Confesso que me assusta um pouco a maneira estrondosa como La La Land: Cantando Estações (ai, esse subtítulo…) vem sendo recebido pela crítica cinematográfica. Elogios superlativos acumulam-se para descrever quão inesquecível, mágica, inevitavelmente histórica é a experiência realizada por Damien Chazelle. Recentemente vi algo semelhante acontecendo com Tabu (2013), do português Miguel Gomes, e pouco tempo depois vejo pouca gente falando do filme outrora inesquecível.

La La Land é um filme muito bem realizado, sem dúvida, mas ao mesmo tempo não possui um grande número de elementos extraordinários a ponto de colocá-lo nessa condição de obra essencial. No momento em questão é impossível analisar este filme sem entrar nesses aspectos, pois nenhuma obra de arte deve ser vista com a obrigação de corresponder ao prêmio tal, ou a crítica tal, pois acontecem duas coisas que são maléficas à produção no longo prazo: ou se decepciona com o filme por ele não ser tudo aquilo que se dizia; ou já se gosta de antemão do trabalho, e qualquer coisa que apareça na tela vai ter a função de reafirmar isso.

Olhando com calma, os números musicais são bons, os atores estão bem, a direção é boa, é um bom filme. Ponto. E isso basta, nos completa, faz com que a experiência de assistir à película seja satisfatória. O problema é quando a análise vai para mais ou menos que isso, aí acredito que o filme está sendo colocado em um lugar que não corresponde a realidade.

A trama nos apresenta a atriz Mia (Emma Stone) e ao músico Sebastian (Ryan Gosling), dois artistas sonhadores que são constantemente quebrados pela competitividade e falta de sensibilidade artística de Los Angeles. Ela sonha em ser atriz nos intervalos dos atendimentos de uma lanchonete, da qual é balconista, e se mete em intermináveis testes em que os avaliadores não demonstram nenhuma consideração pelo seu trabalho. Ele toca piano num restaurante, onde não pode fugir nem por um segundo do estilo de “jazz” imposto pelo dono – Kenny G e afins – sonhando em ter o seu próprio estabelecimento para não deixar esse estilo musical morrer. Os dois se encontram, desencontram, e vivem uma bonita história de amor inspirada nos grandes clássicos do gênero musical.

La La Land é um resgate ao tipo de filme mágico que te faz sonhar, que recorda que filmes possuem o poder de nos conduzir a experiências tão maravilhosas que fazem com que voltemos a acreditar que sonhos são possíveis, e que há amores tão fortes que nos fazem ter vontade de cantar e dançar, pois só dessa maneira é possível expressarmos como aquele sentimento nos move, e como é maravilhoso poder compartilhar essa energia. Só não sei até que ponto ele, ancorado nessa característica vista em tantos clássicos, deixa de propor elementos novos e não modifica aquilo que já conhecíamos.

O que se vê é uma direção bastante habilidosa na condução dos números musicais, optando por longos planos, poucos cortes, e enquadramentos mais abertos, que nos mostrem a coreografia de uma maneira quase teatral, nos dando uma noção mais real de como aqueles movimentos são manifestados nos corpos dos atores, mas que no fundo apenas resgata tal característica já vista nos filmes com Fred Astaire, Ginger Rogers, Cyd Charisse, Gene Kelly, dentre outros grandes nomes.

O arco dramático dos personagens de Stone e Gosling segue à risca a cartilha dos musicais. Isso não é um problema, nenhum filme é obrigado a ressignificar o seu gênero, mas ao mesmo tempo cria na cabeça do espectador uma espécie de dúvida se aquilo é do jeito que é por escolha, ou por um respeito excessivo pela ideia de venerar esses grandes filmes. Para o bem ou para o mal, os primeiros 70 minutos de filme nos apresentam um musical padrão, que ousa muito pouco, e por conta disso não passa do agradável.

E isso fica ainda mais latente quando se observa os números musicais. O filme só se torna realmente memorável quando propõe algo novo, no restante do tempo é “apenas” muito bem executado.

Por mais que goste da sequência inicial (um imponente plano sem cortes em um engarrafamento, com muitos intérpretes, numa engenhosa coreografia), e da dança que acontece enquanto os personagens estão à procura do carro da moça com Los Angeles ao fundo, elas nem se comparam, por exemplo, ao peso da sequência da realidade alternativa na qual viajamos durante a performance de uma música em uma casa de show, entendendo o que aconteceria se as coisas tivessem ido por outro caminho. Acompanhamos um filme que tem gás pra ir muito longe, mas que só consegue de fato isso após perder bastante tempo deixando a mesa bem servida com coisas que podemos/queremos reconhecer. Whiplash (2015), filme anterior do diretor, tinha menos pompa, era mais simples, mas tinha uma energia que nos atravessava de maneira mais contundente.

Mas o filme possui na sua visualidade um diferencial, de fato, excepcional. A sintonia que existe entre a fotografia, direção de arte, cenografia e figurinos é absolutamente primorosa. Cada roupa, cada adereço, cada cor de cada parede, tudo se concatena para que adentremos numa experiência diferenciada, mágica, milimetricamente harmônica. Sem dúvida nenhuma La La Land é um filme que surge para ser estudado por próximos cineastas, haja vista que isso se dá a partir de soluções extremamente simples, quase artesanais. O filme que se vê na tela parece ter tido um orçamento grande, o que não é verdade visto que estima-se que ele custou cerca de apenas US$ 30 milhões. Além da música tema, City Of Stars, simples, singela, que fica na memória, elemento fundamental para o sucesso de qualquer musical.

Os dois atores são, de fato, especiais. Nem se trata de atuações complexas a partir de personagens densos que exploram a questão humana, mas o carisma dos dois, a maneira como se olham, como dançam, como se frustram com as dificuldades das suas carreiras, já são suficientes para nos preencher. Mesmo que ambos já sejam atores reconhecidos, La La Land é um ponto de virada na carreira de ambos, principalmente Stone.

Tentando deixar de lado qualquer polêmica envolvendo prêmios e elogios exacerbados, me permito me divertir com essa experiência escapista, por vezes mágica, e sempre muito agradável.