Sem dúvida, o gênero que mais cresceu no mundo pop nos últimos anos foi a fantasia medieval. Desde que a trilogia O Senhor dos Anéis, de Peter Jackson, mostrou que era possível recriar de forma densa e realista as criações de J.R.R. Tolkien, histórias de mundos mágicos, relíquias sagradas e dragões deixaram de ser privilégio apenas de fãs de RPG e frequentadores de feiras (não a que você está pensando), para dominar quadrinhos, séries de TV e até Hollywood.

Uma consequência perversa desse sucesso, porém, foi a tentativa de tornar tudo que tivesse algum pé na fantasia medieval em um novo Anel (ele corrompe a todos, não é mesmo?). Daí porque até histórias eminentemente infantis, como Alice no País das Maravilhas, João e Maria e até O Hobbit, do mesmo Tolkien (e com o mesmo Peter Jackson no comando) ganharam versões anabolizadas, que traíram o espírito do original e fizeram muita gente torcer o nariz. O mesmo acontece com este O Caçador e a Rainha do Gelo, sequência desnecessária de Branca de Neve e o Caçador (2012), que, à falta de melhores ideias, empresta o verniz sombrio e sexualizado da série Game of Thrones para se diferenciar do antecessor.

Com a saída de Kristen Stewart e do diretor original, Rupert Sanders, a trama de O Caçador tem de rebolar para fazer sentido: somos apresentados à irmã da rainha Ravenna (Charlize Theron), a pobre Freya (Emily Blunt, de Sicario: Terra de Ninguém), que, após a traição do companheiro, ergue um reino de gelo e sequestra crianças das terras vizinhas para formar um exército. Seu objetivo é libertar as pessoas das ilusões do amor e da felicidade familiar, e construir uma comunidade baseada na lealdade e no temor a um poder maior. Só faltava convencer seus dois melhores soldados, o caçador Eric (Chris “Thor” Hemsworth) e a arqueira Sara (Jessica Chastain, de Perdido em Marte) disso. Como sói acontecer, os dois se apaixonam e plantam a semente da rebelião no reino de gelo. Anos depois, quando Eric já pintou os canecos ao lado de Branca de Neve, Freya rouba o espelho mágico de sua falecida irmã, que se torna o Anel poderoso e corruptor que os heróis devem encontrar e destruir.

Neste, como no primeiro filme, só há de fato uma razão para se assistir: Charlize Theron. A atriz sul-africana, que sempre teve as melhores oportunidades negadas por causa da beleza, mostra a mesma inspiração e inteligência que traria a um trabalho que de fato as merecesse, como o incrível Mad Max: Estrada da Fúria (2015), do ano passado. Onde todos, exceto talvez Chastain, aparecem só para faturar o dinheiro do açougue, a loira enche de convicção e sensualidade as maquinações de Ravenna, a ponto de tornar toleráveis até as ridículas motivações de seus atos no fim do filme.

Surpreende, claro, o tom sexual do filme, onde quase tudo gira em torno da busca e da negação da satisfação dos personagens. As nesgas de nudez de Chastain e a postura de femme fatale de Ravenna contribuem para esse tom, mas a verdade é que tudo não passa de ornamento, da mesma forma que a fotografia sombria e o tom de intriga palaciana do primeiro ato. Trata-se, afinal, de destruir o objeto maligno e restaurar o amor familiar, da mesma forma que em O Senhor dos Anéis, Alice, O Hobbit e outras aventuras assexuadas desse gênero.

Emily Blunt e Charlize Theron em O Caçador e a Rainha de Gelo

O saldo, infelizmente, é negativo: uma sequência desnecessária, um bom elenco batendo ponto, uma trama sem surpresas e uma direção (a cargo do estreante Cedric Nicolas-Troyan) de falsas surpresas. Uma produção caprichada e a presença luminosa de Charlize Theron não são suficientes para justificar a sua ida a O Caçador e a Rainha do Gelo.