Dez anos atrás, um jovem diretor britânico começava a carreira em longas-metragens com uma encantadora adaptação do clássico de Jane Austen, “Orgulho e Preconceito”. O início ambicioso se seguiu de outro êxito, também saído da literatura: o belo “Desejo e Reparação”. O que veio depois foi uma série de filmes aquém do que Joe Wright havia dado ao público em seu início. Com “Peter Pan”, a má fase vira fundo do poço. Uma comédia de erros (involuntários), a história do “menino que não queria crescer” chega às telas sem propósito e se transforma em filme brega com um romance barato e vilão digno de quadro de “Zorra Total”.

Claro que o desastre que é Peter Pan se deve ao roteiro de Jason Fuchs (já adianto que ele está trabalhando no de ‘Mulher Maravilha’…). A linha do tempo duvidosa (se o filme se passa durante a Segunda Guerra Mundial, quando Peter aparece para Wendy? Nos anos 1980?) dá até para perdoar, já que estamos falando de uma história baseada nos personagens criados por J.M. Barrie. No entanto, Fucha ignora a principal premissa da história – que é citada na narração que abre o filme: “Por que Peter Pan não quer crescer?”.

Essa trama – que, por si só, já renderia um filme envolvente como o de P.J. Hogan, lançado em 2003 – é ignorada em detrimento de uma escolha agora comum em adaptações de clássicos infantis: o tal do vilão que tinha tudo para virar mocinho. Nesse caso, podemos contar o Hook de Garrett Hedlund (em uma atuação esquisitíssima) como 100% mocinho, já que não vemos nada, absolutamente nada que possa levá-lo a se revoltar contra o seu adorável amigo Peter. Isso acontece muito porque Fuchs parece dar ganchos (eu deixo vocês rirem) para uma sequência (algo bem difícil com a fraca recepção que o filme teve). Ainda assim, teria sido interessante ver o roteirista brincar com a dualidade do personagem e, em vez de mirar na vibe ‘sou cafajeste mas tenho coração’ do Han Solo, seguir a linha ‘algo vai dar errado aqui’ do Anakin Sywalker, já que estamos falando de um vilão.

Falando em “Star Wars”, a gente precisa mesmo de mais um personagem predestinado a salvar o mundo das garras do homem malvado? O tal homem malvado aqui é o Barba Negra, vivido por um Hugh Jackman com gana de Johnny Depp. Caricato, o personagem não mete medo nem em uma senhorinha indefesa. Barba Negra ainda nos entrega um dos momentos mais constrangedores do cinema em 2015, com a interpretação fora de lugar de “Smells Like Teen Spirit”.

Outro personagem que não dá para engolir é a Tigrinha Lili. O erro que é Rooney Mara nesse papel fica latente quando vemos um plano geral da colorida tribo da qual ela é princesa – aliás, ponto para a direção de arte, porque nem tudo é tragédia nesse filme. Por que diabos colocaram uma atriz mais branca que um vestido de noiva para fazer esse papel? Não dá para entender. Em tempos de discussão sobre atores brancos vivendo personagens de etnias diferentes (olha a Emma Stone em ‘Sob o Mesmo Céu’), pegou bem mal. Além de racista, “Peter Pan” também dá vários passos para trás ao PRECISAR colocar a personagem feminina principal em um romance com o galã (porque sim, Hook tem que ser galã, não é, minha gente?). O resultado é um conjunto de cenas constrangedoras.

Um dos poucos acertos do filme é o jovem Levi Miller, que constrói um Peter Pan aventureiro e pé no saco (como o de J.M. Barrie e o do desenho da Disney) na medida certa. Uma pena é que o personagem tenha um arco dramático tão insípido. Do clichê da infância no orfanato tentando driblar a inspetora malvadona ao duelo interior com a tal história de ‘ser o escolhido’, Peter acaba se salvando pelo carisma de Miller. Vale destacar também Adeel Akhtar, que consegue dosar a caricatura e rouba a cena como Smee.

No aspecto técnico, “Peter Pan” também fica devendo. Se a direção de arte é impecável ao construir a tribo, a fotografia é uma confusão só, assim como a trilha sonora, que parece implorar ao espectador que sinta as emoções de cada cena. Tirando a breve – e bela – cena em que Peter flutua no espaço, não vemos Wright aproveitar o potencial de um personagem principal que pode voar. A batalha final é um ensaio para algo grande, mas é tão sem emoção que a vontade é de pegar o relógio para saber quantos minutos faltam para o filme acabar.

É triste ver um filme que poderia ser grande buscar soluções tão mesquinhas para contar uma história. Mais que isso, “Peter Pan” subestima o público ao apelar para uma história de amor como carro-chefe. Na tentativa de se desvincilhar da obra original e criar algo diferente, o que se tem é uma obra cheia de clichês e permeada por preconceitos.

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