As pessoas que têm como objetivo assistir a um filme para se distrair, esquecer os problemas do trabalho ou estudo por duas horas, encontrar os amigos e fazer um social tem em “Homem-Aranha – de volta ao lar” (Spiderman: Homecoming, 2017) a desculpa perfeita. Trata-se de um filme leve, de fácil consumo para a garotada e para os fãs mais ardorosos (cujo sonho molhado é identificar todas as referências às infinitas fases dos personagens nas páginas dos quadrinhos originais). Esperar mais que isso do longa, no entanto, pode ser frustrante nesse retorno do aracnídeo ao controle criativo do Universo Cinematográfico da Marvel (UCM).

No filme de Jon Watts, vemos Peter Parker (Tom Holland, em uma carismática interpretação do herói) nos eventos pós-Guerra Civil, aguardando ansiosamente que seu tutor indireto, Tony Stark (Robert Downey Junior) o coloque em uma nova missão ao lado dos demais Vingadores.  A impaciência do jovem Homem-Aranha nessa espera acaba jogando-o no olho do furacão quando uma nova ameaça, o poderoso Abutre (Micheal Keaton), usa tecnologia alienígena em armas e outros equipamentos revendidos a toda sorte de bandidos.

Aprendendo com (alguns) erros

“Homem-Aranha – de volta ao lar” meio que sumariza a observância do estúdio em seus erros e acertos nesses nove anos de existência. Extinguiu-se aqui a história de origem, enredo já insuportável no contexto dos heróis escolhidos até agora para o UCM. Depois do marcante “Homem-Aranha” (Spider-man, 2002) e da relativamente recente tentativa chatíssima de reboot com “O Espetacular Homem-Aranha” (The Amazing Spider-Man, 2012), a Marvel foi bastante inteligente em não se repetir e ainda garantir a continuidade da trama em relação aos demais filmes, em especial, o “Capitão América: Guerra Civil” (Captain America: Civil War, 2016).

Outro ponto que mostra essa autoavaliação é que em “Homem-Aranha – de volta ao lar” se percebe nitidamente a tentativa de dar peso às motivações do vilão e a torná-lo uma atração tão digna quanto o herói. A escolha de Michael Keaton para interpretar o Abutre foi um grande acerto nesse sentido, pois tirando Loki (Tom Hiddleston) em “Thor” (idem, 2011) e o Soldado Invernal (Sebastian Stan) de “Capitão América: Soldado invernal” (Captain America: Winter Soldier, 2014), nenhum personagem chegou nem perto de ser um vilão marcante no UCM – e ainda é um tanto questionável encarar o Soldado um vilão, não?

Voltando ao Abutre de Keaton, a reviravolta trazida sobre a identidade desse personagem mais ao final do filme também demonstra essa maior atenção à figura do antagonista. Infelizmente, tal carga melodramática extra é desperdiçada no arco patético que impulsiona a luta final do Aranha contra o Abutre e que, de quebra, traz um dos furos de roteiro mais preguiçosos do UCM até agora. Pode-se até dar crédito à Marvel pela tentativa, pois Keaton realmente dá conta de gerar o misto de temor e empatia que os grandes vilões dos quadrinhos e cinema geram, mas, depois de 15 filmes lançados, é um tanto imperdoável a mancada no roteiro.

O lance é sacar a referência

A sorte é que, até chegar nesse anticlímax, “Homem-Aranha – de volta ao lar” gera uma série de momentos que colocam o espectador no espírito de “Sessão da Tarde”, ou seja, pronto para “altas confusões” com uma “galerinha do barulho”. Talvez seja porque o longa de Jon Watts bebe diretamente dos elementos que fazem a alegria da garotada e dos jovens adultos de 2017, naquele esquema de reutilização de elementos da cultura pop, no qual é mais importante “sacar a referência” que ser original.

Assim, tem-se uma mistura bem dosada do que o nicho desse tipo de filme curte: referências a Lego, com Peter Parker (Tom Holland) e Ned (Jacob Balaton) montando uma Estrela da Morte; e a Star Wars, mais sutilmente no momento em que Peter vê a máscara de Homem-Aranha submersa numa poça que reflete seu rosto, o que lembra o momento em que Luke Skywalker vê seu próprio rosto na máscara de Darth Vader em “Star Wars: Episódio V – O império contra-ataca”. Há também easter eggs para os leitores ávidos dos quadrinhos, como a ponta de Aaron Davis (Donald Glover), e pelo menos uma referência ao Spidey de Tobey Maguire do início do século, além de várias referências a filmes de John Hughes.

A própria trilha sonora é estruturada dentro dessa aura saudosista, ainda que de maneira bem diversa da subfranquia dos Guardiões da Galáxia, a que mais destaca o componente musical no UCM. O excelente Michael Giacchino encontra um ponto de equilíbrio genial entre a alusão ao tema da série televisiva do final dos anos 1960 e uma composição própria, com a parte mais marcante da música original servindo de leitmotiv.

O lado negativo de tanta reverência ao passado é a repetição, algumas mascaradas e outras nem tanto, de estereótipos no que diz respeito às personagens mulheres. Se em 1985 era meio que ok fazer piadinhas com assédio sexual em “Clube dos Cinco” (The breakfast club, John Hughes), de lá para cá já rolou água e problematização o suficiente para ser absurdo que um roteiro de blockbuster escrito a 12 mãos (sério, são 6 creditados em história e roteiro!) não consiga passar num simples teste de Bechdel! Isso quer dizer que o longa não mostra, em mais de duas horas, pelo menos duas mulheres com nome falando uma com a outra sobre algo que não seja um homem.

OK, o foco é o Aranha, o “amigo da vizinhança”, mas duas das três mulheres de destaque no filme (Liz e Michelle, interpretadas por Laura Harrier e Zendaya, respectivamente) pertencem ao mesmo círculo social, sendo esquisitíssimo não existir nenhum momento em que elas sequer interagem. A Marvel colocou uma ídolo teen consciente e pertencente a uma minoria como Zendaya no elenco, não a sexualizou, transformou-a numa espécie de Allyson Reynolds millennial e achou que estava sendo progressista? Já Tia May (Marisa Tomei), rejuvenescida para essa versão, tem sua aparência física destacada em cerca de metade das vezes em que aparece e/ou é referenciada no longa. Nesse sentido, a boa recepção a “Mulher-Maravilha” (Wonder Woman, 2017, Patty Jenkins) conseguiu, em menos de um mês, deixar “Homem-Aranha – de volta ao lar” antiquado.

Tony, porrada e bomba

De certa maneira, é até simbólico que o personagem que serve de tutor indireto ao Homem-Aranha seja Tony Stark (Robert Downey Junior), o mais misógino dos Vingadores. Menos mal que a participação dele vem até amadurecendo ao longo dos filmes do UCM, o que colabora para que o Homem-de-Ferro não seja mais uma das coisas repetitivas que deveriam ficar guardadas com carinho apenas na nossa memória em relação a todos esses filmes. Tony não aparece muito, ao contrário do que os trailers faziam acreditar, mas desempenha bem o papel de guia e consegue dimensionar o dito “com grandes poderes, vem grandes responsabilidades”, algo que, curiosamente, jamais foi tão bem explorado nos filmes anteriores do Homem-Aranha.

Ele também é de grande ajuda em algumas das cenas de ação, quando o Aranha claramente demonstra não ter treinamento ou força suficiente para lidar com determinadas situações. Mesmo quando ausente, sua presença se impõe através do traje ultramoderno do jovem herói em formação, uma vez que a tecnologia Stark introduz tantos gadgets ao uniforme de Peter que talvez os espectadores menos familiarizados com o personagem nem acreditem que ele possua algum poder além de ter uma roupa legal.

Pelo menos tantos aparatos resultam em inúmeras possibilidades de arranjo para as cenas de ação, de corte rápido e investimento zero em slow motion (que alívio!), embora sem a mesma intensidade das dos filmes da subfranquia do Capitão América. Falando em cenas de ação, outro alívio é a ausência de mil frases engraçadinhas de efeito entrecortando as lutas de maior carga dramática, que são usadas comedidamente nessa versão do Homem-Aranha.

E é assim, sem nenhuma originalidade mas grande dose de entretenimento, que  “Homem-Aranha – de volta ao lar” consegue parecer mais curto que suas duas horas e 13 minutos de duração. Se o longa não consegue alcançar o mesmo patamar de qualidade dos filmes do Capitão América, também fica longe da mesmice de “Doutor Estranho” (Doctor Strange, 2016). Nada nele é excepcional, mas sinceramente, e daí? Vale o ingresso e a pipoca num fim de semana de férias de meio de ano, e quem quiser mais que isso, que espere para ver dublado na televisão, quem sabe, numa Sessão da Tarde descompromissada.