Jogos Vorazes, Divergente, Maze Runner… todos podem até tentar, mas o título de fantasia mais bizarra e surreal da década está nas mãos de outra franquia: Deus Não Está Morto. Se o primeiro filme investia em um debate entre um aluno cristão e um professor ateu que exigia que os alunos declarassem que “Deus está morto”, o segundo chega aos cinemas agora levando a história a um patamar acima, direto para o tribunal, e consolidando de vez a onda de sucessos gospel de proporções bíblicas em Hollywood, como o recente Quarto de Guerra (2015) – ou, no caso das salas brasileiras, o nosso Os Dez Mandamentos (ainda que com salas vazias).

A boa notícia é que Deus Não Está Morto 2 é relativamente (ênfase no “relativamente”) melhor que o seu antecessor – não que isso signifique muita coisa. Em vez do excesso de histórias paralelas e desconexas do primeiro, o novo filme prefere se concentrar na professora de ensino médio Grace Wesley (Melissa Joan Hart, a ex-Sabrina, a Aprendiz de Feiticeira, de bruxa pagã a cristã devota). Depois de ser interpelada por uma aluna na aula de história e responder traçando um paralelo entre as abordagens de não-violência de Gandhi, Martin Luther King e o próprio Jesus Cristo, Grace é processada pelos pais da garota sob o pretexto de estar pregando em sala de aula, o que dá início a um julgamento que ganha repercussão nacional.

“Mas o que realmente está em julgamento aqui?” é a pergunta-chave óbvia – mas, caso você tenha dúvidas, uma jornalista escreve a questão num caderninho e o diretor Harold Cronk (também do primeiro longa) faz questão de enquadrar os dizeres em um plano-detalhe. É o tipo de escolha que ilustra bem o filme como um todo: acima de tudo, a direção e o roteiro prezam por subestimar a inteligência do espectador. Tudo toma proporções exageradas até mesmo para os padrões de suspensão da descrença: no mundo ocidental em que vivemos, não há nada demais na aula de Grace, já que a resposta da docente é puro embasamento histórico; já na realidade pintada em Deus Não Está Morto, citar o evangelho em sala de aula é o suficiente para se iniciar uma cruzada contra o cristianismo, num mundo em que cristãos são tão perseguidos que o nível de paranoia no ar faz o Batman de Ben Affleck parecer sensato. Não é à toa que o advogado contratado pelos pais da garota (vivido por um Ray Wise que parece estar se divertindo à beça) faz questão de pronunciar em alto e bom som que “vamos provar de uma vez por todas que Deus está morto”.

Aí reside o maior problema de Deus Não Está Morto 2, que, assim como o primeiro, insiste na ideia de uma perseguição generalizada aos cristãos praticantes, em especial os evangélicos, e principalmente no meio acadêmico. Mesmo assim, é curioso como a produção é recebida com aceitação e identificação por seu público-alvo, se apresentando como uma obra que se propõe a reafirmar a fé desses espectadores – na sessão em que eu estava, por exemplo, as pessoas vibravam sempre que o advogado de Grace Wesley conseguia vencer uma parte do processo. Até aí tudo bem, pois não há nada de errado em um filme que se assume como religioso, desde que ele seja bem feito – até mesmo a animação O Príncipe do Egito (1998) consegue fazer isso de maneira básica e satisfatória.

A questão aqui é outra: para atingir em cheio seu público, Deus Não Está Morto 2 investe em pura desonestidade intelectual, como uma propaganda mal-feita de uma religião. Ao mesmo tempo em que os personagens falam sobre a importância da tolerância e da diversidade, apenas o cristianismo é visto sob os maus olhos da sociedade; um dos personagens secundários, o asiático Martin, chega a levar um tapa do pai por “sair do armário” como cristão, enquanto os ateus são novamente caracterizados essencialmente como pessoas más, mesmo com eufemismos (os pais que processam a professora se apresentam como “livres pensadores racionalistas”, por exemplo). Mas o que dizer sobre a opressão muitas vezes institucionalizada a outras religiões, como, por exemplo, o crescente preconceito ao islamismo no âmago dos próprios EUA, que, aliás, continua sendo um dos países mais cristãos do mundo? O discurso sobre diversidade que o filme de Harold Cronk prega pode parecer bonito no papel, mas não funciona no mundo retratado no filme, em que apenas um grupo (cristão) está inegavelmente certo e sofre por suas convicções.

Assim, é quando foge um pouco dessa sensação de paranoia que o longa até consegue acertar, ao investir na linha de defesa utilizada pelo advogado de Grace (vivido por Jesse Metcalfe, de Desperate Housewives), apresentando alguns argumentos que realmente fazem sentido, ao contrário do filme anterior, que comparava o Big Bang a versículos bíblicos. Especialistas reais, como o ex-detetive J. Warner Wallace, autor de Cold Case Christianity, são chamados a depor para apresentar pesquisas factuais que comprovam que Jesus existiu historicamente, e portanto não há nenhum impeditivo em ser citado numa aula de história – o que deveria ser óbvio mesmo para os ateus malvados do longa, mas ao menos é explicado de forma didática e eficiente no filme. Discussões temáticas à parte, o orçamento maior da sequência também pelo menos possibilitou alguns acertos técnicos, como uma fotografia e um elenco melhores: Ray Wise se diverte exagerando na caricatura do “advogado do diabo”, Jesse Metcalfe é eficiente ao dar um espírito de veracidade e ingenuidade ao advogado de defesa e Melissa Joan Hart… bem, ela chora e parece triste o bastante. Por outro lado, a trilha sonora onipresente e irritante continua firme e forte.

Ainda que pelo menos não precise matar nenhum ateu no final do filme para comprovar seus argumentos, Deus Não Está Morto 2, assim como o primeiro filme, continua panfletário, desonesto e nem um pouco criativo. Não que isso faça alguma diferença para a mina de ouro que a produtora Pure Flix Entertainment encontrou: o filme conta até com uma cena pós-créditos, no maior estilo Marvel, deixando no ar mais uma sequência do “universo expandido” da franquia, e provando que o que vimos na tela é mesmo uma realidade alternativa. Mais uma vez, a banda gospel Newsboys encerra o filme com um show, convidando os espectadores a enviarem mensagens de texto para os amigos e cantando agora uma música nova, em que um dos versos diz “quando se tornou contra as regras falar o Seu nome em alto e bom som na escola?”. A resposta é: não se tornou. Não nos EUA, ao menos, e nem no Brasil. Só mesmo na dimensão paralela de Grace Wesley e seus alunos.