Todo ano é a mesma coisa: a gente se aborrece com as escolhas da Academia, diz que não vai mais ligar para o Oscar, mas, na temporada seguinte, faz o quê? Pois é. Como bons trouxas que somos, continuamos acompanhando a cerimônia na esperança de ver nosso filme favorito reconhecido, mas, é claro, que o tempo nos deixa calejados o suficiente para saber que aquilo ali é apenas uma cerimônia mais preocupada em premiar a “melhor narrativa” (afinal, a tal narrativa é que sustenta as campanhas milionárias dos estúdios) e não necessariamente o melhor trabalho.

Esse ano, no entanto, dá para perceber que a empolgação não é a mesma das temporadas anteriores. Talvez seja a fadiga de tudo o que vem acontecendo no país, mas, uma coisa é consenso: a safra deste ano deixou a desejar. Em meio a tantos filmes bons, parece que a Academia resolveu fazer que nem os nossos colegas que elegeram “O Grande Circo Místico” o que havia de melhor em um cinema brasileiro que produziu obras como “Arábia”, “As Boas Maneiras” e “Benzinho”.

As indicações anunciadas nesta terça-feira tiveram algumas surpresas que agradaram em cheio, como a menção a Yorgos Lanthimos e a dupla de atrizes de “Roma” fazendo história nas categorias de atuação, mas o que será que a Academia quis nos dizer nessa temporada tão morna?

Reconhecimento da Netflix

Antes mesmo de uma não tão impossível assim vitória em Melhor Filme, “Roma” já fez história. O filme de Cuarón foi um dos líderes de indicação e a prova cabal de que, depois de algumas aparições tímidas, a Netflix está pronta para adicionar uns Oscars à sua prateleira já repleta de Emmys.

O que isso significa? O sucesso da Netflix com um filme como “Roma” é muito positivo para nós, cinéfilos, principalmente os que fazem parte desse clube que está longe das cidades que sempre recebem filmes menos comerciais. Claro que poder ver o filme de Cuarón na tela do cinema seria um presente, mas não deixa de ser animador ver uma gigante como a Netflix disposta a investir em uma produção considerada arriscada para os parâmetros hollywoodianos.

Hora das latinas

Falando no drama dirigido por Cuarón, vale lembrar que as indicações a Yalitza Aparício e Marina de Tavira também são históricas. A intérprete de Cleo é a primeira atriz indígena a ser indicada ao Oscar. Além disso, essa é a primeira vez que duas atrizes latinas são indicadas no mesmo ano – e pelo mesmo filme, é claro. Antes de Aparício, somente três latino-americanas haviam sido finalistas na categoria de melhor atriz, enquanto de Tavira é apenas a sétima latina indicada a coadjuvante. Até hoje, apenas duas ganharam o Oscar: a porto riquenha Rita Moreno e Lupita Nyong’o (que nasceu no México), ambas na categoria de atriz coadjuvante.

O que isso significa? Sabemos que o Oscar é uma premiação que privilegia Hollywood, uma indústria ainda majoritariamente branca. Ter duas atrizes mexicanas – sendo uma de origem indígena – concorrendo no mesmo ano é um feito e tanto, principalmente se pensarmos no baixíssimo número de latinas, asiáticas e negras premiadas ao longo da história. Ver as portas do Oscar abertas para o México não deixa de ser empolgante, e saber que talentos femininos estão sendo reconhecidos – ainda que em menor escala – é uma das melhores coisas dessa temporada. Vale lembrar que “Roma” fez história também com a produtora Gabriela Rodriguez, que se tornou a primeira mulher latina indicada nesta categoria.

Bradley Cooper e Peter Farrelly esquecidos no churrasco

Cooper e Farrelly abocanharam indicações em outras categorias, mas sofreram um revés violento ao não ficarem entre os finalistas de melhor diretor. Pawel Pawlikowski (‘Guerra Fria’) e Yorgos Lanthimos (‘A Favorita’) acabaram com a manhã da dupla, que era considerada certa.

O que isso significa? Vai ficar mais difícil para “Green Book – O Guia” e “Nasce Uma Estrela” vencer Melhor Filme. No entanto, olhem só dois dos quatro filmes que foram a exceção à regra e venceram o Oscar mesmo sem a lembrança na categoria de direção: “Conduzindo Miss Daisy” (ao qual ‘Green Book’ tem sido bastante comparado) e “Argo” (dirigido por um galã que parecia favorito, assim como Bradley Cooper). Interessante, né? De qualquer forma, Alfonso Cuarón e seu “Roma” agradecem ao branch de Diretores da Academia – mas não tão rápido, porque o filme mexicano foi esnobado em melhor montagem, categoria considerada chave na previsão do prêmio principal da noite. Xiii…

Time’s Up pra quem?

Depois do #OscarSoWhite, a Academia parece ter aprendido a lição e tem tentado deixar as categorias mais inclusivas (ainda que estejamos bem longe do ideal). No entanto, parece que toda a conversa que o intervalo de tempo entre a vitória de Kathryn Bigelow e a indicação de Greta Gerwig em Melhor Direção entrou por um ouvido e saiu pelo outro, porque esse foi mais um ano sem mulheres indicadas na categoria e sem títulos dirigidos por mulheres em Melhor Filme. Não dava para dizer que estava em falta: Debra Granik foi aclamada pela crítica com “Sem Rastros”, Marielle Heller e seu “Poderia Me Perdoar?” emplacaram indicações para seus atores e uma justa (e atrasada) indicação para Nicole Holofcener em Melhor Roteiro, Lynne Ramsay recebeu elogios com “Você Nunca Esteve Realmente Aqui”, assim como Tamara Jenkins e seu “Mais uma Chance”.

O que isso significa? Verdade seja dita, dos filmes citados acima, talvez apenas o de Marielle Heller tenha recebido uma campanha decente – e olhe lá, porque Melissa McCarthy perigava ser esnobada. Sabemos que investimento dos estúdios é mais que meio caminho andado para uma indicação, então o que se questiona é por que ninguém fez uma campanha grande para “Sem Rastros”, filme que tem a impressionante marca de 100% de críticas positivas no Rotten Tomatoes? Ah, “bom” mesmo é botar dinheiro no filme dirigido pelo Bryan Singer. Tsc…