É válido comparar o Universo Marvel estabelecido no cinema com a sua contraparte televisiva. Vamos falar a verdade: em 2012, milhões de pessoas em todo o mundo foram assistir a Os Vingadores, não porque o filme tinha uma história rica e interessante, mas sim porque queriam ver os heróis, que acompanharam por quatro anos nos seus filmes individuais, juntos na tela, realizando façanhas e defendendo a Terra de um ataque alienígena. Em si, a trama de Os Vingadores é rasa, mas o filme possui um senso de divertimento muito grande, decorrente da empolgação pela reunião dos super-heróis.

É mais fácil aturar uma história e um espetáculo rasos quando eles se limitam às duas horas de duração – ok, no caso de Os Vingadores, 2h20. É mais difícil aguentar algo assim por oito episódios de uma temporada televisiva, como se vê em Os Defensores, o novo projeto Marvel/Netflix, o Vingadores da TV. Num primeiro momento, é bacana vermos o Demolidor, a Jessica Jones, o Luke Cage e o Punho de Ferro juntos, acompanhados de muitos dos seus respectivos coadjuvantes. Mas não demora muito e uma sensação de tédio começa a se instaurar, quando percebemos que oito episódios ainda é muito para a trama tão rasa que os roteiristas e produtores da série conceberam. Ei, pelo menos não são 13 episódios dessa vez, como em todas as temporadas anteriores da parceria Marvel TV/Netflix.

Parceria esta que começou a se desgastar de uns tempos para cá. As duas temporadas de Demolidor e a primeira de Jessica Jones, mesmo com alguns problemas pontuais, ainda agradaram fãs e espectadores e terminaram com saldos positivos. Já em Luke Cage os sinais de alerta começaram a piscar, e Punho de Ferro foi quase um desastre completo. E como se trata de um universo compartilhado, os problemas das séries anteriores acabam se acumulando no seriado dos Defensores.

A temporada até começa bem: Recapitulamos onde cada personagem está, e a relação atual com seu círculo próximo de coadjuvantes; e somos apresentados à nova vilã, Alexandra, personagem de Sigourney Weaver que já aparece dando ordens na Madame Gao (a ótima Wai Ching Ho), grande mente por trás da organização criminosa Tentáculo. Nada melhor para criar uma grande vilã que coloca-la na posição de superior à bandida que já conhecemos de temporadas anteriores e, obviamente, entrega-la a uma atriz como Weaver também não faz mal nenhum.

O Tentáculo está com um novo plano para destruir Nova York (de uma maneira que não fica muito clara para o espectador), e essa encrenca possibilita a reunião dos super-heróis “mais pé-no-chão” da Marvel da TV. Os encontros entre Danny Rand (Finn Jones) e Luke Cage (Mike Colter), e entre Matt Murdock (Charlie Cox) e Jessica Jones (Kristen Ritter) até são conduzidos de forma orgânica pelos roteiristas. A princípio.

Porém, logo Danny revela que ainda continua o personagem problemático que acompanhamos em Punho de Ferro, e é a vítima preferencial dos “ataques de burrice” dos roteiros: no terceiro episódio, o que afinal ele esperava conseguir adentrando o escritório dos vilões e bancando o machão? Ocorrem outros momentos na temporada como esse, no qual algum dos personagens – geralmente Danny – tem seu “cérebro desligado” em prol da trama, para que ela se desenvolva do jeito que os roteiristas querem, e forçar a barra na escrita do seriado sempre é um mau sinal.

A inspiração nos Vingadores do cinema é clara como água: Nos episódios 3 e 8, há dois planos nos quais a câmera circula os heróis em ação, momento que obviamente deriva da famosa cena do longa de 2012. Tecnicamente, a série é muito bem filmada – várias cenas no primeiro episódio chamam a atenção pelos enquadramentos e posicionamento dos atores dentro do quadro, e há até uma bacana homenagem a Cidadão Kane (1941) no momento em que a câmera atravessa um neon e uma claraboia no quarto episódio. Porém, quando chegamos neste mesmo quarto episódio, o cansaço começa a se instaurar na enésima cena de luta. O plano do Tentáculo, que envolve Danny e Elektra (Elodie Yung), a namorada ressuscitada de Murdock – não é spoiler, a segunda temporada de Demolidor já indicava o seu retorno – é tão simples e básico que poderia ser resolvido em 2 horas no cinema. Aqui, se arrasta.

Outro problema grave da série é justamente Yung. Ela até esteve passável na segunda temporada de Demolidor, mas em Os Defensores não há como negar: Seu desempenho inexpressivo acaba com qualquer senso de drama que a série queira criar entre ela e Matt. A atriz se mostra fraquinha, e nos últimos capítulos ela é ainda mais prejudicada pela opção do roteiro de transformá-la numa Vilã com V maiúsculo, uma transformação que não faz muito sentido dramático.

Qualquer diversão em Os Defensores acaba vindo dos elementos isolados que funcionaram nas séries passadas: o cinismo de Jessica e da sua intérprete, as interações sempre verdadeiras entre Matt e seus amigos Foggy (Elden Hansen) e Karen (Deborah Ann Wolf), qualquer cena com o misterioso Stick vivido pelo ótimo Scott Glenn… Pena que tudo isso está à deriva em meio a uma grande quantidade de cenas inertes do ponto de vista dramático, clichés de histórias de super-heróis e, sinceramente, uma encrenca que não parece ser assim tão grande para justificar a presença dos quatro personagens. Os Defensores pelo menos não aborrece tanto quanto outras produções da Marvel/Netflix por causa do menor número de episódios, mas mesmo assim não justifica a noção de que “mais é melhor” dentro do Universo de super-heróis a que já nos acostumamos. A reunião dos Vingadores da TV tinha tudo para ser tão especial quanto a do cinema. Mas, coisa não tão comum hoje em dia, neste caso a tela grande acaba ganhando com folga da telinha.