Mesmo com uma infinidade de títulos presentes em seu catálogo é perfeitamente comum não conseguir encontrar produções realmente “originais” dentro do streaming Netflix. Seja pelas defasagens no algoritmo, limitação de categorias ou constante retirada de títulos, algumas produções acabam se tornando verdadeiros tesouros escondidos em camadas de conteúdo comum e parecido com tantas outras atrações da televisão por assinatura.

Enquanto muitas produções americanas do streaming esbanjam com grande elenco e roteiros nada originais, as produções estrangeiras da plataforma se mostram uma tímida descoberta cada vez mais promissora. Nesse sentido, nem apenas de ‘La Casa de Papel’ é feita esta categoria: claro que o sucesso da produção espanhola foi um grande motivador para os investimentos da Netflix neste mercado, mas a mira do streaming para esse conteúdo vai muito além disso.

Tanto para os filmes quanto para as séries esta é uma categoria que apresenta possibilidades interessantes. Em meio à narrativa seriada, os títulos estrangeiros são muitos e, com nem tanta surpresa assim, se tratam de produções que mantém um alto nível de qualidade apesar dos tímidos orçamentos.

Nesse sentido, séries como a alemã ‘Dark’ e a dinamarquesa ‘The Rain’ são ótimos exemplos. Suas histórias não são totalmente originais: os argumentos são meramente semelhantes a qualquer produção americana, tanto que comparações entre Dark e Stranger Things já foram realizadas inúmeras vezes. Porém, tanto Dark quanto The Rain adotam uma narrativa diferente da qual o grande público está acostumado.

Enquanto a narrativa hollywoodiana entrega exatamente aquilo que queremos e, por vezes, causa frustração no público ao mudar seu ritmo como no episódio 2×07 de Stranger Things, o modo de conduzir os dois seriados estrangeiros citados acima rompem exatamente a expectativa com a qual estamos acostumados. Esse tipo de artifício funciona principalmente nos dois exemplos por tratarem o suspense como grande condutor da história, gênero que brinca exatamente com a expectativa humana quanto ao clímax do enredo.

De forma mais prática, este é o princípio dos jump scares em filmes de terror. Quando vemos a câmera prolongando um ângulo que o personagem não alcança com o olhar, sabemos que um susto vem por aí. Nas séries americanas do streaming, como “Stranger Things”, é isto que acontece, é ali que um demogorgon nos “surpreende”. Já em “Dark” e “The Rain”, a câmera continua vagando juntamente com seu espectador, em busca do suspense prolongado, fator que ocorre em diversas desesperadoras cenas da série alemã, embaladas de uma sonoplastia sugestiva.

No próprio setor brasileiro de séries originais existem méritos consideráveis. As politizadas ‘3%’ e ‘O Mecanismo’ se tornaram, aparentemente, mais atrativas no exterior, apesar do grande apelo que possuem nacionalmente tanto em enredo quanto em adaptações mais pontuais, como a participação de Liniker na segunda temporada de 3%. A mais recente ‘Samantha’ busca correr atrás de um maior contato com o público interno como também promete a futura ‘Coisa Mais Linda’ e até mesmo ‘Sintonia’, ambas com foco no cenário musical brasileiro de diferentes épocas. Os três títulos atuais possuem suas limitações, porém são capazes de competir facilmente com as demais produções estrangeiras e, até mesmo, com as americanas.

Dentro do cenário de produções originais de língua inglesa ou estrangeira, as séries ainda são o grande negócio do streaming, considerando a recepção difícil dos mais recentes longas. Frente às ficções científicas que continuam sendo anunciadas, as produções estrangeiras ‘Não Sou Um Homem Fácil’ e ‘Toc Toc’ aparecem como ótimas escolhas para a renovação do catálogo e no algoritmo Netflix. É ainda mais provável que estas produções internacionais reafirmem seu potencial quando olhamos para as próximas demandas do streaming.

Após ter lançado o longa “Barraca do Beijo”, que além de possuir uma história clichê, também reforça diversos estereótipos para o público adolescente, a nova aposta da Netflix para este público é a série ‘Insatiable’. Em linhas gerais, o trailer da série apresentou um teor problemático e duvidoso, com direito a uma petição pedindo o cancelamento da mesma, tendo como principal acusação estímulos à gordofobia e perpetuação da objetificação feminina.

Em contrapartida, títulos como a série italiana ‘Luna Nera’ e a espanhola ‘Elite’ recrutam nomes consagrados para suas produções. Outro grande exemplo é a produção francesa prevista para 2020 sem sequer título definido que já possui o ator Omar Sy confirmado no elenco. Além das promessas musicais brasileiras, a série ‘O Escolhido’ também impressiona pela composição de sua equipe com Raphael Draccon e Carolina Munhóz, ambos roteiristas premiados.

Apesar de nem todos os investimentos nesta categoria se tratarem de orçamentos de alto padrão, a iniciativa já é um grande avanço para seu público. Considerando a infinidade de títulos que entram no mérito de não estrear no Brasil, não ser transmitido nos cinemas de Manaus, não estar disponível para download, possuir baixa qualidade e/ou falta de legenda, é mais que cômodo encontrar títulos como ‘The Breadwinner’, indicado ao Oscar deste ano que ficou esquecido em muitas salas de cinema do país, com possibilidades de legenda e ótima qualidade para exibição no streaming.

É claro que apesar destas considerações toda regra possui sua exceção, assim nem todos os seriados estrangeiros possuem tal excelência, da mesma forma, muitas séries americanas conseguem apresentar relevância e qualidade. Porém a diferença narrativa e novas possibilidades de histórias, conhecimentos e vivências, tornam a categoria de “filmes estrangeiros” muito promissora para a Netflix em um futuro não tão distante. Ouso dizer que com a popularização dos streamings concorrentes Amazon e Hulu, principalmente no Brasil, a presença de uma categoria aparentemente limitada pode se tornar um dos grandes trunfos para dificultar a ascensão da concorrência e um grande benefício para seu público ávido por novidades.