Uma trilogia improvável se desenha com 15h17: Trem para Paris, o novo filme do diretor americano Clint Eastwood. Depois de produzir um notável estudo de personagem em Sniper Americano (2014), sobre o atirador de elite do Exército Chris Kyle, e de recriar com tensão palpável a dificílima aterrissagem do piloto Chesley “Sully” Sullenberger no meio de Nova York em Sully (2016), ele agora rende um novo tributo a heróis de origem comum: os três rapazes que, em 2015, dominaram um terrorista fortemente armado num trem com destino a Paris, impedindo uma tragédia, neste 15h17: Trem para Paris.

O resultado é um filme simpático, mas, no saldo, o menos interessante dos três. E justamente por oferecer o que os outros dois não puderam: a presença física e a colaboração irrestrita dos envolvidos. Spencer Stone, Alek Skarlatos e Anthony Sadler, os três jovens em questão, interpretam a si mesmos na obra, no que poderia ser uma ajuda inestimável para o realismo da recriação. Eastwood, inclusive, se esforça para dar uma aparência documental ao longa, com várias cenas de câmera na mão, e uma estrutura narrativa paciente, que acumula pequenos eventos, como se estivéssemos acompanhando um reality show sobre a vida dos rapazes. Mas, sem conseguir arrancar deles desempenhos mais livres e expressivos – Skarlatos, principalmente, parece terrivelmente desconfortável com as câmeras –, a sacada de Eastwood se perde em enfado, diminuindo a força dos acontecimentos na tela.

Em 21 de agosto de 2015, Stone, Skarlatos e Sadler, três amigos de Sacramento, Califórnia, decidiram ir a Paris, como última parada numa viagem por países europeus. Spencer e Alek eram militares de baixa patente em férias, e Anthony, um estudante universitário, quando se viram na horripilante presença de um assassino real em seu vagão de trem. Eis uma daquelas situações onde todas as hipóteses são terríveis: se se tentasse parar o terrorista, se poderia sair gravemente ferido, ou até morto; se não se tentasse pará-lo, ele estaria livre para matar quem quisesse.

O impulso de tomar uma atitude como a que o trio, liderado por Stone, tomou – Stone pulou sobre o agressor, lutando para dominá-lo a fim de que Skarlatos o desarmasse, ao preço de inúmeras pancadas, facadas e a quase perda de um dedo; Sadler e outros dois passageiros só entraram em cena quando o terrorista ficou sem o rifle – é a questão que o filme de Eastwood investiga, e celebra. Essa capacidade irrefletida, instintiva, de colocar a vida dos outros acima da própria – o heroísmo, afinal – não é um produto de cultura, educação, aprendizado: é a virtude extraordinária de alguns indivíduos, e só aflora nas circunstâncias extremas em que esta é solicitada.

Pena que, para expor essa conclusão, Eastwood produza resultados artísticos tão frágeis: todo o primeiro ato, que reconta episódios importantes da infância dos três rapazes, é carregado de diálogos artificiais e excessivamente didáticos; a própria brevidade do evento, que se desenrolou em poucos minutos, impede Eastwood de explorá-lo com a mesma riqueza cinematográfica dos eletrizantes Sniper e Sully; e o já citado “travamento” dos rapazes, que, sem um diretor mais acostumado a lidar com intérpretes amadores, parecem tímidos e duros, distanciando o espectador da experiência. Apenas Stone, que felizmente ganha mais tempo de tela, e Mark Moogalian, o franco-americano que foi alvejado pelo terrorista (sim, ele reencena o próprio tiro no filme), parecem realmente engajados em cena.

A essa altura, você pode argumentar que a atual trilogia de Eastwood sobre “heróis americanos” (um rótulo que fica bem difícil de aplicar ao atirador Kyle, de Sniper) é uma tentativa mal-disfarçada do ícone do western de colocar os militares, os bons cristãos e demais machos brancos heterossexuais e conservadores como figuras-modelo, divulgando para o mundo as virtudes da massa típica do eleitorado do Partido Republicano, para o qual Clint torce de coração. E eu pergunto: e se for, e daí?

Continuo a admirar a elegância, a delicadeza e o despojamento do diretor, a sua honestidade em não mascarar a psicologia dessas pessoas, que realmente invocam valores religiosos e uma moral reacionária para justificar suas ações, e, lógico, os bons resultados cinematográficos, mesmo que este Trem para Paris, na comparação com Sniper (ótimo) e Sully (bom) seja apenas razoável. Ou, para ser direto, enquanto Clint continuar fazendo bons filmes, por mim tudo bem.