Desde que foi premiado no Festival de Sundance no ano passado, o falatório em torno de “A Bruxa” só aumentou com o passar do tempo. Um trailer misterioso, a recepção crítica positiva e depoimentos de gente respeitada quando o assunto é terror ajudaram a gerar ainda mais hype para o longa – Stephen King, por exemplo, fez questão de ir ao seu Twitter para declarar que tinha se assustado com o longa. Depois de tanta antecipação inesperada, o filme enfim chegou aos cinemas brasileiros, e com ele, a hora da verdade: sim, “A Bruxa” é tudo isso que estão falando.

Declarações de Stephen King à parte, “A Bruxa” pode ser assustador, mas não da maneira como foi vendido, anunciado por todos os cantos como o filme de horror mais apavorante da última semana. O longa escrito e dirigido pelo estreante Robert Eggers provavelmente não lhe renderá pulos da cadeira nem gritos de susto no cinema, mas o resultado é ainda mais impactante por conta disso: o maior mérito de Eggers é justamente realizar um drama familiar e psicológico perturbador, que deixa o espectador em estado de tensão durante a maior parte do tempo. Em “A Bruxa”, o medo frequentemente não está em nenhum jump scare, mas sim naquilo que não se vê – ainda que algumas cenas sejam feitas claramente com o propósito de assustar.

A trama é essencialmente simples: expulsos de sua colônia por seguir os preceitos religiosos em um nível que beira o fanatismo e o exagero, uma família de puritanos ingleses passa a viver isolada numa fazenda no meio da floresta – até que o bebê, Samuel, desaparece misteriosamente. O que se segue a partir de então é um show de horrores gradual, em que não se sabe o que é real ou não.

Não à toa os créditos iniciais introduzem “A Bruxa” como um “conto folclórico da Nova Inglaterra”: o longa é fruto de quatro anos de pesquisa de Eggers, que se dedicou a buscar relatos dos puritanos sobre aparições sobrenaturais e sua crença na existência de bruxas. A fidelidade a esses registros se reflete diretamente no roteiro, que ganha em ambientação ao inclusive fazer uso do inglês arcaico nos diálogos. A atmosfera sombria se completa com o exato design de produção, a trilha sonora cortante, os sons diegéticos da floresta e a fotografia turva, baseada em cores frias e dessaturadas – com direito a uma referência curiosa a uma certa pintura de Francisco Goya.

Assim, há um senso de urgência desesperador e crescente no filme, à medida que Eggers assume como fio condutor justamente o ponto de vista dos personagens, para os quais o processo de desestruturação do núcleo familiar, aos poucos aparenta ter causas paranormais: a bruxa na floresta, os animais que conversam com as crianças, a possessão do filho mais velho. A dicotomia do mal está presente tanto na sugestão de uma presença sobrenatural quanto no próprio seio da família, quando se reforça a ideia de que todos, no fundo, são pecadores, seja o menino que começa a desejar a menina em plena puberdade, o pai que mente ou as crianças que brincam com o diabo. Mesmo assim, Eggers nunca impõe um olhar julgador seus personagens, e sim nos leva a tentar compreendê-los, mesmo quando eles começam a sucumbir numa espécie de espiral de insanidade.

Ainda que todos sejam pecadores, a culpa constantemente recai sobre a garota, Thomasin, vivida pela desconhecida Anya Taylor-Joy. Assim como acontece em  “Carrie, a Estranha”, o despertar da maturidade de Thomasin em um ambiente de repressão religiosa é potencialmente traumático, e conforme o foco nela aumenta, o filme ganha também ares de estudo de personagem. Taylor-Joy encarna bem a empreitada, assim como o restante do elenco: Ralph Ineson impõe sua autoridade de pai com uma voz gutural, Kate Dickie (a Lysa Arrow de Game of Thrones, mais uma vez com cara de louca) abraça a paranoia da mãe e Harvey Scrimshaw protagoniza uma perturbadora cena de possessão – ou não.

Aliando aspectos técnicos a um roteiro sugestivo e um forte elenco, “A Bruxa” é mais um dos exemplares recentes de terror que prefere se preocupar com a ambientação sombria de sua história e em tentar manter uma tensão constante do que causar grandes sustos, como The Babadook” ou Corrente do Mal”. Não é aterrorizante como Stephen King nos fez acreditar, mas assombra pela sua temática e sua estética, deixando a sensação de que, ainda que você não tenha as respostas exatas para o que acabou de ver, está saindo do cinema de mãos dadas com o capeta.