Filmes baseados em fatos reais não são uma novidade para as telas de cinema, assim como os limites entre a ficção e a não-ficção. Muitas vezes, essa separação acaba sendo definida por roteiristas hollywoodianos, resultando em exageros ou fatos totalmente inverossímeis (como a personalidade boazinha do protagonista em ‘Capitão Phillips’) que continuam reverberando anos após a estreia da produção. Em ‘Vidas à Deriva’ os artifícios do cinema comercial infelizmente são impossíveis de não se notar, mesmo com o esforço do diretor islandês Baltasar Kormákur.

O filme começa sua história apresentando Tami Oldham (Shailene Woodley), uma jovem que viaja pelo mundo em busca de um rumo na sua vida. Em uma de suas viagens ela conhece o velejador Richard Sharp (Sam Claflin). O estilo de vida em comum os aproxima e resulta em uma viagem do Taiti até a Califórnia. No percurso, uma tempestade inesperada os surpreende e muda a dinâmica entre o casal.

Apesar deste enredo não apresentar tanta originalidade e variar entre um romance água com açúcar e cenas de ação no mar, bons atributos poderiam surgir do filme. Esta é uma deficiência notada principalmente em alguns diálogos que deixam pontas soltas para uma abordagem sobre temas mais emergentes como (des)estruturação familiar e até mesmo o relacionamento prematuro entre Tami e Richard. Porém essas tímidas iniciativas ficam ocultadas pela grande carga de cenas românticas desnecessárias e por um ritmo inconstante.

O problema narrativo não é uma atribuição apenas da montagem, mas também do roteiro que decide contar a história a partir de duas linhas temporais distintas. Mesmo com a tentativa visual de manter uma coerência entre as diferentes temporalidades, a escolha do trio de roteiristas Aaron Kandell, Jordan Kandell e David Branson Smith se torna cansativa por variar entre a apresentação dos personagens e os resultados da tempestade.

A confusão das linhas temporais ainda sofre com tentativas forçadas de justificativa ao aproximar elementos que permaneceram mesmo após a mudança radical no rumo dos personagens. No terceiro ato, quando o plot twist (desnecessário) é finalmente revelado, a escolha por duas temporalidades parece muito mais justificável, mesmo sem conseguir fugir de todas as ressalvas anteriores.

Além da história em si, os elementos visuais do longa também passam a apresentar defasagens conforme a trama se desenvolve. No início, bons efeitos surgem na tela, assim como seus cenários, porém, à medida que o filme vai avançando e as situações se tornam mais conflituosas, os defeitos se tornam fáceis de serem notados. Os efeitos visuais, grande parte da ambientação no mar, é um dos principais problemas neste sentido, com proporção abrangendo desde um simples pássaro até ondas com vários metros de altura.

Para completar a captação dessas dificuldades, a fotografia se apresenta de forma pretensiosa, buscando um plano sequência logo na primeira cena. Depois, com o avanço da história, a câmera investe em planos dentro da água, buscando causar incômodo no espectador sem se preocupar em repetir inúmeras vezes a estratégia.

O clímax negativo desta combinação entre efeitos e fotografia é observado na cena mais aguardada do filme: a tempestade. O acontecimento apresenta muitos elementos para preencher a tela, considerando a quantidade de complicações que uma tempestade pode acarretar. Assim, sua fotografia decide justamente abranger todos esses elementos, se distanciando do casal e capturando as imperfeições que buscam passar despercebidas devido a confusão na trama, que também se torna uma confusão visual. Para completar, a dificuldade na comunicação entre os personagens chega até o espectador e o entendimento da cena prolongada é deixado para os últimos segundos.

Apesar da composição visual não apresentar grandes méritos exagerando na tonalidade azul em figurinos, cenários e efeitos visuais questionáveis, a trilha sonora do filme consegue compensar no quesito imersivo. Desde músicas de background a sons mais específicos exigidos pela história, o filme apresenta uma sensibilidade sonora que protagoniza sozinha muitas sequências.

Mesmo com a enxurrada de elementos negativos, a protagonista Tami consegue um bom destaque quando entregue à Shailene Woodley. A atriz que recentemente recebeu elogios por seu desempenho em ‘Big Little Lies’ estabelece uma personagem consistente e carismática, fazendo a trama seguir em frente. Mesmo quando dividindo a cena com Richard, a personagem ganha destaque, posição que é reforçada até os últimos minutos do longa.

Entretanto, o bom desempenho de Woodley não é suficiente para fazer a química entre o casal funcionar. Os atributos de galã de Claflin não escondem sua falta de carisma, apesar dos esforços presentes no roteiro para lhe deixar mais interessante e bem construído. Da mesma forma, os diálogos entre Tami e Richard buscam uma intimidade que não passa do texto inicial, fora o fato dos dois ficarem à deriva, a relação não apresenta atributos novos ou originais, podendo perfeitamente encaixar as cenas antes da tempestade em um filme baseado nos romances do Nicholas Sparks. Por mais que o filme tente reafirmar a relação entre os dois com diferentes cenas românticas, a importância do relacionamento para a história e seus personagens se torna mais palpável na ausência de Richard, comprovando a ineficiência do ator.

Sem apresentar novidades para a indústria cinematográfica, ‘Vidas à Deriva’ entra para o hall dos filmes esquecíveis de Hollywood. Com grandes dificuldades no roteiro e nos efeitos visuais, a trama se prolonga em escolhas que não atribuem urgência para a história na qual se baseia. Os esforços do diretor Baltasar Kormákur em construir uma narrativa visualmente coerente são notados, porém não conseguem salvar o longa, assim como o destaque de Shailene Woodley não é suficiente para tornar todos os outros elementos um mero detalhe.