O nome de Damien Chazelle começou a chamar a atenção depois de seu catártico e esmagador “Whiplash – Em busca da Perfeição”. Depois, veio o sucesso e o Oscar de Melhor Diretor com a homenagem aos musicais clássicos em “La La Land – Cantando as Estações”. Agora, em “O Primeiro Homem”, ele foge um pouco da vibe musical e mergulha na ficção científica apresentando a história de um dos heróis norte-americanos, Neil Armstrong.

A principal marca de Chazelle nos dois filmes anteriores volta a se repetir: o interesse está no processo e não no resultado final. Da mesma forma como acompanhamos a busca de Andrew Neiman (Miles Teller) em ser um baterista perfeito ou Sebastian (Ryan Gosling) e Mia (Emma Stone) tentando encontrar seu lugar ao sol em Hollywood, agora, assistimos Neil Armstrong (Gosling novamente) e a trajetória dele de piloto-engenheiro até se tornar o primeiro homem a pisar na Lua. No meio disso tudo, o longa traz como foi a corrida espacial norte-americana durante a década de 1960.

Como o próprio título indica, “O Primeiro Homem” traz a narrativa com foco principal (e quase exclusivamente) em Neil Armstrong. Com uma atuação de um Ryan Gosling cada vez mais maduro, o protagonista cresce enquanto está em busca do que almeja e é neste processo que sua forma de enxergar o mundo transforma-se, o endurece e aflora suas percepções. As trágicas perdas que o permeiam moldam a personalidade dele, tornando-o frígido, rígido e distante.

Nada mais simbólico do que isso quanto a cena da despedida dos filhos em que se comporta como se estivesse numa coletiva de imprensa. E toda essa ausência de calor paternal é transpassada para o filho mais velho, que perdeu tanto quanto o pai, e ao despedir-se lhe reserva um simples aperto de mão, como se realmente pudesse sentir as barreiras emocionais que as mortes criaram em torno de Armstrong. E ainda mais curioso é perceber como cada uma dessas perdas do astronauta são pontos de virada dentro da narrativa.

Por outro lado, “O Primeiro Homem” cai no clichê de transformar Neil Armstrong em um sujeito infalível, algo típico de filmes sobre grandes nomes da história americana – Steven Spielberg que o diga em “Lincoln”. A maior prova de sua irreal condição de infalível é que nenhum de seus cálculos apresenta equívocos; pelo contrário, são sempre os responsáveis por “salvar” o projeto espacial norte-americano.

Fotografia, Química, Referências

Em contraste a essa infalibilidade de Armstrong está a cinematografia de Linus Sandgren. Ele tenta, na maior parte do tempo, apresentar o personagem de Ryan Gosling sob sombras. Seu rosto mantém-se em meia-luz, como se escondesse algo, principalmente a partir da segunda metade da projeção.

A fotografia é eficiente em situar o momento histórico que narra, porém, é bastante incômoda, especialmente nas cenas do lar Armstrong. Há a intenção constante de aproximar o público do protagonista, de criar uma intimidade com a figura que está sendo representada e isso se realiza por meio de planos em close-up do rosto dele, mesmo durante um jantar de família, e chega ao ponto máximo do uso de câmeras subjetivas. Há momentos, como uma briga de casal, em que seria interessante mostrar a atmosfera da situação, mas isso não é feito já que a câmera além de ser de mão insiste em detalhar o rosto dos personagens.

Soma-se a isso a ausência de química entre Gosling e Claire Foy. Há um distanciamento presente entre o casal: pode não ter sido intencional, mas a falta de química é perceptível. Neste ponto, Sandgren acerta ao colocar Foy, quando abre mais o plano e opta por um enquadramento em plano conjunto, enquadrada em uma janela, distante, ausente. Como se estivesse presa a casa, as suas obrigações como mãe e esposa, apenas assistindo a vida do marido.

Apesar de não continuar a discutir “música”, Chazelle permanece homenageando. As cenas espaciais de Primeiro Homem ecoam “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, especialmente quando as peças que compõem o Gemini 8 se reconectam. O alinhamento das câmaras, os raios solares refletindo-as e a valsa composta por Justin Hurwitz rememoram bastante a sequência de Danúbio Azul da obra de Kubrick. Inclusive, a trilha das cenas no espaço sideral bebe bastante desta fonte. Mas, este não é o único momento em que há uma memória compartilhada: na queda do Gemini 8, a situação incômoda e toda a atmosfera ao redor dela – trilha sonora, montagem e fotografia – relembram “Gravidade”, de Alfonso Cuáron.

No fim, os erros e acertos de Chazelle

Igual ocorrera em “La La Land”, a América de Chazelle em “O Primeiro Homem” é predominantemente branca. Os poucos momentos em que aparecem homens negros, por exemplo, é reivindicando contra o valor do projeto lunar – tão ferozmente defendido pela produção -, como se esses homens não tivessem apenas discutindo o projeto, mas sua própria presença dentro da narrativa. Uma pena que a música de manifesto seja tão pouco valorizada, assim como o acréscimo de personagens negros ao elenco.

No fim das contas, Chazelle permanece se mostrando um bom diretor, mas diante de toda vivacidade e força que demonstrou em “Whiplash”, “O Primeiro Homem” é opaco. Apelando para um lado mais afetivo da biografia de Armstrong, o filme traz escolhas técnicas pouco marcantes e nem mesmo os artifícios narrativos ajudam a tornar a obra de alguma forma vertiginosa. Enquanto assistia, foi inevitável não comparar as cenas de maior afetividade como, por exemplo, o sofrimento dos familiares durante as viagens espaciais a “The Spacewalker”, filme russo que trata da mesma temática, mas conseguindo humanizar, de fato, seus personagens.

Talvez, as palavras de Armstrong quando perguntado da importância do voo espacial sejam as mesmas do diretor para a sua obra: “nos permitir ver coisas que não fomos capazes até agora”. Mas, enquanto não a vemos, fica na memória o rosto de Gosling em close-up vislumbrando sua conquista e a clássica frase: “um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade”.