Pensei em muitas maneiras de escrever sobre este Pequeno Segredo sem citar a sua polêmica escolha para ser o representante brasileiro no Oscar de 2017, ou citar Aquarius (2016), o filme que supostamente foi prejudicado por questões políticas e não artísticas. Mas, infelizmente, não é possível. Se não inserir esses elementos no texto, falar sobre o filme dirigido por David Schurmann se torna uma tarefa quase sem função artística e/ou histórica, afinal o seu filme não tem a capacidade de resistir ao tempo, ou a discussões mais aprofundadas.

Pequeno Segredo é um filme que beira a irrelevância artística, que não possui capacidades suficientes para responder por si só sobre as suas escolhas e discurso, e que só está sendo visto e comentado por causa da equivocada (para dizer o mínimo) escolha da comissão formada pelo Ministério da Cultura. Não fosse isso, esse filme seria um daqueles títulos que passam batido, e que, com todo respeito à equipe que o produziu, sua falta não seria sentida, com tanta coisa mais relevante sendo produzida no Brasil atualmente.

Contado através de três histórias interligadas, duas no passado e uma no presente, conhecemos Robert (Errol Shand), um viajante estrangeiro em uma vila no Pará, trabalhando com embarcações. Ele conhece Jeanne (Maria Flor), e logo se apaixonam, vivendo uma intensa história de amor. Paralelamente a isso acompanhamos a mãe de Robert, Barbara (Fionnula Flanagan), em Auckland, Nova Zelândia, vivendo amargurada com a ida do filho para outro país, convivendo com o marido doente, que cada vez fica mais debilitado por conta do seu estado de saúde. No presente, acompanhamos Kat (Mariana Goulart), uma adolescente de 12 anos que não possui uma boa relação com os colegas, e que mora com os pais, sempre viajando em um barco. Sua mãe, Heloísa (Júlia Lemmertz), trata a garota com um cuidado diferente, deixando latente um segredo sobre a condição de saúde da garota.

Repleto de boas intenções e apreço à condição de Kat, Pequeno Segredo não pode ser acusado de ser irresponsável. Trata a condição da adolescente, portadora do vírus HIV, de uma maneira sensível, respeitosa. David Schurmann, que é irmão de Kat e filho de Heloísa (o personagem de David faz uma rápida ponta no filme), coloca uma evidente energia pessoal no trabalho, ressaltando a beleza daquelas relações, o quanto os Schurmann foram importantes pra inclusão daquela menina em um universo menos sofrido, ressaltando os valores por ela aprendidos, etc.

Cena de Pequeno Segredo, com Marcelo Anthony e Júlia Lemmertz

E esse é, ao mesmo tempo, o maior problema do filme.

Estou convencido que a história de Kat e dos Schurmann é interessante, e poderia render um bom filme. Mas, evidentemente, falta a David Schurmann um distanciamento emocional maior. A auto-importância que o filme se dá é evidente, e danosa ao resultado final, como na sequência inicial com o peso que é dado à frase “baseado em fatos reais”, com aquela trilha tão artificial quanto a borboleta inserida digitalmente.

Imagino esse filme sendo um belíssimo documento pra ser exibido numa reunião familiar, na noite de Natal, ou em alguma importante ocasião dos Schurmann. Nesse contexto, acho linda a iniciativa.

O problema é quando esse filme é feito pra ser visto por mais gente, em um outro contexto. Aí, falta muita coisa, coisas demais.

O diretor cai em quase todos os clichês mais desagradáveis e pobres na tentativa de emocionar o público, forçando a barra para que o filme seja uma experiência emotiva, abusando de uma melosa trilha musical praticamente onipresente, câmera lenta usada para um efeito artificial imediato, closes em expressões que não dizem nada, ou dizem coisas demais, e pavorosas frases feitas que são jogadas na intenção de fazer com que o filme tenha um “tom” poético, demonstrando que Schurmann, mesmo que bem intencionado, possui uma mão muito pesada como diretor, e pouca habilidade na construção e desenvolvimento das suas cenas.

Parecendo muito com a nova – qualquer que seja – novela das seis da Globo, o filme possui, além do próprio Schurmann, Victor Atherino, e o experiente Marcos Bernstein (Central do Brasil, Terra Estrangeira, Zuzu Angel) no roteiro, que coloca os dois pés no sentimentalismo mais rasteiro e superficial, criando situações piegas, sem coesão narrativa, incapazes de conter qualquer densidade. Temos desde o lugar-comum supremo do homem apaixonado que se arrependeu de um erro e vai correndo em busca do perdão da amada, passando pelo clichê do bullying na sessão de balé, a câmera lenta (absolutamente injustificada) com Kat e a amiga dançando uma música de Aretha Franklin – cena que deriva para lugar nenhum -, culminando num dos momentos mais constrangedores do ano, quando a personagem de Julia Lemmertz explica para Barbara o que é o amor, sendo um símbolo do resultado dos diálogos do filme que apenas soam posados e falsos quando queriam ser poéticos.

Maria Flor em cena de Pequeno Segredo

Os personagens acompanham a artificialidade da trama, revelando apenas uma camada, com o “destaque” para Barbara, absolutamente caricata e estereotipada como “a” vilã, mãe chata, autoritária, manipuladora, desequilibrada, com problemas com alcoolismo, que quer que o seu filho, puro sangue, só se case com alguém tão boa quanto a sua linhagem, e que utiliza todas as suas cenas pra humilhar Jeanne, ou questionar as escolhas de Robert. Flanagan abusa do carão e de uma postura canastrona para interpretar a personagem, agregando um tom cansativo à personagem, equivocada desde a sua construção. A cena, já na parte final do filme, em que Barbara encontra os Schurmann na casa de Robert e Jeanne, e pergunta se eles são da mesma tribo que a nora, assemelha-se com aqueles vídeos de situações cotidianas para praticar o listening nos cursos de inglês, tamanha é a sua artificialidade.

Preparando o filme para um clímax previsível, que não empolga, Pequeno Segredo termina como uma experiência dúbia, pois vimos um filme evidentemente problemático e mal executado, mas que possui um coração enorme, realizado com carinho, e personagens reais que fazem tudo isso parecer mais aceitável, de que não se deve exigir aquilo que o filme não quer dar, que o importante é se focar na mensagem de amor e compreensão que a obra oferta.

Mas ele tem que ser analisado como filme, assim como qualquer outra obra cinematográfica, e dessa maneira é até injusto compará-lo com Aquarius, ou com Boi Neon, Para Minha Amada Morta, ou qualquer outro bom filme produzido no Brasil recentemente.

Cena de Pequeno Segredo

Pequeno Segredo não faz parte sequer da lista de bons filmes recentes. Entraria no limbo dos filmes esquecíveis/bem intencionados, como muitos outros, mas como foi colocado em um local em que jamais deveria ter sido posto, acaba ficando com uma fama de ruim. Sinal dos tempos sombrios que vivemos.