O medo capaz de despertar os maiores monstros nas nossas cabeças e nos paralisar totalmente é o mote principal de “It – Capítulo 2”. Baseado no clássico livro de Stephen King, a produção tinha tudo para ser uma mistura certeira entre o horror sanguinolento com o suspense psicológico tão bem trabalhado em obras recentes do gênero.
Porém, o diretor argentino Andy Muschietti e a Warner Bros deixaram um temor terrível da indústria de Hollywood aflorar: a crença na incapacidade do público em entender subtextos e não se guiar por sustos fáceis. Como resultado, temos um filme decepcionante, inchado e mal estruturado.
Roteirizado por Gary Dauberman (do primeiro filme, “Annabelle 1, 2 e 3” e “A Freira”), “It – Capítulo 2” se passa 27 anos após os eventos ocorridos no primeiro filme. O Clube dos Otários está desfeito e os integrantes espalhados pelos EUA nas mais diversas carreiras. Pennywise, porém, retorna para espalhar o terror em Derry, levando o grupo a voltar à cidade, enfrentar os próprios medos e derrotar o palhaço assassino de uma vez por todas.
PEDÁGIO PESADO E ELENCO FRACO
O filme de 2017 não acertou apenas na aura temível e fatal de Pennywise: grande parte do charme da história se devia ao bom tratamento dado aos personagens seja a partir do trabalho dos jovens atores como das fortes características de cada um deles realçadas em importantes passagens da obra. “It – Capítulo 2” até tenta fazer o mesmo ao escalar grandes nomes como Jessica Chastain, James McAvoy e Bill Hader, porém, peca no desenvolvimento das tramas de cada um deles.
Diferente do que fizera Stanley Kubrick em “O Iluminado”, “It – Capítulo 2” paga um pesado pedágio ao livro original. Isso leva o filme a esticar a história a desnecessários 165 minutos ao repetir situações ao extremo – somos obrigados a ver, um por um, os traumas dos integrantes do Clube dos Otários – e não retirar partes menos importantes da trama. O roteiro ainda se complica ao explicar a origem de Pennywise em uma sequência bastante confusa e muito menos convence ao tratar sobre o esquecimento bizarro dos protagonistas dos fatos ocorridos no primeiro filme.
Pior de tudo é a sensação deixada de que, mesmo com tudo isso, pouco se acrescenta em relação ao que já se sabia dos protagonistas. Se Bill (McAvoy) segue atormentado pela perda do irmão, mas, nada mais é colocado em relação a isso, Ben (Jay Ryan), em vez de comover o público, irrita com a obsessão stalker sobre Beverly (Chastain), criando um triângulo amoroso que nunca decola.
Falando na mocinha da trama, se o trauma dela até possui um interesse componente da violência masculina incidindo novamente sobre sua vida, agora, em relação ao marido, porém, o exagero da violenta sequência acaba por diminuir o impacto do momento para torná-lo apenas caricato. Para piorar, Beverly, outrora valente, acaba se limitando a gritos e sustos sem tomar muita atitude, tornando-se uma personagem decepcionante ao recair por diversas vezes no padrão feminino dos piores filmes de terror.
Quem se sai um pouco melhor é Richie (Bill Hader) pelo fato da luta em esconder a sua homossexualidade – tema, inclusive, presente no ótimo início do filme. Mesmo assim, pouco tempo é dado para se explorar da maneira apropriada esta trama. Tais fraquezas do roteiro afetam, inclusive, o desempenho do elenco em trabalhos muito abaixo do visto anteriormente na carreira – McAvoy e Chastain são bons exemplos.
GOLPE BAIXO
Com tantos problemas no roteiro, Andy Muschietti poderia ter salvo “It – Capítulo 2” na direção. Infelizmente, o cineasta argentino recai nos artifícios mais banais do terror. O pior deles? A trilha sonora onipresente.
Poucos são os momentos em que a trilha não se faz presente no filme e, na maioria das vezes, está lá apenas para realçar o óbvio. Essa falta de confiança na inteligência do público em conseguir acompanhar a construção do suspense de uma cena sem tornar tudo tão didático ao espectador também revela-se uma incapacidade do realizador em confiar no material que tem em mãos.
Isso se revela ainda mais grosseiro justo em um momento em que o terror parece conseguir apontar novos caminhos graças a talentos como Jordan Peele (“Corra”, “Nós”), Ari Aster (“Hereditário”, “Midsommar”), Robert Eggers (“A Bruxa”, “The Lighthouse”).
Ver esse tipo de artifício usado sem a menor parcimônia com o único intuito de fazer o espectador se assustar graças ao som explodindo pelas caixas de cinema cansa qualquer espectador mais criterioso, o que, cá entre nós, não é a média do grande público nas salas de exibição mundo afora. Interessante notar que justamente quando utiliza a trilha e os recursos sonoros com maior moderação – a cena da menininha no campo de golfe – Muschietti consegue, de fato, assustar.
Por outro lado, há de se louvar a direção de arte: aproveitando a possibilidade de explorar os pesadelos dos protagonistas, Paul D. Austerberry cria um universo exagerado e surreal, transitando na influência gótica com toques de Tim Burton e Guillermo Del Toro. O cenário do desfecho do filme no momento do destino de Pennywise é, sem dúvida, um dos mais bonitos criados pelo cinema em 2019.
“It – Capítulo 2” até possui virtudes temáticas – o discurso contra a homofobia, maior respeito à tolerância, a necessidade de encararmos nossos traumas para vencer medos e barreiras. Porém, como terror e cinema, fica muito aquém do que se podia alcançar graças à falta de confiança em saber o que era realmente necessário para o filme.