De dois anos para cá, a Netflix dentro da sua grade de séries, descobriu um caminho interessante de sucesso perante o público: seriados que abordam a psicologia humana e o seu lado mais obscuro, as psicopatias. Não é de hoje que séries centradas na subjetividade humana exercem fascínio sobre as pessoas, cada vez mais ávidas em compreender as razões e os motivos que levam um indivíduo considerado normal, a realizar atos hediondos com requintes de violência e crueldade.

Diferentes dos filmes com o selo “Original Netflix”, onde a qualidade é bem ruim, as séries focadas no tema como Mindhunter, The Sinner e Alias Grace representam o tratamento de qualidade oferecido pelo streaming. The Alienist é o mais novo thriller psicológico da Netflix que estreia em abril. Baseada no romance investigativo de Caleb Car, a trama se passa na Nova York do final do século 19, época em que o capitalismo industrial consolidou o crescimento econômico americano, mas afundou o país nas desigualdades sociais.

Nesse período sombrio, o Dr. Lazlo Kreizler (o alemão Daniel Brühl, de Bastardos Inglórios) é o alienista do título, o profissional responsável em cuidar das pessoas alienadas do convívio social. Contando com um grupo de investigadores formado pelo ilustrador John Moore (Luke Evans), a secretaria da polícia, Sara Howard (Dakota Fanning) e os sargentos-detetives gêmeos, Marcus (Douglas Smith) e Lucius (Matthew Shear), Lazlo precisa traçar o perfil psicológico de um serial killer que está aterrorizando a cidade, ao matar e mutilar garotos imigrantes que se prostituem na Nova Iorque com requintes particularmente cruéis.

Assim como The Sinner que foi lançada nos E.U.A primeiramente no canal USA, The Alienist foi transmitida pela TNT no início de 2018 para chegar na plataforma virtual neste mês. Para quem é macaco velho, já leu muito ou assistiu filmes e seriados psicológicos, notará que a série não traz absolutamente nada de novo. É praticamente uma colcha de retalhos de várias situações já vistas – bem melhores em aspectos criativos – em outras produções, tanto literárias, quanto cinematográficas e televisivas.

É claro que The Alienist funciona como entretenimento eficiente e prende a atenção do público com sua história de mistério em relação ao seu assassino (suas motivações e traumas), pelo ótimo elenco e a coragem de tocar em temas polêmicos com um olhar mais liberalista, ainda que não os aprofunde com qualidade. Abaixo, seguem os principais pontos da série que apontam suas virtudes e fragilidades.

Reconstituição de época

Se o Dr.Lazlo Kreizer é um perito em traçar o perfil dos seus pacientes e amigos, a série cria um belíssimo “perfil” sobre a Nova York do final do século 19. A ambientação beira a perfeição, rica em detalhes e no cuidado estético dos figurinos e cenários, principalmente na representação dos prostíbulos, hospícios e vielas americanas. Tudo soa tão orgânico que deixa a sensação de que estamos revivendo a arqueologia daquele passado, no meio das suas contradições sociais e morais.

The Alienist tem uma identidade visual digna de cinema, que remonta muito visualmente, o rico (e amoral) Gangues de Nova York (2002) de Scorsese, até porque ambos se passam no mesmo período. Essa Nova York, suja e violenta, visualmente retratada de forma assustadora, contribui para o terror e suspense.

Um grande elenco para criar empatia junto ao público

O elenco de The Alienist é outro diferencial da série. Daniel Brühl está excelente como o alienista. Seu Kreizler  tem o olhar apurado sobre a psicologia humana, digna de um Sigmund Freud à inteligência investigativa de um Sherlock Holmes. É uma atuação sólida, por tornar seu personagem humano, tanto na sinceridade quanto na arrogância.  O limitado Luke Evans tem o melhor papel da carreira, e transmite com valentia a impulsividade de Moore através dos seus vícios comportamentais. Por fim, Dakota Fanning mostra que a garotinha irritante de Guerra dos Mundos (2005), cresceu e se transformou em uma atriz interessante. A sua atuação não verbal, de olhares expressivos, cai como uma luva para o papel feminino de maior destaque, dentro da série.

Há também, participações de incontáveis figuras carimbadas do cinema dos anos 80 a 90, como Ted Levine (o serial killer de O Silêncio dos Inocentes, que continua com cara de louco), Michael Ironside (eterno vilão na década de 89 e 90), David Warner (que já protagonizou Jack, o Estripador em Um Século em 43 Minutos), Grace Zabriskie, a mãe de Laura Palmer em Twin Peaks e Sean Young, a replicante de Blade Runner (1981). Parece até que o casting coadjuvante da série foi escolhido a dedo, com as figuras mais insanas do cinema.

Uma coletânea de clichês dos thrillers psicológicos

É só analisar o roteiro da série que você vai encontrar situações que são parecidíssimas com aquelas vistas em livros, séries e filmes. Por exemplo, parte da história de investigação criminal e os assassinatos lembram a ótima Graphic Novel de Alan Moore, Do Inferno, troca-se apenas Londres, por N.York. Inclusive a trama conspiratória em The Alienist voltada a elite da sociedade americana é quase um carbono da HQ de Moore.

O assassino com seus problemas físicos e toda atmosfera darkness são calcadas na primeira temporada de True Detective – não à toa, que um dos produtores da série é o mesmo da outra, Cary Fukunaga. Para completar, o uso da psicologia forense e dos perfis psicológicos remetem as ideias de Mindhunter. São vários artifícios usados a exaustão em outros thriller psicológicos, que deixam a série previsível e com a sensação “onde é que eu já vi isso?”. No fundo se a sua identidade audiovisual é fascinante, a identidade narrativa é bem burocrática.

Uma narrativa que promete muito, mas entrega menos

Aqui reside o principal problema da série: a forma como sua narrativa é trabalhada. Há um excesso de enrolação aqui e ali, como as tramas românticas de alguns personagens, a de Lazlo com a criada Mary (Q’orianka Kilcher) é mais problemática neste sentido. Isso aponta que não há justificativa para uma temporada de dez episódios. Os conflitos dramáticos de alguns personagens como Moore e a Sara em relação aos seus passados traumáticos, são costurados rasamente e até com certo descaso, por serem esquecidos de serem explorados pela narrativa – os vícios de Moore pela jogatina e prostituição de uma hora para outra, somem da história.

Junte-se a isso a uma narrativa que oscila muito em trabalhar o aspecto social e investigativo. No primeiro, a série merece elogios pela coragem de abordar temas complexos como a exploração sexual infantil, um retrato assustador da pedofilia, onde meninos são transformadas em meninas para satisfazer os adultos da burguesia americana. O texto acerta também ao fazer contrapontos com problemas atuais como a homofobia, a emancipação feminina, as relações de poder e a hipocrisia da elite.

É um leque com vários pontos pertinentes, mas que não ganham um aprofundamento digno por parte do roteiro, que prefere valorizar a narrativa investigativa, porém, sem jamais tirá-la da zona de conforto do previsível. Inclusive a subtrama voltada a um suspeito – que desde o início fica claro que ele não tem nada a ver com os crimes –  é desnecessária e que não agrega nada a investigação. Com isso, a série perde a oportunidade de explorar situações mais relevantes como a importância da ciência comportamental no âmbito policial, extremamente fundamental na resolução de casos de assassinatos envolvendo pacientes com distúrbios mentais.

É claro que estes defeitos não atrapalham a experiência, até porque há vários acertos dentro dela como expostos aqui na crítica. O que se lamenta é o potencial excelente não explorado. Pelo elenco, a sinopse e a qualidade audiovisual ousada para uma produção de época para uma série de TV, The Alienist merecia um sensor mais criativo por parte dos seus envolvidos. É uma série que não se esforça em inventar a roda dos thrillers psicológicos ou estimule o público a pensar fora da caixa. Afinal, quando não se tem um Mindhunter ou um True Detective para assistir, The Alienist no contexto geral funciona bem como um passatempo.