2016 foi um improvável ano de renascimento para a atriz Sônia Braga. Após conhecer o estrelato em produções do cinema e televisão nacionais dos anos 1970 como “Gabriela” (1975) e “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976), ela se abriu ao cinema internacional nos anos 1980 com “O Beijo da Mulher Aranha” (1985), com o qual recebeu uma indicação de Melhor Atriz no Globo de Ouro, e “Luar sobre Parador” (1988). Nos anos 1990, foram seus pontos altos “Rookie: Um Profissional em Perigo” (1990), de Clint Eastwood, “Amazônia em Chamas” (1994) e outro papel marcante no cinema brasileiro, “Tieta do Agreste” (1996).

O século XXI, no entanto, prometia não ser muito marcante para a atriz. Os papeis não fixos em seriados americanos como “Sex and the City” (2001), “Lei e Ordem” (2003) ou “Desperate Housewives” (2007) eram comuns. No cinema nacional, um destaque foi o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Gramado por “Memórias Póstumas” (2001).

Já com os dois pés fincados na terceira idade, o implacável mercado de cinema e televisão parecia se estreitar cada vez mais à atriz. E então, chegamos em 2016 e a “Aquarius”, provando que a passagem do tempo só fez bem à artista.

(Re)nasce uma estrela

Sem dúvida o filme brasileiro mais falado do ano, “Aquarius” cimentou a carreira do diretor Kleber Mendonça Filho e reacendeu a todos a importância de Sônia ao cinema nacional. Se o filme se sustenta em sua qualidade para além dos pequenos defeitos que impedem que ele seja perfeito, é graças ao talento de sua protagonista.

No longa, Sônia dá naturalidade a cada aspecto de sua personagem, Clara, além de dominar um retrato complexificado de uma mulher de mais de 60 anos e que, no entanto, exala um frescor que vemos atrelado, de maneira esmagadora, à juventude no cinema. É graças ao domínio de Sônia que Clara soa real tanto nos momentos em que exibe uma sexualidade longe do pudico com a mesma espontaneidade de como fofoca com as amigas, ouve seus discos ou dá bronca na filha no melhor estilo “mãe dramática”.

Sonia Braga dançando em Aquarius

Não só como um retrato da terceira idade, é na apresentação de uma mulher completa, com defeitos, virtudes, manias e encantamentos que Sônia Braga contribui para um dos papeis mais marcantes do cinema nacional em muito, muito tempo. Os protestos contra o governo Temer feitos pela equipe de “Aquarius” no Festival de Cannes acenderam ainda mais a mítica da personagem contestadora de Sônia/Clara quando a atriz não se esquivou de expor seu posicionamento político no episódio. Tanto uma como a outra se tornaram símbolos de resistência (para o bem ou para o mal, dependendo de como você interpreta a situação…).

Discussões políticas a parte, não foi só no contexto brasileiro que o trabalho de Sônia em “Aquarius” agradou. Festivais internacionais e publicações especializadas se impressionaram com aquele talento não tão desconhecido assim no cenário fora do Brasil. Na carreira de “Aquarius” em festivais de cinema, Sônia saiu agraciada com os prêmios de Melhor Atriz no Festival Internacional de Cinema Latin-Americano de Biarritz (França), no Festival de Cinema Latino-Americano de Lima (Peru), no Festival de Cinema de Mar Del Plata (Argentina) e no Premios Fénix (Cuba).

Dentre listas de críticos, o trabalho de Sônia em “Aquarius” também ficou bem na fita. No Top 5 do IndieWire, um dos mais respeitados sites especializados de cinema independente, ela figura ao lado de Isabelle Huppert (por “Elle”), Natalie Portman (“Jackie), Sandra Hüller (“Toni Erdmann”) e Emma Stone (“La La Land”) na lista de melhores atrizes do ano. Já nos prêmios da Associação de Críticos de Cinema de San Diego, Sonia foi escolhida a melhor atriz do ano, batendo concorrentes como Emma Stone (“La La Land”), Natalie Portman (“Jackie”) e Annette Bening (“20th Century Women”). Além disso, foi escolhida como melhor atriz pela International Cinephile Society Awards. Uma outra honraria (e mais que especial) foi “Aquarius” ter entrado na lista de melhores filmes do ano da Cahiers du Cinéma.

Cena final de Aquarius

A indicação de “Aquarius” e da própria Sônia ao Oscar ficou como um sonho não realizado para os brasileiros. Tivemos, no entanto, uma das corridas a pré-indicação mais interessantes dos últimos tempos, com direito a intriga política, filmes desistindo de concorrer, escolhas duvidosas e uma tentativa de que “Aquarius” e Sônia pudessem correr por lá da indicação oficial da comissão ligada ao governo. De certa maneira, foi a força impressa por Sônia em Clara a responsável por tudo isso: ela transformou o longa de Kleber em algo solar, cimentando a mensagem e resistência de luta do filme de forma inusitadamente explosiva no Brasil de 2016.

A vida pós-Aquarius

O turbilhão de “Aquarius” se acalma, mas Sônia aproveita a boa fase de exposição para engatar projetos variados. Em “Luke Cage” (2016), por exemplo, ela interpretou Soledad Temple, mãe da enfermeira Claire Temple (Rosario Dawson), uma das personagens coadjuvantes mais legais do universo televisivo da Marvel. Agora num contexto em que os seriados estão longe de serem vistos como produtos de “segunda categoria”, Sônia se insere na “era de ouro” da televisão americana a partir de uma ramificação super popular com essa produção.

Além do seriado, a atriz também já tem na conta dois grandes lançamentos no cinema para 2017. O primeiro é o drama “Wonder” (2017), no qual ela aparecerá como a mãe da personagem de Julia Roberts e avó de Jacob Tremblay (o garotinho fofo e super talentoso de “O Quarto de Jack”). O segundo é um projeto mais indie, a comédia “Going Places” (2017), inusitado spin-off de “O Grande Lebowski”, focado no personagem Jesus Quintana, que John Turturro dirige e protagoniza. Mais uma vez, Sônia estará em boa companhia: o elenco feminino do filme conta com Susan Sarandon e Audrey Tautou. Com essa agenda, Sônia Braga promete nos surpreender com “grandes retornos” por um bom tempo ainda.

Sonia Braga em Aquarius