Ir ao cinema para assistir a um filme dos anos 1970 que já foi lançado em todos os formatos possíveis e exibido algumas centenas de vezes na televisão: essa foi minha tarefa para o último domingo, 20, às 12h30. A expectativa era carregar meu marido e minha mãe para uma sessão de “O Poderoso Chefão” na qual estaríamos acompanhados de umas dez pessoas, vendo um bom filme a salvo do calor escaldante do verão manauara.

Devo dizer que só cumprimos este último objetivo. Chegamos ao cinema pouco antes de 12h, com o Shopping ainda fechado e o pessimismo de quem conta com tão poucas alternativas de filme nos cinemas na cidade. “Deve ter acontecido alguma coisa”, “Só vão abrir 14h” e “Vai ver o cinema nem funcionando está” passaram pelas nossas cabeças, só para as portas do Studio 5 se abrirem logo em seguida e as pessoas que estavam na área externa seguirem direto para o Cinemark.

Na hora da compra dos bilhetes, verificamos algo “estranho”: vários assentos já não podiam ser escolhidos no sistema que nos permitiria definir nossos lugares. Ao nos acomodarmos na sala, ainda incrédulos, pudemos ver que não se tratava de nenhum erro: cerca de 100 pessoas tiveram a mesma idéia de ver um bom filme a salvo do calor escaldante do verão manauara!

Começa o filme. As luzes da sala não se apagam e vários gritos de “Apaga a luz!”, “Apaga essa merda” e “Apaga e volta a fita” são entoados, até que alguns espectadores saem da sala para fazer o pedido a um funcionário. Agora sim, podemos passar as próximas 3 horas na companhia da família Corleone. Porque nada nessa vida é perfeito, ainda eram presentes muitas conversas paralelas, a maioria comentando sobre algum aspecto da trama, mas muitos foram os que pediam silêncio. E ele veio em momentos cruciais, como quando Dom Vito faz o seu discurso de amizade e lealdade com um gatinho no colo, ou quando Michael enfrenta o dilema de se envolver ou não com os negócios da família, e até mesmo quando a majestosa trilha sonora de Nino Rota dominava completamente as passagens de tempo.

A qualidade do trabalho de fotografia, direção de arte e outros aspectos técnicos que compõem “O Poderoso Chefão” continua inquestionável. Dito isso, não é de todo estranho perceber que a exibição no formato digital não trouxe nada de “especial” à experiência, e que a trama continua sendo o principal chamariz numa época em que tanto se alardeiam efeitos especiais e, principalmente, o 3D. Ainda assim, assistir a esse filme numa tela grande e com um aparato de reprodução de som mais potente que o de qualquer televisão é uma chance que não deve ser desperdiçada. O ingresso pode ter custado R$11 a inteira, mas a sensação de ter visto um filme e pensar “nossa, isso realmente foi muito bom!” é impagável.

O público diz suas impressões…

Pelo visto não fui apenas eu que reagi dessa maneira. Como parte de minha “tarefa de domingo”, conversei com alguns espectadores para saber suas impressões do filme, e um deles foi o piloto de avião Camilo Lacerda. O Camilo é carioca, tem uma edição em DVD de “O Poderoso Chefão” e já viu o filme pelo menos quatro vezes. Ainda assim, ele não parecia ter se arrependido de ir ao cinema para um repeteco. “É uma sensação diferente, a atenção é completa no cinema”, afirmou. “Em casa, você para, vai ao banheiro, atende ao telefone, faz várias coisas. Aqui [na sala de exibição], não há distrações. É muito melhor”.

Também perguntei ao Camilo o que achou de ter visto tantas pessoas na sessão, e ele não estranhou tanto quanto eu. “Não me surpreendeu porque aqui só passam filmes comerciais. Não tem filme europeu ou alternativo, só tem esses ‘Transformers’ e filmes infantis. Quem quer ter uma opção cultural sofre aqui!”. Ele aprovou a iniciativa do Cinemark de fazer exibições especiais de filmes clássicos, mas acredita que a rede pode dar um passo além no mercado manauara: “Acho que, com uma divulgação direcionada, deveriam trazer bons filmes recentes também. Um exemplo é o ‘Amante a Domicílio’, filme com o Woody Allen, que é maravilhoso e não passou aqui”, cutucou.

Tão animado quanto o Camilo estava o Marcelo (ou melhor, o músico Marcelo Lima, para manter o tom “jornalístico”). Ele também já viu “O Poderoso Chefão” várias vezes desde a infância, mas se emocionou com a experiência. “Ver um filme desses no cinema dá a impressão de que você aprende a amá-lo mais ainda. É no cinema que você percebe a grandiosidade dele. Chega a ser indescritível, de uma beleza incrível. Continua tão atual como na época em que foi lançado.”, afirmou. Se depender do Marcelo, o Cinemark tem carta verde para mais sessões especiais: “Poderiam trazer mais clássicos como esse sempre! Estou doido para ver o ‘Lawrence da Arábia’, que deve ser um espetáculo de ver na tela grande. Quem não teve a chance de ver esses filmes no cinema quando foram lançados, está tendo agora. É uma oportunidade única.”.

Maykel Souza também estava na sessão, que para ele teve um desafio extra: a vinda de sua filhinha de 9 meses. “É o meu filme favorito. Já devo ter assistido umas 50 vezes!”, brincou. “Já vi em VHS, DVD, na tevê, mas ter tido a chance de ver no cinema e ainda ter trazido minha filha para ter esse contato foi bem legal”.

Se a bebê curtiu a sessão, eu não sei, mas conversando com o Maykel, finalmente achei alguém que concordava comigo quanto ao fato de ser surpreendente o número de espectadores na sessão. “Há algum tempo, eu frequentava esse cinema nesse período, logo após o almoço, e nunca vi um filme com tanto público como hoje. Acho que, do ponto de vista comercial, dá pra manter um projeto desse tipo por muito tempo”. Assim como o Camilo, Maykel sente falta da uma variedade maior de filmes e obras de qualidade em exibição na cidade: “Em Manaus, só chegam os filmes estritamente comerciais. A gente vê aí pra fora espaços como o Itaú Cultural, e está faltando isso aqui em Manaus, não temos nada parecido”, lamentou.

… E eu digo as minhas impressões

Como é gratificante ir ao cinema e me encantar verdadeiramente com um filme (mesmo com um que já vi antes), parar esses estranhos na saída da sessão e ver que compartilhamos essa pequena felicidade na luz que refletia da tela. Ouvi-los dizer como ficaram satisfeitos de ver uma obra totalmente fora do circuito ao qual o público local é domesticado e como eles sentem falta exatamente do que eu sinto como espectadora paga todos os “Os Instrumentos Mortais”, “Júlio Sumiu” ou “O Cavaleiro Solitário” que já tive que assistir por conta do Cine Set.

Ver essa nossa satisfação se converter em lucro para uma rede de cinema mostra que é possível, com os devidos cuidados e nas devidas proporções, suprir as demandas de um público-alvo sedento num mercado praticamente “virgem”. Afinal, se nós pagamos para ver um bom filme que já vimos, por que não pagaríamos para ver um bom filme que ainda não assistimos? Se trazer obras mais variadas não será garantia de rios de dinheiro, também não há como uma sessão cativa num final de semana prejudicar as sessões dos “Transformers”, “Malévolas” e “Mercenários” da vida.