Já escrevi, antes, que a moda é um assunto mal resolvido no cinema. A tendência é tratar o mundo das passarelas como uma coisa insuportavelmente frívola, símbolo da sanha consumista e da obsessão pela aparência nas sociedades ocidentais do Pós-Guerra. Antes que toda essa pretensão espante você, calma: estamos falando de uma comédia.

É que, até antes de Zoolander, não lembro de outro filme (de sucesso, bem entendido) simpático a essa indústria tão pujante e culturalmente influente. E olha que a obra não poupa críticas justamente àquilo, a frivolidade e ignorância que se supõem reinantes no mundo da moda.

Mas Zoolander (Estados Unidos, 2001) ao mesmo tempo em que dispara seu humor ácido, também celebra a importância global dessa indústria, e brinca com seus símbolos. Na trama, Derek Zoolander (Ben Stiller, num de seus melhores papéis), um modelo abilolado cujo nome é uma paródia dos célebres Mark Vanderloo e Johnny Zander, é destronado como modelo masculino nº 1 do mundo por Hansel McDonald (Owen Wilson). Atacado pela jornalista Matilda (Christine Taylor) como exemplo de tudo o que há de errado com a indústria da moda, e assustado com a morte estúpida de seus colegas de quarto, ele decide abandonar as passarelas para trabalhar em minas de carvão com o pai (Jon Voight) e os irmãos.

O problema é que Derek, modelo full-time e burro como uma porta, insiste em fazer gestos artificiais e se maquiar para trabalhar na mina, causando vergonha a seus familiares. Expulso do batente, ele cai nas garras do vilão Mugatu (Will Ferrell, ascendendo para a fama), um magnata da moda que bola um plano para assassinar o novo primeiro-ministro da Malásia, a fim de impedir o combate deste ao trabalho infantil, elemento crucial para o sucesso do império fashion do malvado.

 David Bowie em Zoolander

Para tanto, ele hipnotiza Zoolander, fazendo com que a audição de “Relax”, hit oitentista do grupo Frankie Goes to Hollywood, detone o lado assassino do modelo. Até a resolução da história, as tentativas de conter Derek, o antagonismo entre este e Hansel (com direito a um duelo antológico na passarela, e à superação das diferenças com uma noite de sexo grupal) e o interesse amoroso por Matilda garantem o delicioso miolo da comédia, uma das melhores de Stiller, além de uma das poucas a fazer jus ao trabalho do comediante, com aquela mescla exata, mas tão difícil, de risadas fáceis e subtexto irônico que é a marca de filmes como Procurando Encrenca (1996 – outro trabalho bastante subestimado que merecia um artigo), Quem Vai Ficar com Mary? (1998) ou Trovão Tropical (2008).

Defender uma comédia é algo um pouco mais complicado do que, digamos, um drama ou um thriller, não só pela natureza descontraída do gênero, mas por aquele fator tão importante e ao mesmo tempo tão imponderável para a qualidade desse tipo de filme: fazer rir. Talvez pelo número atordoante de referências pop (algumas ainda mais esotéricas agora que não temos mais MTV, como a aparição de “Relax”, hit subversivo que chegou a ser banido das rádios, ou o clássico do breakdancing “Rockit”, que anima um duelo entre Hansel e um DJ), a obra, dirigida pelo próprio Stiller, talvez só possa ser apreciada em toda a sua dimensão por fãs de cultura pop.

Mas, ao mesmo tempo, as piadas “puras”, o humor físico, as gags, também valem por si, independente do domínio do espectador do mundo da moda e da música. Sequências como o já citado duelo entre Zoolander e Hansel (com David Bowie como juiz), ou a participação hilária de David Duchovny (uma das dezenas de cameos de personalidades célebres da virada dos anos 90 para os 00’s) como um modelo “de mão”, para anúncios de relógios, são impagáveis. Portanto, é bom que se diga – Zoolander não é um filme de nicho, só para aficcionados, mas comédia de ótima cepa. Conhecer esse universo, porém, só vai deixar o filme mais engraçado.

Durante muito tempo, confesso, defendi a opinião solitária de que esta era uma ótima comédia, um dos destaques do gênero na década passada. A julgar pelas reações de muitos amigos cinéfilos, eu devia estar mesmo superestimando a obra. Pois qual não foi a minha surpresa em ver que as aventuras de Derek Zoolander ganharam um status cult ao longo dos anos, e, melhor ainda, devem ganhar uma sequência no ano que vem? Eis, portanto, uma aposta que o tempo mostrou correta. Junto com O Diabo Veste Prada (2006), Zoolander é uma das comédias que, por enquanto, selam a paz entre os mundos do cinema e da moda.

Nota: 8,0