Já faz tempo que a franquia Missão Impossível merece ser relacionada entre as melhores do gênero ação. Gênero que, infelizmente, ainda não tem o respeito devido por parte da crítica e do público – me lembro de escutar e ler na época, e mesmo ainda hoje de vez em quando, que Mad Max: Estrada da Fúria (2015) não é tudo isso porque é “apenas um filme de ação”.

Comentários como esse visam denegrir um filme que, sim, possui uma história simples – e desde quando simples virou sinônimo de ruim? – mas rico em simbolismos, interpretações e, acima de tudo, força imagética. Cinema é imagem em movimento junto com som, pessoal, e Estrada da Fúria é muito mais cinema e melhor que todos os vencedores do Oscar de Melhor Filme desta década, até agora.

Claro, existem muitos filmes de ação ruins. Mas o mesmo se pode dizer de todos os gêneros – existem muitos dramas ruins, comédias ruins, filmes de fantasia ruins… Pelo simples e óbvio motivo de que é muito mais fácil fazer um filme ruim do que um bom, em qualquer gênero. O ponto é que, nas mãos de cineastas de talento ou mestres do cinema – suspeito que nomes como Buster Keaton, Alfred Hitchcock ou Steven Spielberg teriam algo a dizer para os detratores do gênero – este tipo de cinema pode render momentos inesquecíveis nas telas. E alguns dos mais inesquecíveis nas últimas duas décadas vieram da franquia do Ethan Hunt, aquele agente da IMF que usa máscaras, invade locais considerados inexpugnáveis e luta, pula e corre – muito – para salvar o mundo.

Dito isso, pediram aqui para comparar a franquia Missão Impossível com as outras grandes do subgênero espionagem, notadamente a do assassino desmemoriado Jason Bourne vivido por Matt Damon, e… aquela que praticamente iniciou tudo, a do agente James Bond 007, a serviço de Sua Majestade, que já foi vivido por seis caras diferentes. Então, vamos lá…

Hunt vs. Bourne

Bem, aqui começo a falar mal de uma vaca sagrada, porque confesso: já gostei mais da franquia Bourne. Talvez eu seja das antigas, mas com o tempo, quando vejo um filme de ação, passei a gostar de poder VER a minha cena de ação, a minha perseguição, a minha cena de luta. Passei a valorizar mais uma coreografia ou um momento criado para a câmera, e tenho a mesma sensação ao ver musicais. Admiro o cineasta Paul Greengrass, e a sua estética “câmera tremida + cortes rápidos” se encaixa como uma luva em seus dramas “quase-documentários”, como Domingo Sangrento (2002), Voo United 93 (2006) e Capitão Phillips (2013). Mas em Bourne, algo mais situado dentro de uma estrutura de thriller… Aí já começo a ter problemas.

Sem contar que essa estética se proliferou como praga no gênero. Vamos falar a verdade: criar uma grande cena de luta ou uma proeza incrível dá trabalho, custa tempo e dinheiro e, às vezes, é até perigoso. Por isso, tantos diretores fracos e/ou preguiçosos recorrem a ela na hora de filmar suas cenas de ação – afinal, a franquia Bourne foi muito influente no gênero. É graças a essa estética que o Liam Neeson, por exemplo, virou astro de ação e milionário aos 60 anos: porque nunca o vimos dar um soco direito em alguém num dos filmes Busca Implacável.

Greengrass não pode realmente ser responsabilizado pelos imitadores, e há uma justificativa narrativa para essa estética nos filmes Bourne, afinal, o protagonista precisa estar sempre em movimento, apenas um passo à frente dos seus perseguidores… Mas, por outro lado, Greengrass tem culpa de não ter atualizado ou refinado seu estilo com o mediano Jason Bourne (2016), o mais recente da cinessérie que, além de desnecessário, trazia apenas mais do mesmo.

Eu prefiro ver uma façanha incrível sem muitos cortes, acontecendo em frente à câmera e com o ator, ou ao menos um dublê, suando a camisa para fazer a cena. Isso, a franquia Missão Impossível tem de sobra. A do Bourne também tem, mas… Não dava para a câmera tremer um pouco menos? Aliás, se a saga de Jason Bourne vai prosseguir – afinal, o ultimo filme, mesmo sendo apenas razoável, arrecadou uma boa grana nas bilheterias – eu gostaria de ver, mesmo sabendo que isso é muito improvável, o retorno do diretor Doug Liman, que comandou o longa original A Identidade Bourne (2002). Preferia vê-lo retornar à franquia e tentar algo novo do que a volta do Greengrass, afinal o seu último esforço demonstra que ele já parece não ter mais nada a dizer com esses filmes.

VENCEDOR: Ethan Hunt

Hunt vs. Bond

De certa forma, o espírito daqueles primeiros filmes do agente 007 está mais vivo hoje na franquia Missão Impossível do que na do próprio James Bond. Na era Daniel Craig, a franquia 007 se mostrou a mais corajosa do cinemão comercial, se reinventando e abandonando com gosto alguns dos seus famosos clichês – algo bem-vindo e até necessário para uma instituição do cinema de mais de 50 anos de idade. Por isso, os últimos filmes de Bond abraçaram um pouco de densidade psicológica aliada à ação, deixando a correria, o espírito leve e descompromissado e os gadgets, aqueles aparelhinhos fantásticos de espião, para outras produções de espionagem. Tom Cruise pegou a deixa e se aproveitou.

Qual tipo de produção é melhor? Aí fica a cargo do gosto do freguês: há quem prefira a leveza e uma mera diversão ágil; há quem prefira isso aliado à densidade psicológica. Mas os defensores desta última tendência têm que concordar que ser denso e diferente não é garantia de qualidade: ora, 007: Quantum of Solace (2008) tentou fazer isso, porém devido a uma série de problemas, acabou sendo o pior da era Daniel Craig.

Mas basta olharmos para o seu predecessor para percebermos como Bond ainda é o rei desses filmes. Desculpe, Hunt, mas nenhum filme Missão Impossível até agora – no momento de escrita deste artigo ainda não vi Efeito Fallout, o mais recente da franquia – chegou perto de 007: Cassino Royale (2006), o melhor filme de Bond em todos os tempos: além de um espetáculo de ação poderoso, o filme foi também uma grande adaptação do livro de Ian Fleming que iniciou toda a mitologia de 007 e uma incrivelmente bem sucedida exploração psicológica do maior herói do cinema, algo que nunca havíamos visto até então.

E embora Bond tenha uma vida longa de altos e baixos no cinema, é preciso lembrar de que só existe Missão Impossível por causa da série de TV original dos anos 1960, que veio no rastro da bondmania.

VENCEDOR: James Bond

Uma última coisa: Hunt vs. a autoralidade no cinema

Comecei este artigo falando de alguns grandes nomes que dirigiram cenas e filmes de ação. E a franquia Missão Impossível começou com pretensões autorais: os dois primeiros filmes são claramente obras dos seus grandes diretores, Brian De Palma e John Woo. Então, a partir do terceiro, algo curioso ocorreu: Tom Cruise, também produtor da franquia, passou a trabalhar com diretores com pouca experiência e sem visão autoral. Apesar de fazer filmes divertidos, não existe cineasta mais genérico que J. J. Abrams, diretor do terceiro longa; e Brad Bird, diretor do quarto, comandou ali seu primeiro filme live-action, com atores – ele antes só havia dirigido animações. E Christopher McQuarrie, diretor do quinto e sexto Missão Impossível, era mais conhecido como roteirista e só havia dirigido dois longas antes de se aventurar na franquia – um deles também foi com Cruise, o bom Jack Reacher: O Último Tiro (2012).

Com todo o respeito a De Palma e Woo, os melhores filmes são os dois últimos, e não os dois primeiros.

Cinéfilos são educados desde cedo a valorizar a questão autoral no cinema: o diretor é o mais importante, a sua visão deve sempre ter primazia e ser respeitada. Isso não se discute, mas… Cada caso é um caso, não é mesmo? Filmes são trabalhos de equipe e, às vezes, o destaque dado ao diretor se mostra exagerado e até desrespeitoso com os muitos profissionais que trabalham numa produção. Orson Welles já dizia isso, e era um cara que podia se gabar de ter feito o melhor filme de todos os tempos. Veja a fala dele neste vídeo, a partir de 7:09 minutos:

Então… Cada vez mais fica claro que o verdadeiro autor dentro da saga Missão Impossível é Tom Cruise, e enquanto ele estiver disposto a correr e fazer coisas malucas para a nossa diversão, então que a franquia continue. Às vezes,o autor de um filme não está atrás das câmeras, e as façanhas de Ethan Hunt têm sido tão incríveis que colocam sob reflexão até alguns velhos dogmas do cinema.

Então, pessoal, vamos respeitar um pouquinho mais o gênero de ação, ou pelo menos não desprezá-lo assim tão de imediato… Sejam esses filmes de autores ou não.