Dez filmes nas costas, e o britânico Guy Ritchie ainda luta para ser levado a sério. Quando surgiu, com “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes” (1998), o estilo hiperativo, o humor desbocado, “de rua”, e as tramas sobre o submundo inglês levaram a comparações com o diretor americano Quentin Tarantino. Mais tarde, o casamento com Madonna e o virtual sumiço da cena, após o fiasco de “Destino Insólito” (2002), sugeriram um possível esgotamento. Ainda outra vez, com “Rock‘n’Rolla: A Grande Roubada” (2008) e a série “Sherlock Holmes”, Ritchie fez menos barulho do que merecia, acusado, agora, de estar se repetindo, e não ser mais tão vital quanto antes.

Portanto, é sob a desconfiança de crítica e público que Ritchie entrega seu novo trabalho, “O Agente da U.N.C.L.E”. Lançado sem estrondo nos grandes mercados – da primeira semana de agosto, quando o filme estreou na Inglaterra, até a primeira de setembro, a fita mal conseguiu recuperar o investimento –, ainda assim este é o trabalho mais agradável e bem conduzido de Ritchie desde seus primeiros sucessos.

Adaptada de uma série de televisão exibida na Grã-Bretanha na década de 1960, criada por ninguém menos que Ian Fleming – sim, o pai de James Bond –, “O Agente da U.N.C.L.E.” mostra a gênese da improvável parceria entre Napoleon Solo (Henry Cavill, o atual Superman), um espião da CIA superlativo no charme, na malícia e nas mãos leves, e o ainda mais apolíneo, mas sério e reservado Ilya Kuryakin (Armie Hammer, de “A Rede Social” e “O Cavaleiro Solitário”), agente top class da KGB. São os anos 1960, auge da Guerra Fria, e os dois homens, representantes máximos das maiores potências do conflito – Estados Unidos e União Soviética – se veem obrigados a proteger e descobrir mais sobre o passado de Gaby Teller (Alicia Vikander, do excelente “Ex Machina: Instinto Artificial”, lançado este ano no Brasil), uma mecânica de automóveis alemã cujo pai, desaparecido, guardaria segredos nucleares de cair o queixo.

O mote absurdo explicita, de saída, o tom leve, de matinê, da obra. Como um “Onze Homens e um Segredo” mais jovem e atlético, “O Agente da U.N.C.L.E.” é todo elegância e estilo, dos figurinos que remetem à “Swinging London” de “Blow-Up: Depois Daquele Beijo” (1966), de Michelangelo Antonioni, ou à Itália cosmopolita de Federico Fellini em “A Doce Vida”, golas rulê e vestidos tubinho a granel, à excelente trilha sonora de Daniel Pemberton, com canções do período escolhidas a dedo. Retrô também é o desenrolar da história: longe de ironizar ou desconstruir as convenções dos filmes de espião, o roteiro (de Ritchie e Lionel Wigram) se compraz em oferecer ao espectador personagens sólidos e carismáticos, numa trama quase ingênua sobre falsas aparências e provocações sexuais.

Elegante e estilosa é também a direção de Guy Ritchie. Longe dos excessos publicitários de “Jogos…” e “Snatch: Porcos e Diamantes” (2000), a mão do diretor parece mais suave e segura, pontuando com precisão a atmosfera de cada sequência (a da perseguição dos barcos, com a câmera se concentrando em Napoleon enquanto Kuryakin sofre o diabo na mão dos capangas da bela Victoria Vinciguerra, interpretada por Elizabeth Debicki, é um primor de graça e sutileza), e criando cenas de comédia que fazem rir, enfim, pelo humor das situações, nunca pela bravura da direção.

Todas essas virtudes, porém, também servem para explicar a rejeição ao filme: com um elenco pouco conhecido (Cavill e Hammer ainda não se firmaram como galãs de direito próprio), a aposta no tom passadista, ainda que esbanjando charme, e certa má-fé associada à produção errática do diretor, “O Agente da U.N.C.L.E.” fez pouca espuma num ano de filmes de agentes secretos cheios de testosterona e efeitos (“Kingsman: Serviço Secreto”, “Missão Impossível: Nação Secreta”, o aguardadíssimo “007 Contra Spectre”). Trata-se, porém, de um programa descomplicado, agradável e envolvente, cinema como passatempo, no melhor sentido da palavra. Vale a pena conferir.