Anda difícil atrair gente para a sala escura. Hoje vemos o cinema travando uma luta desesperada pela atenção e pelo dinheiro do espectador, e essa luta é travada contra muitas outras formas de entretenimento. Apenas sequências, adaptações de best-sellers e super-heróis parecem escapar imunes desse desespero.

O cinema de terror não é diferente. Recentemente, a repercussão da brincadeira conhecida como “Charlie, Charlie” movimentou a internet e também o mundo real. Mais tarde foi revelado que, na verdade, tratava-se de uma estratégia de marketing viral do lançamento do longa A Forca.  E esse viral realmente “pegou”, como demonstram os incidentes em vários países de pessoas aparentemente “possuídas” pela entidade da brincadeira – em Manaus, então, o tal Charlie atacou com muita força. Esse tipo de coisa na verdade não é nova dentro do gênero, apenas se diferenciou e evoluiu com o tempo, aproveitando-se das novas mídias e meios de comunicação.

Dentro do terror há notáveis histórias de marketing criativo e exemplos de filmes sobre os quais são criadas verdadeiras lendas urbanas que impulsionam o seu apelo. Vamos relembrar alguns casos…

Os pioneiros: AIP e William Castle

Os pioneiros: AIP e William Castle

Nos anos 1950, quando o cinema começou a enfrentar a concorrência da TV, as ideias para vencer a tela pequena não vieram apenas dos grandes estúdios e suas produções. Os cineastas que faziam filmes B também recorreram a estratégias inovadoras para atrair publico. Os produtores James H. Nicholson e Samuel Z. Arkoff, que criaram a American International Pictures em meados dessa década, se voltaram para um público que os grandes estúdios ignoravam, os adolescentes. Seus filmes eram baratos e apelativos, mas atraíam o publico com títulos chamativos como I Was a Teenage Frankenstein.

Nessa mesma época, outro pioneiro do terror foi o produtor e diretor William Castle, que se especializou em truques para deixar suas produções mais “chocantes”. Na exibição de A Casa dos Maus Espíritos (1959), por exemplo, em dado momento do filme um esqueleto luminoso passava voando por sobre as cabeças das plateias. Castle também experimentou com o 3D – a terceira dimensão, tão importante hoje para os números das bilheterias, foi usada principalmente por filmes de terror e ficção-científica quando foi criada.

Mas Castle não fez só filmes trash: ele hoje também é conhecido por ter produzido o clássico O Bebê de Rosemary (1968), de Roman Polanski.

Holocausto Canibal, filme de terror chocante

Filmes que extrapolam a tela: o terror na realidade

Em anos remotos, quando a principal ferramenta de divulgação de um filme era o boca-a-boca, a repercussão de alguns exemplares do gênero provocou reações extremas no publico. Podemos relembrar os casos de O Massacre da Serra Elétrica (1974) e de Holocausto Canibal (1980), que borraram a linha entre ficção e realidade. Em Massacre, o diretor Tobe Hooper colocou no início do longa uma narração indicando que os eventos a seguir eram baseados em fatos reais, e todo mundo acreditou – era mais fácil no passado – quando na verdade seu filme apenas faz uso de alguns elementos da história real do assassino Ed Gein. Já no caso de Holocausto, o diretor do filme, o italiano Ruggero Deodato, foi forçado a aparecer num tribunal para explicar como algumas cenas foram feitas e provar que seus atores ainda estavam vivos. Culpa da estrutura de pseudodocumentário do filme, capaz de convencer inteiramente as plateias da época – o filme hoje é considerado o precursor do que hoje conhecemos como found-footage, aquele tipo de projeto construído como se fosse a filmagem encontrada de um evento real.

Os primórdios da internet e o viral de terror A Bruxa de Blair

Os primórdios da internet e A Bruxa de Blair

O primeiro filme de terror a realmente usar a internet como ferramenta de marketing e divulgação foi A Bruxa de Blair (1999). Numa época em que a rede ainda era incipiente, o pessoal do estúdio Artisan deu um golpe de mestre ao comprar e posteriormente divulgar o filme, rodado por uma bagatela pelos jovens diretores Daniel Myrick e Eduardo Sánchez.

O estúdio produziu um documentário detalhando a mitologia da Bruxa e o exibiu na TV e no site do filme. Além disso, o site mostrava também entrevistas e noticiários falsos, alguns com o depoimento de policiais, tudo para convencer o publico de que o desaparecimento dos três heróis do filme era verdadeiro. E como as pessoas ainda não haviam sido expostas à enxurrada de filmes no estilo found-footage, como se veria nos anos seguintes, esse truque funcionou e muitos acreditaram na realidade vista na tela, num grande exemplo de filme que consegue transportar o publico para dentro do seu universo. A Bruxa de Blair se tornou o filme independente mais lucrativo da história do cinema, tendo arrecadado 140 milhões de dólares apenas nos Estados Unidos.

Os últimos exemplos: virais e pegadinhas de filmes de terror

Os últimos exemplos: virais e pegadinhas

Hoje em dia não basta apenas colocar a frase “Baseado em fatos reais” no começo do  filme – embora isso não atrapalhe, claro. Nos últimos anos várias produções do gênero apostaram em campanhas virais na internet ou nas boas e velhas “pegadinhas” – isso mesmo, no melhor estilo Silvio Santos – para chamar atenção.

Dois exemplos bem sucedidos de campanhas usando sites foram realizadas pelas promoções dos filmes Cloverfield: Monstro (2008) e Guerra Mundial Z (2013). Para o primeiro, foram criados uma série de sites para promover a bebida ficcional “Slusho” e a companhia japonesa “Tagruato”, com pistas escondidas dentro deles. Numa das últimas atualizações do site da Tagruato, é revelado que a companhia acabou despertando o monstro do título. Já para Guerra Mundial Z, foi criado o site Crisis Zero, que postava vídeos estranhos e fazia uma contagem regressiva para o evento apocalíptico, construindo o marketing viral para o longa de zumbis.

Outras ações de divulgação são menos inspiradas, como a tenebrosa (no mal sentido) pegadinha do bebê demoníaco feita para divulgar o filme O Herdeiro do Diabo:

Por enquanto, a melhor dessas pegadinhas foi aquela da divulgação do remake de Carrie, A Estranha (2013). A cena da garota telecinética no bar ficou muito bem feita e acabou sendo mais memorável que o próprio filme…:

Essas pegadinhas, sem dúvida, sacudiram um pouco a criatividade da equipe do SBT.

Ainda vivemos na época dos esqueletos voadores?

Já se pode dizer que a brincadeira do “Charlie, Charlie” é a mais bem sucedida ação viral de um filme de terror nos últimos tempos. Entretanto, ela também parece indicar que ainda estamos vivendo na época dos esqueletos voadores de William Castle. Ela demonstra que basta uma bem montada e criativa ação viral na internet para causar fenômenos isolados de histeria em massa na população. A ferramenta tecnológica mudou, mas o processo é o mesmo. Também demonstra que o público nunca vai deixar o Diabo para trás: ele é mesmo o maior vilão de Hollywood, aquele a quem muitos produtores recorrem para impulsionar suas tramas e o faturamento dos seus filmes.

Falando no Diabo, recentemente alguns sites compilaram imagens das pessoas reagindo à exibição de O Exorcista (1973), na época do seu lançamento nos cinemas. É interessante ver esse vídeo abaixo e constatar como alguns filmes conseguem transpor a barreira entre a tela e a vida real pela simples força das suas imagens. Talvez nunca mais vejamos reações como essas – pessoas desmaiando e saindo correndo da sala de exibição – ainda mais de forma espontânea como essas imagens mostram:

É essa espontaneidade que torna fenômenos como O Exorcista ainda mais impressionantes – as pessoas reagiam às imagens na tela, não a uma estratégia pré-concebida quando elas ainda estavam do lado de fora da sala de exibição. Esse é um pensamento inquietante, o de sermos tão facilmente influenciados, e isso é mais assustador que qualquer coisa na tela da maioria dos filmes de terror.

Exceto por alguns como O Exorcista. Esse não dependia de brincadeiras para fazer as pessoas saírem correndo das salas de exibição. Ou para atrair o publico até elas, por sinal.