Se há um filme recente que satisfaz a ideia de plágio no mundo cinematográfico, este é O Silêncio, a nova ficção-científica da Netflix. O longa-metragem dirigido a toques de Ctrl + C e Ctrl + V por John R. Leonetti funciona como um copia e cola híbrido do ótimo Um Lugar Silencioso e de outro sucesso recente do streaming, o fraco Bird Box.

No filme, somos apresentados a família de Ally (Kiernan Shipka, da série Netflixiana, O Mundo Sombrio de Sabrina), uma jovem com problemas de audição, que juntamente com os pais, Hugh (o sempre eficiente Stanley Tucci de Diabo Veste Prada) e Kelly (Miranda Otto, de Senhor dos Anéis), a avó Lynn (Kate Trotter) e o irmão mais novo Jude (Kyle Breitkopf), precisam sobreviver em mundo que está sob ataque constante de criaturas que caçam suas presas pelo som.

Se a sinopse acima já entrega grandes semelhanças com os dois sucessos citados no primeiro parágrafo, O Silêncio não tem pudor nenhum de apoiar sua narrativa no maior número de clichês de filmes pós-apocalípticos do cinema nos últimos 30 anos: a protagonista que é deficiente auditiva, o pai dedicado, a necessidade do silêncio como recurso de sobrevivência e criaturas que se guiam pelo som é um Ctrl + C e Ctrl + V ordinário de Um Lugar Silencioso; a cena de abertura que revela quem são as criaturas é uma xerox do britânico e desconhecido Reino de Fogo; o ataque das criaturas a família dentro de um carro é o carbono de uma sequência semelhante de Bird Box; as criaturas (chamadas de vespas) possuem um design idêntico as de Eclipse Mortal e o argumento de que os humanos podem ser uma ameaça muito maior que as criaturas reproduz os conflitos dos filmes de zumbis de Romero.

Ainda que entenda a filosofia de Chacrinha de que “nada se cria, tudo se copia”, O Silêncio é a prova que boas ideias e premissas que deram certo em outros trabalhos, nem sempre darão a mesma liga se o texto ou direção não desenvolverem a matriz temática de forma, minimamente, inteligente. O curioso é que o filme até é instigante nos primeiros minutos. Temos um horror abrupto, que aos poucos, vai seduzindo o espectador com elementos narrativos competentes em promover um clima de tensão apocalíptica adequado, por meio de códigos estabelecidos pela direção como os créditos de abertura que são  eficientes em inserir o espectador dentro da narrativa misteriosa, além de  toda a preparação de suspense que o diretor Leonetti utiliza, para compor o cenário de caos social que a família de Ally vive antes dos primeiros ataques das criaturas nas cidades.

O cineasta já com vasta experiência no horror – foi diretor de fotografia dos dois Invocação do Mal e dirigiu decentemente o primeiro Annabelle, ainda que tenha feito pelo caminho, uma bela lambança chamada 7 Desejos– acerta neste primeiro momento por investir mais na atmosfera de suspense do que propriamente nos sustos baratos. Leonetti faz um trabalho elegante nos enquadramentos, apostando na bela fotografia de cores esmaecidas para acentuar o clima de tensão. Ainda assim, isso não esconde o trabalho irregular. Para cada boa cena de suspense/horror como a da cobra dentro do duto, há outras como da farmácia e o acidente de carro que são um verdadeiro desperdiço pela enorme quantidade de clichês e falta de suspense estabelecido.

SABOTAGEM DO PRÓPRIO ROTEIRO

Esses problemas são acentuados pela própria falta de foco do roteiro escrito pelos irmãos Carey e Shane Van Dyke responsáveis pelo terror found footage Chernobyl. O Silêncio não chega a ser uma bomba radioativa como o trabalho anterior da dupla, só que o texto não consegue transmitir qualquer medo ou tensão ao público à medida que a história desenrola. Para um filme que começa bem, a produção fica cada vez menos interessante com o seu roteiro sem qualquer preocupação em explorar emocionalmente os conflitos daquele universo apocalíptico e de como a família lida, a partir dos seus dramas pessoais, com a nova adaptação daquela realidade.

O roteiro também sabota suas próprias ideias não respeitando nem mesmo o fator silêncio que rege a lei fundamental da sua estrutura narrativa, com diversos personagens falando ou sussurrando sem que nada aconteça, talvez pela surdez cada vez mais crescente das criaturas que deveriam possuir super audição ou apenas a falta de coerência do roteiro. O maior absurdo de todos é quando a família descobre um modo de destruir as criaturas (uma explicação tola revelada em uma cena esdrúxula) E NÃO aproveitam essa ideia de novo, até o final do filme.

Aqui, chama atenção o quanto a obra é irregular e faz o mau uso das tramas secundárias durante o seu desenrolar – o interesse romântico de Ally e todo enredo que envolve o tio vivido por John Corbert, são desnecessários – que acaba sendo estranho, que apenas no último plot, relacionado ao Reverendo (vivido de forma assustadora por Billy MacLellan) e sua seita religiosa, o responsável em oferecer uma boa vitalidade e qualidade ao material, tirando a produção da zona de conforto que vinha se mantendo, até então. É nítido que este segmento – interessante pela a crítica ao fanatismo religioso – poderia ser melhor empregado na trama e não reduzido a um clímax apressado nos últimos 15 minutos.

Não se pode negar que o elenco pelo menos se esforça em defender com unhas e dentes, o texto sem criatividade. É bom ver os ótimos Stanley Tucci e Miranda Otto, sempre marcados por papéis coadjuvantes, assumindo o protagonismo e dando conta do recado por meio da enorme capacidade de estabelecerem o carisma de seus personagens. Já a jovem Kiernan Shipka mostra talento em transmitir com segurança, as limitações da sua jovem Ally.

No resumo da ópera, O Silêncio mantém a tradição fraca das ficções científicas lançadas pela Netflix, com uma narrativa sem vida e desajeitada. Se Bird Box já funcionava como um “primo pobre” de Um Lugar Silencioso, a obra de John R. Leonetti consegue comprovar que o buraco é ainda mais fundo e ser em toda sua extensão, um primo ainda mais paupérrimo de Bird Box.