Em 2019, um ano em que muitos blockbusters de Hollywood têm decepcionado nas bilheterias, um legítimo blockbuster é lançado diretamente para as casas do público: trata-se da terceira temporada do sucesso Stranger Things, da Netflix. Na verdade, um filme dividido em oito partes com tudo a que os grandes espetáculos têm direito: é movimentada, tem humor, alguns momentos de tensão e ótimos efeitos visuais. Claro, esta terceira temporada não consegue recuperar o frescor e a graça da primeira, e provavelmente a série nunca vai conseguir isso. Mas – aí vem uma boa notícia – ela é bem melhor que a segunda temporada, que pecou por apresentar apenas mais do mesmo em 2017.

Curiosamente, este terceiro ano também não deixa de ser um pouco de “mais do mesmo”. A trama é basicamente igual da segunda temporada: nossos heróis – as crianças, os jovens e os adultos – se reúnem para enfrentar novas criaturas do Mundo Invertido, depois de acharem que tinham resolvido os problemas. A diferença, agora, é que as crianças não são mais crianças: Stranger Things entra naquela estranha fase da vida, a adolescência. Onze (Millie Bobby Brown) e Mike (Finn Wolfhard) estão namorando e sentindo a pressão dos hormônios. Até o Dustin (Gaten Matarazzo) arruma uma namorada – “inteligente e mais linda que a Phoebe Cates”, de acordo com ele, – e uma cena com ela resulta num dos momentos mais divertidos da temporada.

LEIA TAMBÉM: Crítica – “Stranger Things”: Primeira Temporada

Esse é um diferencial, ainda mais para uma série que, até agora, pareceu bastante reticente em chacoalhar o seu status quo. A temporada, porém, também trabalha com alguns subtextos interessantes. Ela se passa em 1985 e a grande novidade na cidade de Hawkins é o enorme shopping center, e a série retrata a maneira pela qual a economia das muitas cidades mudou nesse período, com o fechamento de vários pequenos negócios por causa do novo templo do consumo repleto de grandes marcas – claro, ajuda também o cenário do shopping lembrar o de O Despertar dos Mortos (1978) de George Romero. A Guerra Fria – os russos são os vilões, tentando reabrir o portal para o Mundo Invertido – e a guerra dos sexos, versão teen, com o empoderamento das meninas, e a luta de Nancy (Natalia Dyer) contra o sexismo no trabalho, também fazem parte da narrativa dos episódios.

DIVERSÃO HONESTA

Tudo isso, claro, fica bem em segundo plano. O clima de Stranger Things é de diversão, e essa temporada tem um jeito de “Sessão da Tarde” até maior que as anteriores, apesar de uma ou outra ocasional cena nojenta. O visual é super-colorido, desde o shopping até a fortaleza dos russos – um design de produção impressionante com paredes azuladas e carrinhos vermelhos para locomoção pelos corredores – até os figurinos, também coloridos e engraçados. Assim como os penteados… O ritmo dos episódios é ágil e o elenco parece até mais afiado no quesito humor. São ótimas as cenas entre a maluquinha Joyce (Winona Ryder) e o xerife Hopper (David Harbour), apesar dos roteiristas terem feito o personagem dele excessivamente babaca em alguns momentos. Outra que também rouba a cena sempre que aparece é a pequena Priah Ferguson, que vive a divertidíssima Erica.

E há, obviamente, várias as referências à cultura pop. Algumas bem óbvias: um dos vilões russos parece o Exterminador do Futuro; os garotos assistem a Dia dos Mortos (1985) e De Volta para o Futuro (1985) no cinema do shopping; o novo monstro, em seu estado menor, lembra a Bolha Assassina. Outros são mais sutis para o público que viveu a época – afinal, Stranger Things é um blockbuster para toda a família…

LEIA TAMBÉM: Crítica – “Stranger Things”: Segunda Temporada

Claro, do ponto de vista de roteiro, a série tem seus problemas. Onze passa quase metade dos episódios vendada, à procura de seus inimigos. Um desenvolvimento envolvendo a mãe de Mike (a ótima Cara Buono) nos primeiros episódios acaba não levando a nada. A repetição de problemas das temporadas anteriores não deixa de ser decepcionante, e de fato, nunca chegamos realmente a sentir que os heróis, os personagens mais queridos do público, estão mesmo em perigo.

Mesmo assim, há uma honestidade na série. Seus criadores, os irmãos Duffer, têm o coração no lugar certo e a paixão deles por coisas oitentistas volta a empolgar aqui como havia ocorrido na primeira temporada. Eles abraçam as breguices e coisas incríveis dos filmes dos anos 1980 em igual proporção, e é daí que vem essa honestidade. Não, Stranger Things não é uma grande série, nem vai fazer você refletir sobre o sentido da vida. Mas, nesta temporada, ela volta a ser divertida como antes, mais do que a maioria dos filmes nos multiplexes este ano. É até feita para ser vista como filme, pois, seus oito episódios passam voando, ao contrário de algumas atrações da Netflix que são esticadas até o limite da paciência. É ágil, engraçada, com momentos de ação e humor e, especialmente no episódio final, cheia de grandes visuais e cenas malucas com monstros para quem curte esse tipo de coisa. E no mundo de hoje, um pouco de diversão honesta não é algo a se desprezar.

‘O Problema dos 3 Corpos’: Netflix prova estar longe do nível HBO em série apressada

Independente de como você se sinta a respeito do final de Game of Thrones, uma coisa podemos dizer: a dupla de produtores/roteiristas David Benioff e D. B. Weiss merece respeito por ter conseguido transformar um trabalho claramente de amor - a adaptação da série...

‘True Detective: Terra Noturna’: a necessária reinvenção da série

Uma maldição paira sobre True Detective, a antologia de suspense policial da HBO: trata-se da praga da primeira temporada, aquela estrelada por Matthew McConaughey e Woody Harrelson, e criada pelo roteirista/produtor Nic Pizzolato. Os grandiosos oito episódios...

‘Avatar: O Último Mestre do Ar’: Netflix agrada apenas crianças

Enquanto assistia aos oito episódios da nova série de fantasia e aventura da Netflix, Avatar: O Último Mestre do Ar, me veio à mente algumas vezes a fala do personagem de Tim Robbins na comédia Na Roda da Fortuna (1994), dos irmãos Coen – aliás, um dos filmes menos...

‘Cangaço Novo’: Shakespeare e western se encontram no sertão

Particularmente, adoro o termo nordestern, que designa o gênero de filmes do cinema brasileiro ambientados no sertão nordestino, que fazem uso de características e tropos do western, o bom e velho faroeste norte-americano. De O Cangaceiro (1953) de Lima Barreto,...

‘Novela’: sátira joga bem e diverte com uma paixão nacional

Ah, as novelas! Se tem uma paixão incontestável no Brasil é as telenovelas que seguem firmes e fortes há 60 anos. Verdade seja dita, as tramas açucaradas, densas, tensas e polêmicas nos acompanham ao longo da vida. Toda e em qualquer passagem de nossa breve...

‘Gêmeas – Mórbida Semelhança’: muitos temas, pouco desenvolvimento

Para assistir “Gêmeas – Mórbida Semelhança” optei por compreender primeiro o terreno que estava adentrando. A série da Prime Vídeo lançada em abril é um remake do excelente “Gêmeos – Mórbida Semelhança” do genial David Cronenberg, como já dito aqui. O mundo mudou...

‘A Superfantástica História do Balão’: as dores e delícias da nostalgia

Não sou da época do Balão Mágico. Mesmo assim, toda a magia e pureza desse quarteto mais que fantástico permeou a infância da pessoa que vos escreve, nascida no final daquela década de 1980 marcada pelos seus excessos, cores vibrantes, uma alegria sem igual e muita...

Emmy 2023: Previsões Finais para as Indicações

De "Ted Lasso" a "Succession", Caio Pimenta aponta quais as séries e atores que podem ser indicados ao Emmy, principal prêmio da televisão nos EUA. https://open.spotify.com/episode/6NTjPL0ohuRVZVmQSsDNFU?si=F1CAmqrhQMiQKFHBPkw1FQ MINISSÉRIES Diferente de edições...

‘Os Outros’: por que a série da Globoplay assusta tanta gente? 

“Não vou assistir para não ter gatilhos”, “estou com medo de ver esta série”, “vai me dar pesadelos”. Foi comum encontrar frases como estas pelo Twitter em meio à repercussão causada por “Os Outros”. Basta ler a sinopse ou assistir aos primeiros minutos da produção da...

‘Black Mirror’ – 6ª Temporada: série parece ter ficado para trás

Nem todo mundo lembra, hoje, mas Black Mirror, a série antológica de ficção científica criada por Charlie Brooker que lida com as tensões modernas em torno da tecnologia e o futuro, começou em 2011 como uma produção humilde e de orçamento pequeno da emissora britânica...