O Cine Set encerra, nesta quarta-feira (13), a série de entrevistas com os candidatos ao Conselho Municipal de Cultural na cadeira de Cinema e Vídeo. Três postulantes disputam à vaga: Leonardo Costa, Paulo Cezar Freire e Renan Carvalho. A ordem das entrevistas foi definida por sorteio e as perguntas base serão as mesmas para todos os candidatos.

A eleição acontecerá no dia 22 de maio na Biblioteca Municipal João Bosco Evangelista, no Centro, e o resultado será publicado na primeira semana de junho. A posse dos oito novos conselheiros (um por segmento artístico) acontece no dia 1º de julho:

Cine Set: Em primeiro lugar, gostaríamos de conhecer o seu histórico. O que você fez, no audiovisual amazonense, que o credencia a ser conselheiro do setor?

Paulo Cezar Freire: Sou filho de fotógrafo e neto de radialista amador. Meu pai viajou muito  pela Amazônia para fotografar, principalmente nos garimpos, e meu avô implantou muitas rádios comunitárias no interior do Estado, a serviço do Governo.

O som e a imagem estão em meu sangue. É herança.

Eu iniciei minha carreira muito cedo, em 1985, em uma emissora de TV. Na função de editor de imagens participei de momentos decisivos da televisão brasileira. Fiz parte da equipe de correspondentes da série de reportagens para a TV Globo sobre a “Prisão dos Assassinos do Seringueiro Chico Mendes”, que aconteceu no Acre. Éramos 4 profissionais. Dois sediados aqui em Manaus (Sérgio Bártholo na edição de texto e eu na edição de imagens) e dois no Acre (Sidney Mendonça na câmera e Jefferson Coronel como repórter). Foi um grande desafio para toda a equipe abastecer os telejornais de rede nacional porque, naquela época, a integração por satélite era limitada e o único jeito era enviar as fitas gravadas até Manaus por via aérea, em malotes de carga ou em mãos, confiando no passageiro. No fim tudo deu certo.

Também participei da implantação da TV Rio Negro, em Manaus, no início dos anos 1990. Já em produtora independente fui editor do documentário “O Boi no Planeta Água”, do jornalista, escritor e diretor Edilson Martins, exibido no programa Fantástico e na CNN. Paralelo a isso, muitos filmes publicitários. Cerca de 4.000.

Mais à frente fui convidado para ser co-diretor e diretor de fotografia do documentário “A Selva na Selva”, de Luiz Carlos Martins, vencedor da primeira edição nacional do DOCTV Brasil. O documentário entra na minha vida definitivamente com a realização do filme “14 de Janeiro – Terra, Samba e Santo”, de Cristiane Garcia, que se torna o principal documento para o reconhecimento, pela Fundação Palmares, do Segundo Quilombo Urbano do Brasil, na rua Japurá no bairro Praça 14.

Também sou o narrador da versão brasileira do filme documentário “Amazônia – A Última Fronteira”, de Alexandre Valenti (co-produção França/Brasil/MPC&Associados/Jean Robert), diretor de fotografia e câmera de “Peixes Elétricos”, do diretor Ted Oakes (BBC/Discovery), editor do documentário “A Terra do Meio” (WWF Brasil).

Na ficção, diretor de fotografia e editor do premiado filme “Nas Asas do Condor”, de Cristiane Garcia (35mm 2007) e dos filmes “Abóbora”, também premiado (2012) e “Aquário” (2013), ambos de Cristiane Garcia. Além disso, inúmeras campanhas políticas vitoriosas como editor e diretor.

Atualmente na direção de “A Rede e o Tempo”, documentário de curta metragem, onde o tema é a transmissão de saberes, e na direção de fotografia e montagem de “Ecos de uma Revolução”, documentário de Jean Robert César sobre a batalha fluvial ocorrida na cidade de Itacoatiara no ano de 1932.

Estas três décadas de experiência e dedicação ao audiovisual também me qualificaram a ministrar oficinas a convite do Liceu de Artes e Ofícios Cláudio Santoro.

CS: Como você avalia a gestão do atual conselheiro, Zê Leão (também conhecido como Júnior Rodrigues) à frente do cargo?

Paulo Cezar Freire: Um Conselheiro Municipal de Cultura é, antes de tudo, um interlocutor entre a classe que ele representa, que é parte integrante da sociedade civil, e a administração municipal, que deve ter entre suas principais tarefas realizar uma política cultural voltada para os interesses da cidadania.

O atual conselheiro de cinema e vídeo não cumpriu com estas atribuições. Houve um imenso abismo na relação. A classe precisava ser informada, consultada e mobilizada para participar de ações importantes, como a luta pela aprovação e regulamentação da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, e isso não aconteceu.

É preciso um conselheiro experiente, que atue em conjunto com representantes dos outros segmentos culturais, realizadores e técnicos de todas as áreas do cinema e vídeo, que busque apoio na comissão de cultura da câmara municipal, e até na assembléia legislativa, para fazer o nosso audiovisual avançar em oportunidades de investimento, conteúdo, linguagem e, principalmente, formação. Só assim vamos disputar de igual para igual, com os outros municípios e estados do País, os recursos federais disponíveis. Com isso a cadeia produtiva da cultura em Manaus vai poder cumprir o seu papel que é de conhecimento, emprego e renda.

CS: Quais as suas três principais propostas para o audiovisual amazonense?

Paulo Cezar Freire: Um conselheiro não faz propostas, não é político e por isso não pode e nem deve prometer algo que ele mesmo sabe que não vai cumprir. Ele não é legislador nem fiscal do dinheiro público. O que um Conselheiro Municipal de Cultura pode e deve fazer, sempre com ética, é aconselhar o administrador municipal na melhor utilização, em projetos e ações, dos recursos do Fundo Municipal de Cultura e assim fomentar e promover o acesso dos cidadãos aos bens culturais da nossa cidade.

No entanto, minha disposição para ajudar na luta pela votação e regulamentação da Lei Municipal de incentivo à Cultura é inabalável. E esta deve ser uma bandeira de todos.

E o que a lei pode mudar nos rumos da cultura do município? Com ela todos nós, produtores e realizadores culturais, vamos poder andar com nossas próprias pernas ao ter um projeto cultural aprovado em lei. Empresas locais e nacionais vão poder participar deste processo por meio de renúncia fiscal ou seja, parte do ISSQN (Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza) vai ser aplicado diretamente no projeto cultural. Com isso, o “pires na mão” no gabinete de secretário de cultura vai ficar no passado e nós mesmos vamos poder gerar emprego, renda e principalmente formação para as novas gerações. Além de poder realizar, de forma independente, festivais e mostras de cinema. Mas, para isso realmente acontecer, é necessário um engajamento total de todos os segmentos culturais.

Outro ponto que julgo ser de vital importância é a participação da classe de cinema e vídeo nas ações culturais das escolas do município. A interação com os alunos da rede municipal de ensino, por meio de cineclubes nas escolas, oficinas de audiovisual e maratonas cinematográficas é uma importante ação de formação e de descoberta de talentos. Isso por meio de uma ação integrada entre Semed, Concultura e instituição representativa do cinema e vídeo de Manaus. Também acredito ser um ponto crucial a profissionalização.

Ainda hoje realizadores do audiovisual em Manaus, sem a devida experiência, buscam, na boa fé e com a ajuda de amigos, produzir suas obras e lançá-las em algum espaço público como contrapartida a algum edital e em seguida publicam na internet. Estas obras devem ser tratadas como um produto, com conteúdo atrativo ao espectador e até sua distribuição e comercialização devem ser pensadas, elaboradas. Para isso é necessário cumprir um processo; uma espécie de passo a passo no modo de fazer um filme. Esta preparação, ao meu ver, também pode ser ofertada por empresas produtoras independentes – de pequeno, médio e grande portes – por meio de estágios e contratação.

Proponho o diálogo com estas empresas, extra-conselho, para realmente vislumbrarmos o que pode vir a ser uma indústria audiovisual. Afinal, Manaus é a capital da Amazônia e recebe todos os meses equipes nacionais e estrangeiras para realizar filmes, documentários, reality shows e minisséries. A procura por profissionais locais é grande. A oferta é que é muito pequena.

CS: Como você pretende estabelecer um canal de comunicação com a classe para a discussão de pautas e tomada de decisões?

Paulo Cezar Freire: O Fórum do Audiovisual do Amazonas é o instrumento ideal para promovermos as discussões, apresentar sugestões, fazer as cobranças e mobilizar a classe em busca de melhorias para todo o segmento. Também quero reunir com a ACVA/ABD, instituição que já luta há bastante tempo pelos interesses dos realizadores, com a Amazonas Film Comission, com a Casa do Cinema e também com a UEA – que é uma porta de entrada para a profissionalização – para juntos encontrarmos alternativas sustentáveis para o fortalecimento do audiovisual em nossa cidade.

Sempre acreditei que todos os esforços devem ser feitos para preservar e dar continuidade à memória do nosso cinema, que iniciou com Silvino Santos. Devemos este respeito e homenagem a ele e a todos os que iniciaram o movimento cinematográfico em Manaus.

CS: Qual a sua opinião sobre a produção realizada no Amazonas hoje em dia? Quais as maiores qualidades e os principais desafios a serem superados?

Paulo Cezar Freire: Houve avanços significativos desde 2007, a partir da realização do curta metragem em 35mm “Nas Asas do Condor”, de Cristiane Garcia, no IV Amazonas Film Festival. Hoje, a oportunidade de acesso às novas tecnologias – principalmente câmeras Full HD, disponíveis em centenas de vitrines de lojas da Zona Franca – possibilitou aos novos realizadores transformar suas idéias em um filme. Isso é bom. Podemos hoje ver obras importantes sendo produzidas. Mas é preciso ir além.

Dominar cada vez mais a técnica e refinar cada vez mais o olhar. E para isso é preciso estimular o saber do artista e promover uma aliança com todas as outras artes. O cinema é a união de todas as artes. E nós vamos conseguir superar os desafios quando tivermos investimentos, como a Lei Municipal de Incentivo à Cultura, para promover o acesso do cidadão a uma produção maior de bens culturais.

Eu acredito que é possível. E é por isso que estou à disposição para contribuir com este processo como candidato ao Conselho Municipal de Cultura.