Na última terça-feira, dia 23 de fevereiro, ocorreu no Cinemark “A Noite do Cinema Amazonense”, que exibiu 10 curtas produzidos em Manaus e Tefé. O evento foi promovido pela Associação de Mídias Audiovisuais e Cinema do Amazonas (Amacine), como uma iniciativa para promover os novos talentos do cinema audiovisual do Estado.

A atividade, prevista para iniciar às 19h, sofreu um pequeno atraso de 25 minutos, mas justificável, pois serviu para o coordenador do Amacine, Zé Leão, divulgar o curso de cinema a ser realizado pela associação no mês de março deste ano, e que visa encontrar novos talentos da Sétima Arte no Amazonas. Além disso, a abertura serviu para dar uma salva de palmas aos envolvidos nos curtas e falar da importância desta iniciativa em Manaus, que conta sempre com a colaboração da rede Cinemark.

Foi bacana ver a sala 7 do Cinemark quase lotada e o entusiasmo do público antes, durante e depois da apresentação dos curtas, o que ajuda a dar fôlego para iniciativas como estas no Estado. Os temas dos dez curtas foram os mais diversos: lendas e folclore regionais; relacionamentos entre pais e filhos; drogas; meio ambiente e amor. Alguns mais ambiciosos, misturaram realidade com histórias fantásticas, indo do surreal ao horror.

Três curtas, Um Dia de Sol, de Wander Luis; Eu Me Lembro, de Erismar Fernandes, e Simples Assim!, de Francelle Santos, tiveram durações mínimas – de 3 a 5 minutos –, o que impede de fazer uma análise detalhada de cada um. O primeiro mistura terror urbano dentro no formato de filme B. O segundo tem a sensibilidade de mostrar o relato de um casal de idosos sobre sua história de vida para uma médica. O de Francelle é o mais simpático e divertido (o público riu bastante) ao mostrar que o processo de educação e relacionamentos entre pais e filhos é complicado pelas incongruências comportamentais dos adultos.

Com durações maiores, Amanhã, de Igor Paiva, e O Abismo, de Roberto Hades, partem de premissas atuais e provocativas para desenvolverem os seus curtas. Paiva foca na relação de mãe e filho para discutir a questão do aborto. Com apenas 17 anos, ele mostra boa maturidade e sensibilidade de trabalhar em cima de um tema polêmico, ainda que escorregue quando precisa desenvolver o texto melodramático. Mas é uma promessa para ficar de olho futuramente.

O Abismo segue a jornada física e psicológica de um drogado frente aos seus vícios. Foi o curta mais experimental e corajoso do evento, o que demonstra a ousadia de Hades. Pena que oscile na narrativa, o que gera irregularidades no ritmo da história. Por sua vez, As Princesas no Reino Encantado da Floresta, de Belmar Costa, é uma simpática fábula infantil sobre o folclore regional, com uma mensagem ecológica voltada mais para agradar ao público infantil do que adulto.

Transcendência, de Davi Penafort

Entre os destaques, temos Transcendência, do também jovem Davi Penafort, que mostra o conflito de um pai que precisa lidar com as ocupações profissionais e sua ausência em casa, principalmente na relação com a filha. Utilizando uma estética visual interessante, toda no formato P&B, Penafort cria uma reflexão interessante sobre o capitalismo selvagem e como ele aniquila nossas relações amorosas, deixando claro que o tempo perdido pode ser fatal para um pai. Vale ressaltar a direção concisa do jovem cineasta, que jamais perde o comando da dramaticidade, evitando que sua obra descambe para um melodrama choroso familiar.

Falando em lendas regionais, vale destacar Caboré, produção coletiva feita pelos jovens da Associação Cinematográfica Fogo Consumidor, dentro do projeto Cinema Identidade, coordenado por Orange Cavalcante. O curta é todo produzido na cidade de Tefé e mostra a índia Caboré, a brava guerreira, que, pela lenda, representa a sorte e fortuna de uma tribo. Apesar das evidentes limitações e problemas técnicos – o som é um deles -, o curta coletivo é cheio de vivacidade e energia, uma interessante releitura da lenda indígena reproduzida nas belas imagens das paisagens de Tefé. Destaque para a trilha sonora que homenageia os filmes épicos (no caso O Último dos Moicanos, de Michael Mann) e a sequência na floresta que faz reverência aos ângulos e movimentos da câmera de Sam Raimi no seu cult filme Evil Dead, situação exótica e estranha para um filme que fala sobre lendas.

Cena de Gritos da Noite, de Allan Gomes

Por fim, Gritos da Noite, de Allan Gomes, que foi vencedor do Programa de Apoio às Artes (Proarte) de 2013, do Governo do Estado. Com uma larga experiência na área audiovisual e alguns prêmios por trabalhos anteriores (No Hollywood e Além da Vida), Gomes atinge em seu novo curta-metragem a melhor forma de alinhar o apuro visual ao contexto de suspense e horror psicológico, sugerindo mais do que expondo. Neste âmbito, o curta extrai bem a essência da lenda indígena do Anhangá frente a dicotomia da realidade urbana versus forças indígenas ancestrais. O ponto alto é como Gomes constrói o suspense sobrenatural, principalmente quando o enredo se passa à noite – o cuidado estético é meticuloso e chama a atenção pelas imagens. Lembra um pouco A Bruxa de Blair, mas o filme de Gomes tem personalidade própria dentro “dos causos” da realidade regional.

Obs.: O décimo curta é O Compromisso, de Max Michel, que passou na Mostra de Cinema Amazonense no final do ano passado e cuja crítica você pode conferir neste link.