Lançada em 2007 com autoria de Gerard Way e do brasileiro Gabriel Bá, o primeiro volume da HQ “The Umbrella Academy” apresentou como assinatura histórias futuristas e destrutivas vivenciadas por personagens problemáticos e superpoderosos. Doze anos depois, essa essência continua viva, desta vez, também através de uma série original na Netflix. Nesta produção, os conflitos individuais e coletivos de seus protagonistas são aprofundados de forma realista e eficaz, expondo questionamentos sobre a vida de super-heróis como pessoas comuns e as consequências de segredos e histórias desafortunadas dentro uma família. Por outro lado, muitos clichês do gênero são utilizados, empobrecendo a narrativa, porém, sem diminuir a força da dinâmica entre seus personagens.

Seguindo a premissa dos quadrinhos, a história se inicia a partir da morte do bilionário Sir Reginald Hardgreeves/O Monóculo, tutor de sete crianças adotadas por possuírem superpoderes. O acontecimento fatídico resulta no reencontro da família, o que desencadeia lembranças desagradáveis sobre Reginald e a vivência na mansão do grupo denominado como “The Umbrella Academy”, criando desentendimentos entre seus personagens. Paralelo a isso, o fim do mundo se aproxima e eles deverão ser responsáveis por impedi-lo.

Apesar de normalmente ser utilizado como argumento para aventuras de super-heróis, a destruição do universo não é o principal problema para muitos personagens, sendo, aliás, uma escolha positiva para “The Umbrella Academy”. Esta problemática é apresentada pelo Número 5 (Aidan Gallagher) graças à sua capacidade de viajar no tempo. Ele quem mantém essa narrativa viva enquanto o público descobre os infortúnios pelo qual passou na tentativa de poupar a família e o universo da morte – incluindo pequenas missões e personagens que enriquecem a história.

Devido a esta escolha por mostrar diferentes linhas temporais e separar seus personagens, os roteiros de “The Umbrella Academy” trabalham especificamente em não deixar as histórias cansativas. Tal expediente pode até falhar uma vez ou outra, mas, no geral, consegue ser bem feito. Grande parte desse esforço é visto na presença de figuras as quais facilmente poderiam ser descartadas ganhando novas tramas como os vilões Hazel (Cameron Britton) e Cha Cha (Mary J. Blige), os assassinos temporais que após falharem em deter Número 5 continuam com aparições a fim de reforçar os pretextos do seriado como, por exemplo, o romance improvável de Hazel.

Além do vilão, o próprio Número 5 e o manequim Dolores mostram a estranha afetividade a qual é proposta, assim como a difícil escolha de Número 2/ Diego (David Castañeda) em desligar sua mãe androide Grace (Jordan Claire Robbins) com a qual mostra maior afeto do que com qualquer outro membro da família. Da mesma forma, o já complexo Número 3/Klaus (Robert Sheehan) também apresenta sua difícil relação com alguém que já está morto, luta para manter-se sóbrio e conseguir exercer seu poder de falar com espíritos, situação que arrancar um bom desempenho do ator. Essas narrativas interpretadas com nuances de humor e drama evidenciam a abordagem de relações interpessoais entre figuras tão diferentes como premissa, mostrando-se capaz também de acrescentar uma densidade inesperada para a produção.

Os clichês começam no antigo romance entre Número 1/Luther (Tom Hopper) e Número 3/Allison (Emmy Raver-Lampman) assim como a relação de Número 7/Vanya (Ellen Page) com o desconhecido e obviamente duvidoso Leonard Peabody (John Magaro). Estas escolhas, mais prováveis e menos simbólicas acabam enfraquecendo seus personagens, deixando-os limitados em relação ao seu desenvolvimento, chegando perto de arruinar a boa dinâmica destes com outros personagens. Porém, de forma geral, o foco em diálogos e cenas simbólicas é bem-vindo para “The Umbrella Academy”, pois, mostra como os heróis enfrentam problemas mundanos igual cada tantas pessoas como vício em drogas, divórcios, relacionamentos…

Claro que as cenas de ação e luta não são deixadas de lado, mas, chama a atenção a dançante trilha sonora servir para amenizar a violência destas sequências. O hit dos anos 1980, “I Think We’re Alone Now”, de Tiffany, por exemplo, provoca estranheza, mas, funciona bem pelo lado cômico. A exceção fica por conta do violino remetendo à Vanya que toca o instrumento e protagoniza uma versão própria das músicas de “O Fantasma da Ópera”.

Visualmente, “The Umbrella Academy” traz uma direção de fotografia competente, superando erros grotescos de continuidade envolvendo trocas de câmera e posição dos personagens em cena. Os efeitos visuais não deixam a desejar, especialmente, na concepção do corpo de primata de Luther e na captura de movimentos do personagem Pogo (Adam Godley).

“The Umbrella Academy” manteve sua essência das HQs presente no seriado, considerando a tradução necessária para um produto audiovisual, principalmente, em evidenciar a construção de seus personagens. Isto pode ser também graças a presença dos criadores como co-diretores executivos da série: mesmo sem a continuação confirmada, o próprio Way fez questão de informar a produção sobre como as histórias seguiriam na HQ, para que estas ideias pudessem ser viabilizadas desde o início. O resultado se assemelha a algo que poucas histórias conseguiram mostrar: uma humanização de super-heróis e a real complexidade de possuir poderes, tendo como companheiros títulos como “Logan”, “Corpo Fechado” e até mesmo o seriado “Demolidor”.

Por falar em Marvel e Netflix, a parceria entre as duas encerrou de vez com o cancelamento de “O Justiceiro” e “Jessica Jones”, deixando assim o streaming órfão de novidades para o público das produções. Desta forma, é muito provável uma continuação de The Umbrella Academy, assim como a aquisição de séries do streaming da DC, atualmente transmitido apenas nos Estados Unidos. Com distribuição mundial, a Netflix já adquiriu “Titãs” e muito provavelmente repetirá o feito com “Doom Patrol”, recém lançada pela DC, e que também possui em suas HQs interferência de Gerard Way, ligado intrinsecamente à Umbrella.

De forma geral, o grande diferencial de “The Umbrella Academy” é que os personagens não buscam identidade ou pertencimento como muito ocorre neste gênero: eles procuram, principalmente, relacionamento e contato entre si, o que nunca obtiveram por serem limitados anteriormente. Mesmo tropeçando em algumas escolhas fáceis normalmente utilizadas em adaptações de quadrinhos, a série consegue criar uma narrativa original e digna de ser assistida por fãs do gênero ou amantes de seriados em geral por proporcionar uma experiência mista entre o cômico e o dramático e ainda levantar novos questionamentos sobre super-heróis – o que por si só não é nada fácil.