É bastante comum. Vamos assistir a um curta (amazonense ou não), e nele há pessoas conversando, e o filme é basicamente sobre isso. Às vezes, nem precisa ser sobre isso, mas ainda assim há cenas com longas conversas, com os diálogos cumprindo a função principal para a condução do trabalho. Em qualquer gênero.

Referências ótimas de filmes que utilizam o diálogo como potência criativa e narrativa não faltam: Closer, Pulp Fiction, trilogia Antes do Amanhecer, Boyhood, Quem Tem Medo de Virginia Woolf, O Homem Que Copiava, etc.. Referências menos frutíferas, oriundas da televisão e telenovelas, também entram fortemente no jogo, e aqui o diálogo surge não como potência, mas como explicação da trama.

E aí, normalmente o que se vê são resultados muito aquém da expectativa. O filme não deslancha, não cria imersão, os diálogos que pareciam solução, na verdade, são os defeitos mais evidentes de um filme que soa óbvio e repetitivo em suas ideias. Seus realizadores não entenderam que o diálogo, quando não é muito bem utilizado, precisa sempre ser pensado e repensado, se não ele tem chances reais de virar o defeito que derruba o filme.

O Diálogo Apenas Quando Não For Possível Resolver com a Imagem

Não é à toa que há teóricos que defendem com unhas e dentes o cinema mudo até hoje. Argumentam que a essência da linguagem fora melhor compreendida pelos grandes mestres do cinema silencioso que, por não terem a ferramenta do som direto à disposição, desenvolveram a narrativa cinematográfica tendo como base fundamental o poder das imagens em movimento e da montagem, elementos exclusivoas do cinema em relação às outras artes.

Os intertítulos (os textos que surgem na tela mostrando o que os personagens falam) eram poucos utilizados, apenas quando não havia outra possibilidade de compreensão da cena. Sendo que há diversos exemplos de filmes que nem os utilizavam. As informações eram passadas através de imagens, ações, expressões dos atores, e não há a impressão de que falta elementos para compreender as histórias.

Pelo contrário: os diretores criavam rimas visuais, efeitos com as lentes, na montagem, para criar significados, fantasias, um universo próprio, tecendo uma narrativa que se complementa à trama, expandindo-a, ganhando significados muito mais amplos do que os dramatúrgicos.

9 em cada 10 diretores e roteiristas profissionais dirão que é melhor mostrar uma situação do que fazer isso por um texto falado. A relação com a plateia é completamente outra. Parece que esquecemos, mas imagine sempre a situação da sala fechada, com uma tela muito grande, em que praticamente todo o campo de visão é ocupado por ela. Se um diretor consegue criar um visual impactante, ritmo coerente com a proposta que criou e desenvolve uma narrativa que se completa como imagem e trama, isso já nos coloca numa posição de embarcar no filme de maneira determinante, mais do que em situações com duas pessoas conversando. O que vemos nos convence mais do que o que ouvimos.

Com a chegada do som direto, sem dúvida, novos horizontes foram descobertos e amplificados, mas imagens e cortes permanecem como os elementos definidores da arte, que agora conta com um aliado que expande os limites. A ideia de mostrar em vez de dizer, entretanto, permanece a mais adequada, com o som ajudando a mostrar de outras formas.

A captação de diálogo possibilitada pela nova tecnologia tornou-se um boom na época, tornando os filmes verborrágicos e desnecessariamente barulhentos. Com o tempo, a coisa se normalizou, e retomou-se a orientação de que, assim como os intertítulos, os diálogos só precisam aparecer quando não houver outra solução. No mais, não fazem falta.

É caro fazer diálogo (no Brasil)

Até pouco tempo atrás um dos comentários mais ouvidos como “característica” do cinema brasileiro era a precariedade do som. Clichê, mas verdade, sem dúvida.

O Brasil sempre teve cineastas extraordinários, com obras respeitadas no mundo inteiro, mas era difícil encontrar filmes em que o som fosse um aliado, e não um problema.

Quer dizer, nas produções com orçamento de verdade (e isso, no Brasil, ganha desdobramentos variados. Melhor não me expandir muito aqui). Se estamos falando da produção na raça, em que as condições de equipamentos estão atrelados ao que a equipe tem a mão, aí o som volta a ser um fantasma, sem sobra de dúvida.

Primeiro que um roteiro sem diálogo custa x, e com diálogo, dependendo de quantos são e em quantas cenas, pode expandir seu orçamento para, 2, 3, 5, 10x. É outro nível de responsabilidade, outro filme. Captar som de diálogo é das tarefas mais complexas em qualquer set, das que mais exige perícia dos profissionais envolvidos.

Ao contrário dos efeitos de cor e imagem que são possíveis de se conseguir na pós para corrigir falhas, se o som de um diálogo não for captado de maneira clara, não há milagre de edição que resolva. Ou se dubla, ou se tem um problema. E se no set tudo custa dinheiro, o tempo que se gasta na preparação e captação desses diálogos, cobra um preço alto. E por ignorância, quando se vai fazer o cronograma de gravação e orçamento, normalmente isso não é levado em consideração.

>>CONFIRA A SEÇÃO ‘PASSO A PASSO DO CINEMA’, DE WALTER FERNANDES JR. NO CINE SET

Isso é das primeiras coisas que se deve pensar ao se escrever um roteiro. Quanto ele custa, e se tem diálogo. Interfere totalmente na equação. Até porque, é ilusão achar que alguém que não saiba manusear o equipamento irá fazer o serviço com a perícia necessária. Ora, se não se deve chamar qualquer pessoa pra fotografar, atuar, montar, não se deve chamar qualquer pessoa pra fazer o som. Ao mesmo tempo, profissionais de som são escassos, e merecem ser valorizados. E claro, isso custa dinheiro.

Sem contar que se o filme possui diálogo, não foi captado de maneira correta, não passou por um bom processão de mixagem e edição, e mesmo assim, meia boca, ficou no resultado final do filme, temos uma precariedade que salta aos olhos e ouvidos do espectador de maneira indiscutível. E marca o momento em que o filme deixa de ser levado a sério, ficando em descrédito irreversível, pois, cai no pior lugar possível: o de exigir boa vontade do espectador para relevar erros de imperícia na execução.

É difícil criar diálogos

Tudo o que foi dito ainda nem leva em consideração uma característica que é base da questão: a qualidade dos diálogos. Afinal, por mais que se tenha perícia e dinheiro para garantir uma boa captação das falas, de nada adianta se o que é dito não é bom. Não é difícil constatar que a escrita de diálogos no cinema é uma prática altamente subestimada.

Surpreendente, porém, é a quantidade de roteiristas iniciantes que compartilham da opinião do cineasta e tem como base de sua obra uma ferramenta complexa e de dificílimo controle. É como começar a jogar um jogo que você não domina, escolhendo a dificuldade mais elevada.

É bastante difícil ser convincente na linguagem escrita reproduzindo a linguagem falada. Escrever como se fala é o tipo de tarefa que parece simples à primeira vista, mas bastante desafiadora na prática.

Listei aqui alguns vícios frequentes em roteiros:

  • a fala expositiva, em que o personagem diz algo da trama que já compreendemos antes pelas imagens e ações;
  • a fala que cumpre papel de passar informações relevantes da trama, mas mal disfarçada, deixando claro que quem fala ali é o autor e não o personagem;
  • a conversa trivial (“herança” do Tarantino) em que os personagens conversam sobre questões banais do cotidiano, sem necessariamente ter ligação com a trama, para dar um ar diferentão e esperto ao filme, quando, na verdade, é apenas perda de tempo, e fuga do tema;
  • as falas que não são convincentes na boca dos atores, seja por questões linguísticas, semânticas, de prosódia, pois esses detalhes passaram despercebidos;
  • ou ainda aquelas falas que procuram ser coloquiais, falando a linguagem naturalista do ambiente que se quer mostrar, mas que soam vulgares e aproveitadoras, sem a organicidade necessária, que se encontra num limiar estreito.

O ideal seria, dependendo do caso, a criação de uma estrutura dramatúrgica e cinematográfica que criasse situações em que os diálogos cumpram mais de uma das funções citadas simultaneamente, e isso soar natural, quando, na verdade, tudo foi construído pra que o diálogo cumprisse tal papel em função da trama, e não o contrário.

Isso interfere de maneira direta também no trabalho dos atores, que podem desenvolver composições mais voltadas para a expressão facial e corporal para cumprir as intenções de seus personagens, ou serem colocados para dar conta de falas supostamente complexas, incompatíveis com seus métodos de construção de personagens, que, muitas vezes, podem mais atrapalhar que ajudar.

Os diálogos estão no cinema com um dos elementos que mais deixam clara a diferença que existe entre o cinema que se assiste e o que se produz. Como plateia, quando são bem desenvolvidos, muitas vezes, é o ponto que nos aproxima das personagens, que faz com que nos reconheçamos na tela, além de ser um prazer presenciar uma conversa envolvente, que faça sentido, entre duas pessoas. Mas quando se está no outro lado do balcão, o pensamento precisa ser mais frio e calculado, e os diálogos estão no topo da lista de armadilhas que os roteiristas de primeira viagem mais deslizam.

DICA DE CANAL NO YOUTUBE PARA APRENDER MAIS SOBRE A ARTE DO ROTEIRO: