bom exemplar criativo nas animações americanas e pode ser o melhor do gênero no ano. Isso, claro, se Miyazaki deixar…

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