Estrear no cinema dirigida por Suzana Amaral em uma adaptação da obra de Clarice Lispector com apenas 22 anos de idade. Marcélia Cartaxo não se intimidou e realizou uma das mais belas atuações do cinema brasileiro em “A Hora da Estrela”. O trabalho rendeu o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Berlim em 1985.
Após importantes participações em filmes como “Baixio das Bestas”, “A História da Eternidade” e “Madame Satã”, Marcélia volta a brilhar de forma intensa com “Pacarrete”, produção cearense vencedora de oito Kikitos no Festival de Gramado 2019, incluindo, Melhor Atriz. O trabalho marca o auge da parceria dela com o diretor Allan Deberton iniciada no curta “Doce de Coco”.
Em entrevista ao Cine Set durante a Mostra de Tiradentes, Marcélia, ao lado de Allan, fala sobre a experiência de realizar “Pacarrete”, o futuro trabalho ao lado do diretor Cristiano Burlan e o que espera de Regina Duarte à frente da Secretaria de Cultura do governo Bolsonaro.
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Cine Set – Qual a importância de “Pacarrete” em sua carreira?
Marcélia Cartaxo – “Pacarrete” só veio confirmar cada vez mais a minha carreira, trazendo um grande amadurecimento pessoal, de emoções e de trabalhos diferentes que tenho feito. O Allan teve muita segurança de me convidar até porque não sou bailarina nem tenho esse ouvido que a personagem possui para a música. A Pacarrete é muito culta: fala francês, toca piano muito bem, fora ter um corpo que fala todo o tempo. Foi um grande desafio de resistência e enfrentamento, sem dúvida, e fiquei muito feliz porque se eu me esforçar bastante consigo chegar longe (risos).
Cine Set – Como foi a parceria com o Allan Deberton?
Marcélia Cartaxo – Conheci o Allan quando ele fez (o curta) “Doce de Coco” e não era nem para fazer uma personagem. Fui como preparadora de elenco e acabei fazendo uma participação especial.
Allan Deberton – Na verdade, uma atriz do filme pediu que trocassem a preparadora do elenco originalmente prevista porque ela era casca grossa (risos). A menina estava desesperada e pediu para chamar a Marcélia (risos). Perguntei: ‘a Marcélia que fez “A Hora da Estrela”? Ah, mas, ela não vai querer não’ (risos). Mesmo assim, liguei, ela topou e foi só alegria. Modificou a minha vida e rodou muitos festivais.
Marcélia Cartaxo – Foi um doce. Fomos preparando este doce com tempo e, ao fazer “Pacarrete”, essse doce ficou bem apurado. Enfrentamos muitos desafios e acabou sendo muito importante na minha carreira até porque estava um pouco à deriva. Quando o Allan chegou, já me deu esta força, estabelecendo uma segurança. Estou aprendendo demais com ele.
Cine Set – Como “Pacarrete” mexeu com a cidade de Russas e o que sentem que ficou desta experiência para quem vive na cidade em relação a olhar a arte?
Marcélia Cartaxo – Certa vez, ouvi alguns adolescentes de Russas falarem: ‘hoje, eu vou tratar melhor as pessoas’. Acho que o filme tem esta capacidade de mexer na nossa humanidade.
Allan Deberton – Além desta experiência, observo também a própria relação do cinema com a cidade. Russas já teve três salas de exibição, sendo que a última delas se tornou uma padaria. Independente disso, nós já rodamos um curta e um longa-metragem lá, colocando a cidade como personagem. Apesar das nossas cidades de interior, muitas delas, não terem cinema, acho importante que continuemos a encorajar a fazer histórias e contá-las seja no cinema, teatro, dança, música. Como mostramos no filme, a realidade no interior para a cultura está muito associada a datas comemorativas sem um investimento fixo.
Marcélia Cartaxo – Fora que contratam artistas renomados de fora, pegando todo o dinheiro da arte que poderia ampliar a arte na nossa cidade para colocar todo naquele evento. Com isso, o artista vai passando e a cidade, no fim das contas, fica sem nada.
Cine Set – Qual a expectativa para a estreia em circuito comercial no Brasil?
Marcélia Cartaxo – Estou ansiosa. Muita gente me liga perguntando como faz para ver o filme, enquanto outros estão querendo assistir mais uma vez. Espero que o público brasileiro venha ver o filme por ser algo importante neste novo momento do cinema brasileiro. “Pacarrete” é uma obra bem humana e presente em cada um de nós.
Cine Set – Quais as suas perspectivas enquanto artista nesse atual governo?
Marcélia Cartaxo – Acho que vamos ter que vivenciar o desmonte da nossa cultura e precisaremos ser muito fortes, resistentes para atravessar este momento. Lamento que isso tenha acontecido pelo momento de alta no audiovisual da nossa região e não sabemos como será o futuro. Ainda precisamos muito do Estado e desta política cultural fortalecida, principalmente, para a nova geração. Temos que repensar e fortalecer como classe para estarmos juntos. Porém, acredito que mais na frente será melhor.
Cine Set – Como você vê a escolha de Regina Duarte, que também é atriz, para ocupar a Secretaria da Cultura?
Marcélia Cartaxo – A Regina Duarte sempre esteve por cima, nunca precisou da arte para se estabelecer. Não a vejo com bons olhos para o nosso futuro. Vamos sofrer muito com ela ao lado destes caras neste governo, o qual não considero meu representante nem ela. Muita gente importante do cinema percebe que isso não será bom. Será algo muito triste; corremos o risco, inclusive, de perder a Escola de Cinema Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro. Imagina outras coisas?
O movimento regional era algo que estava alimentando a cultura, permitindo conhecer histórias que não podíamos contar, afinal, as narrativas do Nordeste eram feitas pelas pessoas do Sul/Sudeste. Agora que, finalmente, conseguimos colocar a mão na massa, trazer a nossa voz, encaramos com a censura, fim dos projetos, fim da Ancine. Essa Regina vai ter que passar também rapidamente (risos).
Cine Set – Marcélia, fale, por favor, sobre seus novos projetos. Já há algum para os próximos meses?
Marcélia Cartaxo – Estou fazendo o novo filme do Cristiano Burlan chamado “Mãe” em que sou a protagonista. É um filme muito forte: a mãe vê o filho sendo assassinado pelo Estado. Como é algo muito recente, estou maturando bastante como vou defender este projeto. Está sendo lindo e intenso.