“Dark” chega para o seu segundo ano confirmando porque é uma das melhores atrações do catálogo da Netflix. Intrigante e cativante, a produção alemã apresenta um roteiro que em momento algum subestima seu público pelo contrário, o instiga a desvendar os mistérios que cercam a pequena Winden.
Mais sombrio do que a primeira temporada, o segundo ano se destaca por aprofundar a relação dos personagens e o universo proposto por Baran bo Odar e Jantje Friese. Apesar de sustentar a aura de suspense, as perguntas levantadas anteriormente encontram respostas intrincadas e necessárias para a continuação da trama. Tudo isso deixa a sensação de que realmente estamos nos preparando para o capítulo final.
Expansão da filosofia de “Dark”
Com um salto temporal de seis meses em todas as linhas temporais apresentadas no primeiro ciclo, “Dark” inclui mais dois anos (1921 e 2053) a fim de mergulhar na ficção científica e expandir a mitologia na qual está amparada. Chama a atenção o cuidado em torno da discussão entre ciência e religião que parece ser um dos pilares de sua construção conceitual. Digo isso, porque se juntam a Nietzsche e Eisntein – muito presentes na primeira temporada – Peter Paul Rubens com “A Queda dos Condenados” e Andreas Cellarius e seus mapas de harmonia macrocósmicas. Ambos, personalidades alemãs adicionando mais camadas ao embate entre a sombra e a luz. Com isso, finalmente, conhecemos o rosto dos oponentes: Claudia Tiedemann (Julika Jenkins e Lisa Kreuzer) e Adam (Dietrich Hollinderbaumer).
Dentro do arcabouço mitológico, os princípios herméticos também se expandem. O curioso é ver o Caibalion, livro escrito por Hermes Trimegisto, nas mãos de Elizabeth Doppler, que assume uma função interessante dentro da série, a qual seria ainda mais confusa se não fossem as duas leis herméticas essenciais para a compreensão da viagem no tempo em “Dark”: ritmo e causa e efeito. A primeira dita começos e fins como relembra os títulos do episódio inicial e final da temporada, enquanto a segunda possibilita assimilar como os atos das cinco linhas temporais influenciam uma na outra.
É importante a compreensão dos conceitos filosóficos e científicos que envolvem a série, já que nesta temporada fica claro o quanto esse é o solo em que a produção está fincada. Adam afirma no diálogo com Jonas (Louis Hoffman), em 1921, que o verdadeiro papel do “Sic mundus creatus est” é tornar o tempo deus, não como uma espécie de religião, mas justamente desvincular a ideia de uma deidade como forma motora que não seja lógica ou científica. Entretanto, a impressão deixada é que, em 2053, o Sic Mundus tornou-se uma espécie de religião a qual precisa ser seguida sem questionamentos ou atos contrários.
Um novo ciclo sobre os personagens
No primeiro episódio da temporada, “Começos e Fins”, Noah (Mark Waschke) comenta que o verdadeiro caráter se manifesta no propósito de nossos atos. Esta é uma afirmação que permeia todo o ciclo. Há um aprofundamento dos personagens, principalmente, no que diz respeito as suas motivações. As correlações, conexões e funcionalidades ficaram mais claras e parte disso se deve a explicações dadas a personagens mais misteriosos como Claudia Tiedemann e Noah, o qual finalmente conhecemos a origem e um lado mais humano.
O maior destaque da temporada, no entanto, é Jonas Kahnwald, que finalmente assume seu posto como protagonista da série. O drama do personagem é aprofundado, ele ganha mais tempo em tela e realmente conduz a narrativa. O que leva a quase compreensão do seu papel na complexa engrenagem que rege “Dark” e os méritos também devem ser estendidos a interpretação de Louis Hoffman (Jonas 2020) e Andreas Pietschmann (Jonas 2052).
Hoffman perde a inocência e ingenuidade que carregava na primeira temporada e transforma-se gradualmente, evidenciando o quanto as viagens do tempo afetam o jovem Kahnwald. É perceptível as mudanças em sua feição e trejeitos entre a pessoa que ouve as fitas de Claudia e a que está em Winden no dia do Apocalipse. Parece que não apenas o personagem, mas o ator também se caleja por conta das adversidades enfrentadas neste ciclo. Pietschmann não fica atrás. O ator incorpora o jeito de andar e os traços de Hoffman, acrescentando o desespero e o sofrimento de quem viu tudo aquilo acontecer e não quer que se repita. O intrigante é que a atuação de ambos permite a sensação de realmente estar prestigiando a maturação do ser humano. Como eu de hoje me torno a pessoa do amanhã.
Por isso, ao menos para mim, ainda restam muitas dúvidas sobre a real identidade de Adam.
Preocupações para o fim
Por mais fascinante e empolgante que esta temporada tenha sido, o gancho usado no final me preocupa. Com cada vez menos episódios, pode ser que não haja tempo o suficiente para desenvolver o multiverso. Embora este seja uma característica recorrente na ficção científica, o seu uso soa como um artifício de fácil saída. Junto à predestinação e, consequentemente, a imutabilidade da linha temporal, são duas características que geram dúvida quanto ao fechamento eficiente dos três ciclos. É como se criassem um desvio as regras pré-estabelecidas sobre os perigos da viagem no tempo.
“Dark” retorna para este novo ciclo confirmando e expandindo tudo aquilo que cativou na primeira temporada e que a torna a melhor produção da Netflix. Seja por sua direção magistral e segura, seja pelo elenco intrincado, seja a fotografia claustrofóbica e tenebrosa, seja pela montagem e trilha sonora soturnas: todos os elementos presentes na obra conduzem a reflexão e ao entendimento de sua grandiosidade. As discussões em torno de seu conceito e simbologia apenas alimentam o que há de melhor nas mãos de Odar e Friesi.
Mal posso esperar pelo fechamento do último ciclo!