Aruanas” surge em um momento oportuno da história brasileira. Escrita por Estela Renner e Marcos Nisti, a série discute a questão ambiental envolvendo o uso de agrotóxicos despejados na natureza e o garimpo ilegal. Tudo isso envolto de mulheres fortes, ativismo e uma trama fluida. 

Apesar de ter traços do melodrama típico das novelas globais, a produção se mostra madura quanto à construção narrativa e o desenvolvimento dos personagens. É interessante perceber como os indivíduos presentes na trama central são multifacetados e complexos.  

Estas qualidades carentes na teledramaturgia contemporânea da emissora tem sido um dos pontos fortes dos produtos apresentados exclusivamente no GloboPlay. A plataforma de streaming da Globo possibilita a experimentação e a expansão do conteúdo audiovisual para além da TV convencional. Prova disso são foram as excelentes “Assédio” e “Sob Pressão”. 

DISTÂNCIA DE MANIQUEÍSMOS 

Uma das maiores conquistas de “Aruanas” está em seu texto. Longe de ser panfletário e didático, o roteiro de Renner e Nisti conduz à reflexão. Os dez episódios tocam em aspectos fundamentais para a discussão da exploração desenfreada dos recursos naturais, destacando desde a base da cadeia exploratória até a politicagem e projetos votados na calada da noite, passando pela questão indígena e a burocracia do judiciário.  

Dessa forma, a série consegue apresentar lados distintos do conflito ecológico, desenhando a cadeia intrincada que permeia o crime na Amazônia. Isso poderia lhe conferir um estigma enfadonho ou irreal, como outras produções já o fizeram, entretanto, o roteiro alcança a atenção do público e o mantém intrigado e atraído por descobrir o próximo passo das ativistas. Parte disso se deve ao subtexto e a pitada do gênero policial capaz de promover reviravoltas e acontecimentos enérgicos.  

Contando com grandes nomes da dramaturgia nacional, “Aruanas” também acerta na complexidade de seus personagens. Cada uma das ativistas é moldada de acordo com o olhar que possui sobre o ambientalismo e a luta social. Isso se torna perceptível conforme o público adentra no mundo particular de cada uma delas: Luisa (Leandra Leal), Natalie (Debora Falabella) e Verônica (Tais Araújo) são as heroínas da história, mas longe de serem perfeitas ou idealizadas.  

As três possuem falhas e representam temas importantes e atuais para serem discutidos em relação à mulher contemporânea, como gravidez interrompida, guarda compartilhada, violência contra mulher e sororidade. Os roteiristas são eficazes em não mostrá-las como imaculadas, mas com contradições e tribulações identificáveis. Isso só traz ganhos, já que humaniza “Aruanas” e a afasta do tom piegas e maniqueísta.  

Nesse sentido, é importante destacar a sensível interpretação de Luiz Carlos Vasconcelos. Ele dá vida ao vilão Miguel, o qual, ao mesmo tempo, em que é um homem de negócios inescrupuloso, dedica todo o carinho e afinco à neta com paralisia cerebral e todos aqueles que fazem bem a menina. A interpretação de Vasconcelos adiciona uma faceta interessante ao personagem, levando muitas vezes ao questionar se suas atitudes não seriam mais relevantes que as desconfianças dos ativistas.  

 PRESENÇA LOCAL

E é claro que não poderia falar de “Aruanas” sem citar a presença amazônida na trama. Rodada em Manacapuru e Iranduba, municípios da região metropolitana de Manaus, bate um contentamento ao assistir e identificar as locações como o Porto das duas cidades, o hotel que fica na avenida principal de Manacapuru e até mesmo o desativado “Eduardinho” utilizado na série como “o terminal 3 de Guarulhos”. 

Entretanto, nada é mais satisfatório do que ver os nossos artistas ao lado dos reconhecidos atores globais. Embora com participações pequenas, os atores locais defenderam com afinco seus personagens e mostraram que no Amazonas há intérpretes de qualidade tanto quanto em qualquer região do país. 

Destaco, principalmente, Italo Rui e Isabela Catão que conseguiram passar tridimensionalidade e complexidade como o suposto assassino do jornalista e a esposa do comunicador, respectivamente. A dupla vem se sobressaindo em produções locais e evidencia, em “Aruanas”, que ainda há muito potencial a ser explorado. São dois nomes a estar atento. 

Aruanas” é uma série imprescindível para o atual contexto político e vem sem ter amarras ou estar em cima do muro. A produção quer passar a sua mensagem e gritar em prol dos ativistas e do meio ambiente e é isso que faz mantendo seu equilíbrio entre a arte e a ideologia. Sem ser piegas ou forçada, ela também evidencia novos rumos para as produções do Globoplay. 

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