O Women’s Media Center (WMC) divulga anualmente sua pesquisa quantitativa mostrando a proporção de homens e mulheres indicados ao Oscar nas principais categorias de não atuação. Após campanhas como a #OscarSoWhite, que criticava a falta de minorias na frente e por trás das câmeras nos filmes que concorrem ao prêmio, a entrada de votantes pertencentes a esses grupos se mostrou mandatória, e realmente aconteceu; no meio desse bolo, muitas mulheres.

Assim, era se de esperar que os indicados de 2018 fossem mais alinhados à lufada de ar fresco no perfil daqueles que escolhem quem entra no seleto hall dos hipotéticos melhores filmes do ano. O furacão que atingiu Hollywood com as denúncias contra o produtor Harvey Weinstein e outros membros tarimbados da indústria do cinema alicerçou o movimento Time’s Up, o que também prometia trazer já em 2018 transformações na maneira de selecionar e encarar mais positivamente o fruto do trabalho das mulheres na indústria, com a promessa de maior reconhecimento por seus pares.


Por um lado, o Oscar 2018 nos brindou com momentos marcantes nos quais elas foram as protagonistas: tivemos, por exemplo, as vítimas de Weinstein (Ashley Judd, Annabella Sciorra e Salma Hayek) subindo ao palco para apresentar um seguimento que falava sobre equidade e respeito às minorias. Tivemos também a talentosa Daniela Vega apresentando a canção de “Me chame pelo seu nome” e pedindo mais amor e compreensão. Quase fechando a (morna) cerimônia, Frances McDormand pediu a todas as mulheres concorrendo ao Oscar que se levantassem para que pudessem ser identificadas e procuradas posteriormente para desenvolver seus projetos profissionais, apresentando ainda o conceito de “clausula de inclusão”, item que pode constar nos contratos exigindo maior diversidade nas equipes dos filmes.

 

Foi lindo, mas…

Porém, nem tudo são flores em meio a esses soluços de esperança. A edição deste ano da pesquisa do WMC aponta, no geral, uma estagnação no cenário da mais popular premiação de cinema do mundo quanto à representatividade das mulheres. Em Melhor Filme, 8 mulheres concorreram contra 22 homens, divididos entre 9 filmes. No ano passado, foram 9 mulheres e 21 homens. Ou seja, a proporção diminuiu este ano, fechando em 27% de mulheres na categoria em 2018, contra 30% do ano passado.

Uma mudança impactante se deu na categoria de melhor Cinematografia, com a presença da primeira indicada mulher em 90 anos de Oscar: Rachel Morrison, por seu trabalho em “Mudbound – lágrimas sobre o Mississippi” (Mudbound, 2017). Com isso, Morrison corresponde aos 20% de presença feminina na categoria em 2018, contra 0% de 2017. É a mesma porcentagem de mulheres na categoria de Melhor Diretor este ano, que contou com Greta Gerwig como única indicada. Já em Melhor Edição, a proporção não mudou nada entre 2017 e 2018: dos cinco indicados, 17% (1 pessoa) foi mulher.

O roteiro, que costuma ser determinante para guiar toda a construção de representações multidimensionais para as personagens femininas, passou por pelo menos uma mudança impactante. Por um lado, houve uma breve diminuição na proporção de homens e mulheres em Roteiro Adaptado: elas caíram de 14% para 11%. Porém, em Roteiro Original, houve um aumento próximo à equidade: dos 7 concorrentes em 2018, 3 foram mulheres (43%); em 2017, nenhuma mulher concorreu nessa categoria.

 O site Mulher no Cinema destacou apenas elas dentre os indicados ao Oscar, evidenciando a disparidade de gênero na premiação

Nas categorias de documentário, que tradicionalmente são mais equilibradas em questão de gênero, o Oscar andou para trás, com uma diminuição significativa no número de mulheres concorrendo. Dentre os longas, elas caíram de 33% para 31% em participação; já entre os curtas de não-ficção, as mulheres foram de 50% para 38%.

Cruzando os dados dos vitoriosos do Oscar 2018 com as categorias citadas pelo estudo do WMC, constatamos que nenhuma mulher venceu prêmio nas categorias de Melhor Filme, Cinematografia, Direção, Roteiro Original, Roteiro Adaptado, Documentário em longa-metragem e Documentário em curta-metragem. As poucas vencedoras fora das categorias de atuação foram quatro: Kristen Anderson-Lopez (Melhor Música por “Viva – a vida é uma festa”, como co-autora), Darla K. Anderson (Melhor animação por “Viva – a vida é uma festa”, como co-diretora), Lucy Sibbick (Melhor Maquiagem e Penteado, prêmio dividido com Kazuhiro Tsuji e David Malinowski) e Rachel Shenton (Melhor curta de ficção por “The Silent Child”, co-dirigido com Chris Overton).

Resistir sempre!

Na semana do Oscar 2018, uma reportagem da BBC também relembrou as disparidades de gênero da premiação. Dentre os dados apresentados, mapeou que 51% dos filmes vendedores da premiação sequer passam no Teste de Bechdel-Wallace – aquele que observa (1) se há mais de uma mulher identificada por um nome em um filme, (2) se elas conversam entre si, (3) sobre algo que não seja homens. Mesmo filmes inclusivos em outras searas como “Moonlight – sob a luz do luar” ou “Quem quer ser um milionário?” são reprovados nessa avaliação simples. Vale lembrar que o vencedor de 2018, “A forma da água”, passa no teste.

O fato de que a representação da mulher dentre os filmes indicados ao Oscar é, na década de 2010, mais baixa que nos anos 1930 também é apontada pela reportagem da BBC. Se entre os anos 1930-1960 mais da metade dos filmes passavam no teste de Bechdel, os anos 1970 trouxeram um backlash grande, diminuindo a quantidade de personagens femininas mais autônomas para 20%.

Dentre os premiados da década de 1970, apenas “O poderoso chefão – parte 2” (The Goodfather – part II, Francis Ford Coppola, 1975) e “Noivo neurótico, noiva nervosa” (Annie Hall, Woody Allen, 1978) passam no teste de Bechdel. Outra curiosidade é que apenas três dos vencedores dos anos 1970 tiveram mulheres em algum cargo de poder por trás das câmeras, no caso, como produtoras: “O Poderoso Chefão – parte II” contou com uma produtora mulher (Mona Skager), assim como “Golpe de mestre” (Julia Phillips) e “O franco atirador” (Marion Rosenberg). Nenhum desses filmes foi dirigido ou escrito por mulheres.

Os anos 1990 apresentaram uma melhora, alcançando quase 70% de filmes vencedores mais igualitários. Os aprovados no Bechdel durante esse período são: “Conduzindo Miss Daisy”, “O silêncio dos inocentes”, “Os imperdoáveis”, “A lista de Schindler”, “O Paciente Inglês”, “Titanic” e “Shakespeare apaixonado”. Novamente, nenhum deles foi escrito ou dirigido por mulheres, e as que apareceram cargos mais proeminentes nesses filmes surgiram como produtoras: Lili Fini Zanuck (Conduzindo Miss Daisy), Grace Blake (O silêncio dos inocentes), Kathleen Kennedy (A lista de Schindler), o trio Pamela Easley Harris, Sharon Mann e Rae Sanchini (Titanic) e o trio Linda Bruce, Julie Goldstein e Donna Gigliotti (Shakespeare apaixonado).

Na década de 2010, até agora, menos de 40% dos vencedores na categoria de Melhor Filme passa no teste de Bechdel (e para não dizer que sou pessimista, esperarei o final da década para mapear quem ganhou o quê…).

Fale com elas

Um último dado quantitativo assustador foi apresentado pela reportagem da BBC. Ele diz respeito ao tempo de fala dado para personagens homens e mulheres nos filmes vencedores do Oscar. A análise compreendeu o período de 1991 a 2016 e concluiu que, no geral, os personagens masculinos falam muito mais que o dobro de tempo em comparação às personagens femininas, não importando se o filme foca em um grupo de homens (como em “O senhor dos anéis: o retorno do rei”) ou se há um protagonista único (como em “12 anos de escravidão”).

O tempo de fala dividido por gênero não é, por si só, uma prova da baixa qualidade das produções – difícil pensar em “O silêncio dos inocentes” ou “A lista de Schindler” como filmes ruins. Mas observar esse dado quantitativo e cruzar com o fato de que apenas um deles – “Guerra ao Terror” – foi dirigido por uma mulher; ou constatar que apenas um deles – “O senhor dos anéis: o retorno do rei” – foi escrito por alguém do sexo feminino (Fran Walsh e Philippa Boyens) é algo que, no mínimo, gera questionamento sobre os motivos das trabalhadoras mulheres serem tão pouco reconhecidas no cinema e com as histórias focadas em mulheres são tão escassas.

O Oscar é o cenário de todas essas pontuações. Ele representa a essência do cinema e atua como referência para o grande público, quer gostemos ou não disso. No entanto, mais que nunca a Academia parece estar fora de compasso com os debates e demandas sociais atuais; por isso, é necessário senso crítico para questionar e exigir representações massivas mais diversas. Nesse processo, não se exige que a qualidade das obras seja elemento secundário, e sim que elas possam falar sobre e serem criadas num contexto mais próximo da realidade, no qual a variedade de gêneros, identidades sexuais, etnias e outros aspectos sejam levados em conta na frente e por trás das câmeras. Reaproximando esse recorte da discussão sobre gênero, a história já nos prova que a mulher e seus apoiadores precisam estar em alerta constante para que silenciamentos e apagamentos sejam combatidos, tanto no cinema como fora dele.