Qualquer apreciação do trabalho do diretor brasileiro José Padilha será invariavelmente afetada pelas preocupações políticas que o artista faz questão de estampar a cada novo projeto. Desde o filme que lhe trouxe notoriedade, o estupendo documentário Ônibus 174 (2002), Padilha vem construindo uma obra diferenciada no cinema nacional, não só por seu talento para as sequências de ação e a segurança ao comandar grandes orçamentos, mas também – e principalmente – por não temer a controvérsia.

Para este escriba, que andou desapontado com as simplificações e a visão redutora da política nacional adotada na série O Mecanismo (2018), para a Netflix, e tem sérias objeções morais a Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro (2010), um filme cujas cenas destinadas a provocar catarse são o espancamento brutal de um político corrupto e a formação de uma milícia particular para a proteção do protagonista, é um alívio constatar que 7 Dias em Entebbe está mais para a visão corajosa e abrangente de filmes como Ônibus, o também documentário Segredos da Tribo (2010) ou até o primeiro Tropa (2007), um trabalho infinitamente mais complexo e rico em subtextos do que aquela sequência.

PODCAST CINE SET - JOSÉ PADILHA

Recriação do episódio real do sequestro de um avião de passageiros pela Frente Popular pela Libertação da Palestina, em 1976 – a aeronave partia de Israel e trazia 84 passageiros judeus –, e cujo desenrolar dramático já rendeu três produções anteriores, incluindo o sucesso Operação Thunderbolt (1977), indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, 7 Dias em Entebbe se diferencia dos pares ao minimizar o óbvio e inerente potencial de thriller, para se focar na densa teia de motivações políticas por trás dos acontecimentos.

Isso talvez explique a recepção tão morna que o filme vem recebendo em críticas estrangeiras, muitas das quais afirmam a decepção de ver um diretor “de ação” fazer um filme tão “parado”. Já fica, então, o aviso: 7 Dias em Entebbe está muito mais para a intriga de um O Espião que Sabia Demais (2011) do que para a recriação hiperrealista de uma operação militar de A Hora Mais Escura (2012). Se não atinge o equilíbrio perfeito entre ação e intriga de Munique (2005), de Steven Spielberg, Padilha oferece uma visão política mais complexa e humanista, tentando dar voz a todos envolvidos, e sem impor outra mensagem além da constatação desiludida de que ambos os lados, israelenses e palestinos, criaram e vêm cultivando barreiras que tornam impossível qualquer diálogo.

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Numa decisão acertada do diretor, os protagonistas não são nem judeus nem palestinos, mas uma dupla de jovens marxistas alemães, que decide se juntar à Frente por acreditar na opressão do povo palestino, um ideal que logo esbarra nas múltiplas e complicadas camadas da realidade. Eles são Wilfried Böse (Daniel Brühl, de Bastardos Inglórios) e Brigitte Kuhlmann (Rosamund Pike, de Garota Exemplar), e têm de lidar com a parte mais delicada de qualquer sequestro – a relação com os reféns. Depois da tomada bem-sucedida do avião e de um pouso para reabastecimento na Líbia, o avião da Air France enfim chegaria ao aeroporto de Entebbe, na Uganda, à época ainda controlada pelo sanguinário e imprevisível ditador Idi Amin (vivido no filme por Nonso Anozie). Eis que Böse e Kuhlmann se vêem ante uma tarefa impensável para dois jovens alemães no pós-guerra: ter de separar os passageiros judeus dos demais, para usá-los como moeda de troca nas negociações com Israel. E, caso as coisas dessem errado, para matá-los.

A ótima montagem de Daniel Rezende (Cidade de Deus) consegue unir com clareza as várias narrativas paralelas, como as discussões entre o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin (o excelente Lior Ashkenazi), que propunha a negociação e uma solução diplomática para o impasse, e o ministro da Defesa Shimon Peres (um sinistro Eddie Marsan, de Simplesmente Feliz), que insistia – e enfim ganharia a discussão – na sempre trágica solução da violência. Há também o combatente palestino Jaber (Omar Berdouni), que busca vingança por sua família ter sido morta por tropas israelenses, e o jovem soldado (Ben Schnetzer) convocado à operação de resgate dos reféns. Através deste último, Padilha liga a história a um número de dança contemporânea da companhia israelense Batsheva, que fornece uma metáfora visual inquietante e que perpassa toda a projeção: numa coreografia sobre a tradicional canção judaica “Echad Mi Yodea”, os dançarinos, trajados em vestes ortodoxas, arrancam as roupas como quem se liberta de uma prisão – mas, ao fim de cada refrão, um deles sempre cai morto.

É essa busca brutal pela liberdade – por palestinos despojados de suas terras e sua dignidade, por judeus em busca da construção de uma comunidade, por jovens idealistas em busca do fim da opressão alhures –, ao preço da violência, que Padilha quer denunciar em seu filme, e cujo contraponto mais claro é o engenheiro de voo Jacques (Denis Ménochet, também de Bastardos), que desfaz as pretensões radicais de Böse com sua insistência nas pequenas conquistas que dão um pouco mais de alento a todos: água encanada, algum conforto ao dormir. Apesar dos eventuais problemas – há muitos diálogos enfáticos e pouco sutis (o “eu sou uma revolucionária!” de Pike talvez seja o pior exemplo), o tom de Marsan às vezes escorrega no vilanesco, a operação de resgate passa rápido demais, e um pouco mais de tempo de tela para os combatentes palestinos seria salutar – o trabalho sensível do elenco (destaque para a cena extraordinária de Pike na cabine telefônica) e a coragem de Padilha em explorar um tema tão complexo sem negar suas muitas dimensões fazem de 7 Dias em Entebbe o seu melhor trabalho cinematográfico desde o primeiro Tropa de Elite. Que esse lado humanista prevaleça sobre suas pulsões políticas do momento.