Ver “Máscara Vermelha” me fez voltar no tempo, mais precisamente, para o Amazonas Film Festival de 2012 quando tive a oportunidade de assistir pela primeira vez “A Última no Tambor”, de Ricardo Manjaro.

Percebia-se ali uma tentativa clara de emular a atmosfera do noir e policial do cinema americano, mas, com uma consciência clara das limitações técnicas e orçamentárias da época. Com uma eficiente direção de fotografia e uma montagem precisa, a sequência final do tiroteio dentro de uma casa, sem dúvida, coroa um ótimo filme e mostra-se como um dos mais criativos momentos da produção amazonense recente.

Voltemos a 2018.

Lançado no último dia 8 de setembro em sessão lotada no Cine Teatro Guarany, “Máscara Vermelha” é o novo projeto da Omni Studios (antiga Lens Filmes), coletivo criado pelo diretor Lucas Simões, em parceria com a Dream House Pictures, de Deborah Haven. O projeto tenta, assim como “A Última no Tambor”, emular Hollywood. O problema aqui é pegar tudo o que o cinema americano tem de pior inserir em uma trama completamente confusa e com problemas técnicos graves.

“Máscara Vermelha” mostra o mundo dividido em dois: a Nova e a Velha Comarca. A primeira é habitada por pessoas ricas e poderosas, enquanto a outra por cidadãos de segunda classe com ficha criminal. A trama começa com o sequestro da esposa e da filha de Ivan (Lucas Rondon), moradores da Velha Comarca. Isso o leva a buscar saber o paradeiro das duas, tornando-se o justiceiro que dá nome ao título do filme. No meio disso, o herói terá que solucionar o sequestro da filha do prefeito pelo terrorista Ciprian (Arthur Bulcão). Para tanto, ele contará com a ajuda da jornalista Kendra Gomes (Mirella Bezerra) e de um super hacker interpretado por Luiz Vitalli.

Na verdade, é isso que dá para entender do confuso roteiro escrito por Lucas Simões. Igual “A Caixa”, de Davi Penafort também produzido pela Lens, vemos uma trama inchada para caber em um média-metragem de 60 minutos quando tudo poderia ser resumido em 15 minutos. Mesmo com esta duração excessiva, “Máscara Vermelha” não consegue desenvolver satisfatoriamente bem a história, apelando para os arquétipos mais primários do gênero das HQs (herói perturbado por motivo familiar em busca de vingança com um vilão querendo implantar o caos).

Além disso, a trama se mostra incapaz de fazer o público entender como funciona, de fato, a dinâmica entre a Nova e a Velha Comarca, pecado mortal para uma produção ambientada em um universo diferente do nosso (aliás, o que dizer do prólogo com imagens obtidas na internet de cidades e problemas sociais/climáticos para ilustrar um voiceover?). Por fim, os diversos personagens coadjuvantes se mostram desnecessários como é o caso, por exemplo, de Nice: a jovem surge com certo destaque para ser descartada cinco minutos depois.

Problema recorrente dos trabalhos da Omni/Lens e da Dream House Pictures, o entendimento entre a transposição do roteiro para o audiovisual mantém-se presente em “Máscara Vermelha”. Frequentemente, há uma verborragia exagerada com os personagens ressaltando aquilo que poderia ser sugerido apenas com imagens. Os dez primeiros minutos do filme, por exemplo, são dedicados, em grande parte, a mostrar como Ivan está mal e busca saber o paradeiro da esposa e da filha.

Ok, é parte essencial da trama, mas, qual o motivo dele ficar repetindo em voiceover as mesmas informações? Será que ele precisa falar que elas eram a única estrutura psicológica dele ou uma comparação esdrúxula das lembranças da vida com um travesseiro?! Não dava para trabalhar isso com uma direção de arte capaz de ilustrar o tormento psicológico através de objetos de cena ou então uma fotografia trabalhando mais sombras?

Além de ser uma forma de tratar o público como bobo por sempre deixar claro o que acontece como se não fôssemos capazes de perceber, este recurso típico das piores produções de Hollywood ainda vem acompanhado de uma trilha sonora óbvia e falas metidas a grandiosas ou apenas estúpidas mesmo. “A Liberdade é ordem, não é caos”, “independência é não depender de ninguém” (jura?!), “o que é jornalismo político?” (pergunta em tom sério do Ivan para Kendra), “justiça é a punição do mal” e “vou estourar fogos de artifício com as cores do teu sangue” são algumas pérolas que colocam os pobres dos atores em situação delicada, afinal, como fazer boas atuações se o material original não ajuda e parece mais pensado para ser colocado em uma folha de papel do que transporto para uma fala?

Somente isso já seria suficiente para tirar o espectador do filme, mas, “Máscara Vermelha” ainda possui MUITOS problemas técnicos. Em um determinado momento, Ciprian encara o público e começa a falar de forma bem séria sobre seus intuitos malignos até que, de repente, a câmera sofre uma leve trepidação e abaixa. Logo em seguida, ela volta à posição. A não ser que seja um novo recurso estilístico narrativo cinematográfico pós-moderno, por que não retiraram o trecho na montagem? Não regravaram? Sério? Sigamos…

Durante a fala de boas-vindas ao público, Lucas Simões ressaltou que “Máscara Vermelha” é um filme amazonense, brasileiro. Ok, pode ser até pelos atores, equipe técnica, o local onde gravado e o idioma, mas, se pudesse, não seria. Isso menos por ser pensado no modelo de Hollywood, mas, em grande parte, à estranha utilização aérea de imagens de cidades americanas para ilustrar onde a história se passa (Boston, Detroit, quem sabe, Gotham City?) e, principalmente, pela cena com o perfil mais amazonense envolvendo o protagonista e uma senhora indignada com a violência exibida em uma matéria de televisão.

A narração da reportagem é feita com a voz semelhante a um locutor de rádio FM amazonense, mas, quando vemos o conteúdo do que está sendo exibido na televisão está lá um ‘BREAKING NEWS’ e ‘LIVE’. A cereja do bolo veio da reação da plateia ao ver e ouvir a atriz (perdão, não lembro o nome dela) falando com o nosso sotaque. O público caiu na gargalhada mesmo com a fala sendo uma lamentação sobre o estado violento em que se encontrava a Velha Comarca. Nada mais simbólico do que esta reação por algo considerado fora da realidade daquele universo de “Máscara Vermelha”.

O som que não casa com a voz dos personagens, o vento abafando as falas dos atores no momento Tarantino, o movimento de câmera indeciso sem saber o que exatamente enquadrar na apresentação do personagem de Vitalli, o desfoque grosseiro e rapidamente consertado em um momento de tensão chegam a ser até erros leves comparados às sequências de luta: ali, “Máscara Vermelha” emula Paul Greengrass e balança a câmera de todos os jeitos possíveis para “criar tensão”. Detalhe: não vemos absolutamente NADA, afinal, os personagens são colocados na escuridão completa propositalmente na “mise-en-scène”, sobrando ver uns vultos de braços indo para direita e esquerda e a sonoplastia de ‘ahhh’, ‘ohhhhh’.

Daí, retorno ao início do texto. A tentativa de emular Hollywood chega a ser quase inevitável para muitos realizadores iniciantes, pois, não acredito sinceramente que alguém comece gostando de cinema já com Bergman, Truffaut, Godard, Antonioni, Glauber, Eisenstein ou Welles. A porta de entrada é quase sempre o cinema americano e seus blockbusters. Também não vejo pecado em gente que queira fazer filmes mais nesta linha no Brasil, na Europa, México, Guatemala, Japão ou Brunei.

Agora, é preciso conhecer as limitações presentes em cada cenário e saber como superá-las. O cinema nacional mostra a cada ano capacidade sim de entregar grandes obras dos mais diversos gêneros sem possuir os robustos orçamentos de Hollywood. “As Boas Maneiras” e “O Animal Cordial” não devem em nada dentro do terror e o excelente curta carioca “Chico” é uma ficção futurista de primeira linha feita de uma maneira elegante e com um discurso social perfeito para o momento em que vivemos.

Usar a “justificativa” de que o ‘orçamento é baixo’, ‘são muitas dificuldades’, ‘cinema de guerrilha’ para erros grosseiros como estes citados acima e muitos outros que deixei de fora desta crítica são apenas meras desculpas para não encarar os desafios da profissão. Temo, de verdade, que o público saia achando que é isso o que o cinema amazonense tem a oferecer.

Caminhos não faltam para superar: assistir filmes (longas, médias, curtas, de Hollywood, do Brasil, europeus, africanos, etc), conversas com profissionais da área mais experientes, leitura, participar de produções maiores apenas para aprender, faculdades de cinema ou cursos de curta duração, estudar editais de financiamento público…

PS: no fim da sessão, o diretor de “Máscara Vermelha”, Lucas Simões falou à plateia e pediu uma maior união da classe do audiovisual ainda repleta de briguinhas que não levam à lugar nenhum, segundo ele. Teve gente que aplaudiu entusiasmada. Ouço este mesmíssimo comentário faz tempo de diretores, produtores, atores, pesquisadores e críticos locais sejam iniciantes ou profissionais de renome.

Na boa, eita papo chato!

Já participei três vezes da organização da quase finada Mostra do Cinema Amazonense e uma vez como jurado do Festival Olhar do Norte. Em todas elas (ênfase: EM TODAS ELAS), a grande parte dos realizadores, atores, produtores e pesquisadores locais só comparece quando o filme dele ou do amigo está passando (sim, o Cine Set não passa ileso nesta não). Já vi casos em que o sujeito foi e saiu assim que a obra dele acabou, desconsiderando todo o restante da programação.

Lembra muito o caso do jogador de futebol que só gosta de jogar, mas, não gosta de ver.

Querem mudar isso?

Simples: compareçam nas sessões dos coleguinhas, assistam os filmes dos coleguinhas, chamem os coleguinhas para conversar, trocar ideias, trabalhar juntos mesmo que seja apenas para ganhar experiências.

Sem esperar nada em troca.

Não estão dispostos? Tudo bem também.

Só não usem mais este discurso. #please