“Se a gente soubesse onde nossas decisões nos levariam, a gente mudaria o nosso destino?”
Para onde nossas escolhas nos levam? Dark fecha o seu último ciclo se consagrando como a melhor produção da Netflix. Criada por Baran Bo Odar, que assume a direção de todos os episódios da temporada, e Jantje Friese, responsável pelo roteiro dos oito episódios, a produção se encerra de forma catártica: oferece respostas aos mistérios, abre caminhos para novas discussões e teorias e, principalmente, nos deixa com um gosto agridoce.
A série alemã possui todos os elementos que uma tradicional tragédia deveria ter: o conflito entre o desejo humano e o destino, paixões contraditórias, desenvolvimento de terror e piedade e se baseia na jornada de um herói. Curiosamente, tais atributos estão presos a um loop temporal e escondidos em um emaranhado de projeções, filosofias e conceitos científicos.
As motivações de Winden
Ouvimos desde o início que o fim é o começo e o começo é o fim, mas, finalmente, aceitamos o que nos é dito desde o primeiro episódio da produção: o que permeia “Dark” é o sofrimento dos seus personagens. Essa angústia está presente nas figuras mais importantes do nó temporal e nos mais ordinários que parecem não fazer sentido na trama central. Mas, como na semiótica, não é o fim que importa, e, sim o processo para chegar a ele.
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À primeira vista, “Dark” parece ser uma série complexa que fala, entre outras coisas, sobre física quântica e existencialismo. Porém, se olharmos em seu núcleo, é ‘apenas’ um drama familiar ou uma história de amor capaz de atravessar dimensões. E isto não se configura exclusivamente nas personas de Martha (Lisa Vicari) e Jonas (Louis Hoffman), o que motiva os cidadãos de Winden são suas perdas: as dores, os sacrifícios e a forma como cada um lida com esse sentimento.
Em dado momento da temporada, nos é revelado que a primeira ideia da máquina do tempo é fruto de um amante que quer trazer de volta a vida sua amada. E este não seria de fato o objetivo de todos os viajantes do tempo em “Dark”?
A Jornada do Herói
A humanidade latente abordada neste último ciclo nos faz perceber que uma das maiores forças de “Dark” está em seus personagens. Apesar do adensamento da narrativa, é possível acompanhar a jornada de cada membro do nó das famílias de Winden, causando uma quebra na ideia de protagonismo. Isso, no entanto, dialoga bem com a forma apresentada na primeira temporada da série.
Esse artifício nos permite compreender os desejos e caminhos escolhidos e é a chave para que muitas perguntas existentes sejam respondidas. Assim, é possível ver cada peça do emaranhado temporal cumprir seu papel e fechar lacunas, possibilitando também perceber como cada personagem foi assumindo a postura do seu eu mais velho. Nesse quesito, o maior destaque da temporada é Andreas Pietschmann (Jonas 2052).
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Se no ciclo anterior, o ator conseguiu incorporar o jeito de andar e os traços de Hoffman, aqui, ele se distancia do intérprete mais novo de seu personagem e vai gradualmente transparecendo a sensação de frieza, desesperança e niilismo que carrega Adam (Dietrich Hollinderbaumer). Diante do público, o personagem calejado de suas lutas vai se transformando em um homem amargurado e obcecado pelo tempo. Sua atuação é incômoda, porque consegue nos fazer sentir a sua dor, o peso da jornada e humanizar um dos personagens mais desprezíveis de “Dark”.
Entre Mundos
Um dos responsáveis pelo sucesso da série alemã e pelo brilhantismo da temporada é a forma como os aspectos técnicos conseguem localizar o público e demarcar cada dimensão. Uma das preocupações suscitadas no fim do segundo ciclo era como o multiverso seria desenvolvido. Somos apresentados a um mundo sem Jonas e que é dicotômico ao que já tínhamos visto. Não é difícil compreender como essa nova Winden funciona, já que ela é basicamente um espelhamento do que vimos no primeiro ciclo.
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O que contribui, no entanto, para que as dimensões espaciais e temporais não confundam a mente do espectador é a direção de arte e a fotografia. A primeira nos faz compreender onde estamos, seja por meio do figurino, cabelo, cenografia ou as marcas no corpo dos personagens. Já a fotografia é responsável por nos colocar onde deveríamos estar. A coloração permite a percepção do tempo e do mundo em que estamos. A Winden pós apocalíptica de Jonas, por exemplo, é escura e chuvosa, quanto a Winden de Martha está sempre envolta de neblina e se transforma em um deserto após o apocalipse. Não é por acaso que Adam representa as trevas enquanto Eva é a luz.
O melhor final em 20 anos?
“Dark” é uma série densa, complexa, introspectiva e profunda. Isso leva a sua cadência ser mais lenta, um ponto positivo tendo em vista a necessidade de tempo para refletir durante suas temporadas. Por mais que os diálogos estejam mais diretos, expositivos e repetindo conceitos que já haviam sido apresentadas antes, acredito que, se a produção tivesse mais dois episódios, seria possível explorar melhor soluções que soam a Deus Ex Machina – justamente pela ausência de vermos isso se concretizar em tela.
O final, no entanto, é catártico, elegante, maduro e terno. Como em toda tragédia clássica, ele já se desenhava desde os primeiros capítulos, mas observar “Dark” não ter medo de cumprir isso é doloroso e satisfatório ao mesmo tempo. Esse é o tipo de desfecho que prende o público e o faz analisar tudo o que foi projetado e até mesmo a sua própria vida. É algo para rever e sentir a dor e conforto em encontrar abrigo. A verdadeira definição de um final agridoce.