O cinema do Amazonas perdeu José Gaspar, de 83 anos crítico de cinema local, integrante do Grupo de Estudos Cinematográficos do Amazonas (GEC) nos anos 1960 e criador da lendária Revista Cinéfilo. Gaspar faleceu na última terça-feira (19) e foi mais uma vítima da COVID-19 em Manaus. A informação foi confirmada pela ex-nora dele, Glaucia Campos, em entrevista ao Cine Set. 

Gaspar teve os primeiros sintomas de gripe no fim da semana passada. “Ele tinha sequelas pulmonares de uma tuberculose ainda na juventude, em Portugal. O vírus foi extremamente agressivo: ele ficou apenas quatro dias internado e não resistiu”, disse. Glaucia afirmou ainda que o teste para o novo coronavírus deu positivo tanto para Gaspar quanto para a irmã dele, Maria de Jesus Gaspar, de 86 anos, também internada e em estado crítico.

Mestre em História Social pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Glaucia falou sobre a admiração que tinha em relação a Gaspar. “Ele é um grande amigo, muito querido. Tínhamos muita identificação. Passava horas conversando sobre cinema, discutindo filmes, diretores, atores, fotografia. Um homem muito inteligente. Até o final, sempre muito sóbrio, aberto para conversas. Mesmo com problemas de visão nos últimos anos, ele continuava vendo os filmes dublados ou, quando não tinha versão em português, nós narrávamos para ele se sentir mais dentro do filme”, declarou.

A cremação do corpo aconteceu na manhã desta quarta-feira (20) em Iranduba (distante 27 quilômetros em linha reta de Manaus). Glaucia informou que a família pretende levar as cinzas para Portugal. 

A TRAJETÓRIA DE GASPAR 

O luso-brasileiro foi o pioneiro da crítica de arte em Manaus. Em 1963, Gaspar já escrevia sobre cinema em um suplemento literário do “Clube da Madrugada”, grupo que reunia intelectuais amazonenses. Anos depois teve uma coluna fixa no Jornal A Crítica, e um programa de rádio sobre o tema na extinta Rádio BaréMárcio Souza e Joaquim Marinho também escreviam sobre cinema em publicações de Manaus, enquanto Ivens Lima apresentava um programa de rádio sobre cinema na Rádio Rio Mar desde 1954. 

José Gaspar foi um dos membros mais do Grupo de Estudos Cinematográficos do Amazonas (GEC), geração cineclubista dos anos 1960. Ao lado do próprio Márcio Souza, Marinho, Tom Zé, Roberto Kahané e outros nomes importantes, promoveu o debate e festivais de cinema em Manaus. 

O maior marco dele, sem dúvida, foi a Revista Cinéfilo. O foco principal era o cinema não comercial produzido fora do mainstream de Hollywood, apresentando – durante suas quando edições – os filmes importantes da época, além de abordar os grandes clássicos e dedicar espaço para a crítica.  

“Cinéfilo” começou em 1967 e durou até o ano seguinte. Segundo o professor Narciso Lobo no livro “A tônica da descontinuidade. Cinema e política na década de 60”, a revista surgiu em um período em que a atividade cineclubística no Estado estava se consolidando e contou com a ajuda da Fundação Cultural do Amazonas, órgão que acabara de ser criado.  

Na revista, podem-se encontrar críticas feitas pelo próprio Gaspar de clássicos como “Hiroshima, Meu Amor”, de Alan Resnais (1959) e “Os Fuzis”, de Ruy Guerra. A publicação também discorria sobre o papel do crítico cinematográfico e a produção de determinados filmes. Importante também citar que Gaspar ainda contou com a participação de críticos locais como Ivens Lima e Guanabara de Araújo, dentre outros. Exemplares dela podem ser encontrados no Casarão de Ideias. 

O artista plástico e diretor de cinema, Sérgio Cardoso, realizou um documentário sobre a carreira de Gaspar. Assista abaixo: 

José Gaspar – Um Cinéfilo Amazonense

Nosso próximo documentário será "José Gaspar – Um Cinéfilo Amazonense", que estreia neste sábado, às 19h!O filme de Sérgio Cardoso conta a trajetória deste crítico de cinema que foi uma das principais figuras do cineclubismo em Manaus nos anos 60. José Gaspar ajudou a criar o Grupo de Estudos Cinematográficos (GEC), contribuiu em um suplemento do "Clube da Madrugada" e foi editor da revista "Cinéfilo".O longa conta sobre sua vida, filmes preferidos, o cineclube Humberto Mauro, encontros com personalidades marcantes, atuação na imprensa, entre outros detalhes sobre a história do cinema amazonense!Programe-se e não perca!#CulturaSemSairdeCasa

Publicado por Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Amazonas em Sábado, 25 de abril de 2020

‘Amazonas, O Maior Rio do Mundo’: imagens intrigam e revelam as contradições da Amazônia

Como explicar a experiência de ver, em uma sessão até agora única, um filme de um pioneiro do cinema, dado como perdido há mais de 100 anos, que retrata justamente a região onde você vive – e você até está dentro de um dos cenários da obra?   Sobretudo, como explicar...

‘Prazer, Ana’: o terror de uma noite qualquer

Uma noite qualquer para dezenas de pessoas em uma mesa de bar. Mais uma cerveja, mais uma cadeira, mais alguém chegando, mais vozes ao redor, mais conversa para jogar fora, mais uma marchinha de carnaval na caixa de som. O mais banal dos cenários para a mais comum das...

‘O Desentupidor’: um olhar anárquico sobre a invisibilidade social

Jimmy Christian é um dos mais prolíficos realizadores da cena amazônica. Semelhante aos Gremlins do filme homônimo de Joe Dante da década de 80 que se reproduziam em abundância no primeiro contato com a água, Jimmy produz roteiros e curtas sempre que uma nova ideia...

‘Meus pais, Meus atores preferidos’: o pessoal pode ser coletivo

O curta Meus pais, meus atores preferidos, de Gabriel Bravo de Lima, é o segundo trabalho do diretor - o primeiro foi “No Dia Seguinte Ninguém Morreu”, vencedor do prêmio de Melhor Roteiro no Olhar do Norte 2020. O ponto de partida foi realizar uma série de...

‘Controle’: curta peca ao não amarrar tantos caminhos possíveis

O formato de curta-metragem pode ser revelador. Escancaram-se os pontos fortes dos cineastas – mas também se encontram suas fraquezas. Porque a duração é apertada, o curta exige um tratamento econômico. Cabe a diretores, roteiristas e montadores dar conta do que quer...

‘Ensaio de Despedida’ e as relações sob o microscópio

Em um apartamento, quatro personagens se revezam em uma corda-bamba entre o real e a encenação. Mas, não seria a encenação também real? Afinal, todo mundo tem um mundo de personas em si. No filme realizado pelo Ateliê 23, os talentos de Júlia Kahane, Taciano Soares,...

‘Alexandrina — Um Relâmpago’: releitura imagética da mulher negra e amazônica

Existe um apagamento da história negra na Amazônia, o qual sutilmente a professora de história e pesquisadora Patrícia Sampaio denomina de silenciamento. O trabalho que ela desenvolve em seu núcleo de pesquisa acadêmica na Universidade Federal do Amazonas escoa em...

‘Cem Pilum – A História do Dilúvio’: animação valoriza a importância das lendas

“No tempo antigo era muito violento. Existiam mais animais ferozes do que pessoas, e Deus Criador quis acabar com as cobras, onças e outros animais. Então ordenou o dilúvio”. Essa é a sinopse do mais novo grande filme de Thiago Morais, lenda e notório nome do...

‘Galeria Decolonial’: a construção de um olhar singelo sobre a Amazônia

O poeta e pesquisador paraense Paes Loureiro, ao se debruçar sobre a cultura amazônica, destaca alguns pontos que considera essenciais sobre o que é viver na região, dentre eles: o devaneio, a paisagem mítica e o lúdico presente no despertar imaginativo sobre os...

‘Castanho’ e a quietude do olhar

María é uma forasteira. Nunca há um pertencimento total dela em “Castanho”, curta dirigido por Adanilo, o amazonense que tem feito história no audiovisual brasileiro com importantes participações na frente das câmeras. Atrás delas, ele é igualmente visceral, ainda que...