“Bird Box” surge no catálogo da Netflix com três propósitos muito claros: agradar o público do serviço apaixonado por tramas de mistério, mostrar a força do streaming ao conseguir contar com estrelas de Hollywood do porte de Sandra Bullock em um projeto original e ilustrar o apoio à diversidade dentro da indústria do entretenimento. Tudo lindo, mas, como filme, a produção dirigida pela dinamarquesa Suzanne Bier fica aquém do potencial demonstrado.

Baseado no romance homônimo escrito por Josh Malerman, o longa mostra um mundo em que subitamente pessoas começam a se suicidar. A causa será algo que, após elas verem, as transformariam a ponto de querer tirar as próprias vidas. Grávida do primeiro filho, Malorie (Sandra Bullock) se refugia em uma casa com um grupo de pessoas, onde vão tentar a sobrevivência. Paralelo a isso, cinco anos depois, acompanhamos a protagonista, junto com outras duas crianças, em uma arriscada viagem, a bordo de uma pequena canoa, para tentar chegar a um lugar que pode ser a salvação deles.

Roteirista indicado ao Oscar por “A Chegada”, Eric Heisserer volta a usar o expediente de duas linhas narrativas paralelas se cruzando até a conclusão da história. Aqui, a proposta funciona mais pela tensão dos perigos do que pelo desenvolvimento dos personagens na história.

“Bird Box” busca claramente fazer uma mistura de pessoas de diferentes classes sociais, gêneros, sexualidade, faixas etárias, ou seja, quase um BBB do fim do mundo em formato de filme de terror. A trama, entretanto, não consegue dar vazão a tanta gente em cena, caindo nos estereótipos mais rasos: há o alívio cômico, o mala sem alça (pobre John Malkovich), os jovens fogosos, a senhorinha com medo das coisas (pobre Jacki Weaver), o galã bom moço e por aí vai.

Sendo um filme de terror/suspense, logo, um a um vai morrendo conforme a necessidade da história, alguns, inclusive, das formas mais patéticas possíveis (por que o rapaz vai olhar o monitor mesmo? Ou por que abrir a porta para um sujeito problemático em meio ao caos?).

Se a proposta de não mostrar e nem revelar com maiores detalhes o que de fato é aquele ser sobrenatural mostra-se acertadíssima por ampliar este estado caótico e de incerteza dos personagens para fora da tela, por outro lado, Heisserer fraqueja ao utilizar do expediente de zumbis para desnecessárias cenas de ação com o único intuito de agitar a trama.

Dentro deste cenário, a construção do drama de Malorie acaba sendo o trunfo da história de “Bird Box”. No começo, observamos uma personagem sem a menor conexão com o mundo e as pessoas ao redor, preferindo viver trancada dentro de casa, isolada do resto do mundo. Mesmo sem sabermos o que levou a isso (decisão acertada de Heisserer, diga-se de passagem), sentimos uma dor silenciosa dentro dela, o que faz este processo de transformação para encontrar a tal liberdade capaz de permitir sonhar e amar o próximo um dos grandes trabalhos da carreira de Sandra Bullock.

Semelhante a “Fim dos Tempos” e a grande série da HBO, “The Leftlovers”, “Bird Box” parte de um processo assustador surgido em cena sem maiores explicações. Nisso, a sequência em que o terror explode pode até não ter o impacto do único momento digno do longa de M. Night Shyamalan, mas, dá uma boa dimensão do caos do momento. Já as cenas de ação seguintes até mantêm a tensão pela boa montagem, mas, pecam pelos excessos sonoros sem necessidade com uma trilha excessivamente alta. Talvez, Suzanne Bier faltou à sessão de “Um Lugar Silencioso” para entender que menos é mais.

Como entretimento inofensivo, “Bird Box” até funciona bem e entrega um suspense razoável com clichês, excessos e alguns momentos inspirados. A sensação, porém, é que poderia ir muito mais além dentro do próprio terror do universo criado na trama.