A série Jogos Vorazes chega finalmente ao seu encerramento, com a segunda parte de A Esperança. Geralmente, o filme derradeiro de uma saga apresenta, nas suas entrelinhas, uma despedida épica. Em cada momento deste novo (e último) filme, há um sentimento de uma iconografia de partida junto com a sensação de finitude e fatalidade presentes de forma iminente. Para uma franquia que iniciou em 2012, como sucessora do fenômeno vampiresco Crepúsculo – exatamente o mesmo ano que esta se encerrava – é inegável que a saga de Katniss Everdeen superou as expectativas dos estúdios, deixando um legado valiosíssimo na cultura pop cinematográfica.

O diferencial da série é que ela deu um passo mais ousado em relação a sua antecessora, ao apresentar uma narrativa complexa que namorava diretamente com temas político-sociais como o autoritarismo, a política do pão e circo – uma atualização distópica da era romana – as desigualdades sociais e a manipulação da mídia como um entretenimento perverso no melhor estilo Big Brother. Oferecia também um triângulo amoroso com elementos fantásticos na sua história do mesmo modo que Crepúsculo, mas distanciava-se do rótulo esdrúxulo deste, por utilizar sabiamente a ficção científica como debate da natureza humana e dos dramas juvenis existenciais. Em outras palavras, a franquia soube atualizar as ficções científicas pós-apocalípticas B das décadas de 60-70, juntamente com seus debates críticos, e transformá-las em uma superprodução hollywoodiana marcada pela seriedade e qualidade, na qual trata com respeito a inteligência do seu público jovem adulto.

Por isso, Jogos Vorazes: A Esperança – O Final acompanha Katniss (Jennifer Lawrence) lidando com a mudança de Peeta Melark (Josh Hutcherson) depois da lavagem cerebral que este recebeu da Capital, ao mesmo tempo em que assume a liderança de um ataque contra a Capital para enfrentar o Presidente Snow (Donald Sutherland), mesmo que isso resulte em uma insubordinação perante a sua líder Alma Coin (Julianne Moore). Fica evidente neste último capítulo um trabalho que oscila entre a maturidade dos enredos dramáticos com as escolhas óbvias que agradam ao público mais exigente comercialmente. Por isso, vamos elencar os cinco pontos principais (e os seus prós e contras) que marcam a última parte da saga de Katniss:

1. Os atos distintos 

Prós: o primeiro ato do filme, centrado no contexto político, é o melhor. Fecha as arestas do arco dramático do anterior, assim como aprofunda a manipulação política e as relações de poder existentes dentro do bunker do Distrito 13. O ritmo é mais lento e cadenciado, mas funciona como um interessante jogo de xadrez, graças às engrenagens que o subtexto conspiratório oferece ao jogo político;

Contra: Já o segundo ato mais pautado na ação é o mais fraco, ainda que ofereça momentos dinâmicos e interessantes. A direção de Lawrence acerta por conciliar (e pontuar) estas sequências sempre em um formato que ajuda o espectador a apreciar o que acontece – nada daquela ação fragmentada ou frenética do primeiro filme -, resultando na ótima sequência dos esgotos, um belo exercício de suspense. Pena que o filme neste segmento abandona sua ousadia para assumir um formato convencional: a ação segue a linha genérica das fases de um jogo de videogame, com monstros e obstáculos a serem vencidos para você caminhar para uma outra missão.

2. Os personagens

Prós: No papel de Katnis, Jennifer Lawrence é sem dúvida o maior triunfo do filme. Assim como acompanhamos o amadurecimento da personagem durante os filmes, a atriz transmite carisma e emoção, criando uma heroína que respira contradição na sua essência. Lawrence é a força motriz dentro da franquia;

Contra: Uma pena que os personagens secundários tão interessantes nos outros capítulos da saga são desperdiçados nesta última parte, como é o caso dos personagens de Haymitch (Woody Harrelson) e Flickerman (Stanley Tucci). Para completar, os líderes como Snow e Coin tiveram sua participação reduzida neste último capítulo para darem espaço ao enredo romântico. Este por sinal….

3. Entre a política e a paixão

Prós: Há de valorizar o roteiro de Peter Craig e Danny Strong em manter a essência da guerra psicológica de bastidores (ao invés da guerra em si), situação responsável em compreendermos o enorme fardo que Everdeen carrega, uma mulher que desconhece suas próprias emoções, seja na relação amorosa com os dois pretendentes no filme, seja a sua enorme dificuldade de aceitar o papel de Tordo, a de líder de uma revolução que não deixa de ser uma interessante metáfora para transição da adolescência para vida adulta;

Contra: Não sou opositor aos romances em filmes e até entendo o quanto eles são necessários para atingirem o público em geral. O grande problema é que o triângulo amoroso até então bem desenhado nos outros filmes, é um verdadeiro encosto neste último capítulo. O relacionamento entre Katniss, Peter e Gale é tão insignificante que rende um momento constrangedor, no qual os dois homens discutem a relação, enquanto ela finge dormir. Sem contar que ocupa tempo demais, enquanto outras subtramas e personagens poderiam ser melhores desenvolvidos neste intervalo.

4. O início e o final

Prós: A evolução na qual a franquia passou nestes três anos é formidável. O primeiro filme pecava pela sua superficialidade e didatismo – o pior de todos – enquanto sua continuação Em Chamas deu um ótimo salto de qualidade por equilibrar os principais elementos deste tipo de cinema, graças à entrada de Francis Lawrence no comando. As duas partes de A Esperança consolidam o enredo dramático e político, preferindo focar a guerra psicológica de bastidores em detrimento da ação. Isso é bem evidente logo no primeiro ato do filme, que prima pelo esmero em aprofundar os seus diversos temas;

Contra: Como já dito, o segundo ato é o mais problemático, principalmente seus 40 minutos finais. Derrapa por exagerar no enfoque do romance insosso e sem faíscas, quebrando o impacto mais dramático da sua trama principal. Para completar, o clímax final é apressado – ainda que a ação se desenrole bem –, sendo a batalha final cortada no seu melhor momento. Os diversos finais falsos (comuns nos encerramentos), além de serem longos, passam a sensação de serem escolhas para agradar os fãs ou o público que deseja digerir os clichês deste tipo de filme.

5. O ousado e o convencional

Neste aspecto não tem como diferenciar os prós e contras do filme, até porque os caminhos tomados pela narrativa são escolhas conscientes que visam agradar ambos os lados (a crítica e o público). Dividir o terceiro livro em dois filmes foi uma decisão não adequada, ainda que compreensível do ponto de vista de bilheteria. No geral, Jogos Vorazes encerra-se de forma digna. Começou de forma corajosa pelo seu olhar pessimista dentro da contextualização política, amadurecendo suas ideias assim como sua personagem principal. Mas da mesma forma como Katniss foi manipulada para ser um artigo de propaganda pelos seus líderes, o filme sofre do mesmo artifício, perdendo-se na própria contradição: abandona sua ousadia e abraça o lado convencional, submetendo-se ao óbvio da fórmula hollywoodiana. Nada que desabone seus méritos, que por sinal são vários, mas é um fim simplista demais para uma obra repleta de revoluções socialistas que, na reta final, preferiu virar um rebelde conformado com a causa.