A mudança na Secretaria de Estado de Cultura do Amazonas anunciada pelo novo governador, Amazonino Mendes, pegou de surpresa muita gente. Tudo isso pela saída de Robério Braga após 20 anos à frente do comando da pasta. Agora, o cargo de secretário de cultura será do guitarrista da banda Tucumanus e idealizador do Pirão AM, Denilson Novo.

O Cine Set consultou representantes do audiovisual amazonense para saber a opinião deles quanto a duas questões: uma avaliação sobre o trabalho de Robério Braga ao longo dos últimos 20 anos e quais os principais desafios a serem encarados por Denilson Novo nesta nova gestão.

Confira as respostas:

Aldemar Matias – diretor dos curtas “Parente”, “El Enemigo” e “When I Get Home”

1) Qual a sua avaliação da gestão do Robério Braga ao longo dos últimos 20 anos?

“É muito difícil uma gestão de 20 anos se manter atualizada. Essa não foi uma exceção. Posso falar pelas políticas de cinema, que acompanhei de perto. Fui beneficiado em vários momentos, mas não posso negar que o projeto estagnou. Não acompanhou os avanços das políticas públicas para o cinema em nível federal dos últimos 12 anos, que colocaram o Brasil como exemplo de indústria de audiovisual. Ficamos cegos obcecados com um festival de cinema e não formamos uma indústria de verdade. Não criamos uma engrenagem sustentável de produção”.

2) O que você acha que precisa mudar na SEC agora com o Denilson Novo?

O Denilson Novo eu conheço bem. É meu amigo. É um profissional dedicado, inteligente, interessado em realmente produzir algo relevante. Espero que ele não seja instrumentalizado por esse governo como “a cara jovem” e que, de fato, tenha liberdade para atuar e colocar as ideias dele em prática. Certeza que ele tem muitas”.

emerson medina cinema amazonenseEmerson Medina – roteirista de “Et Set Era” e diretor de “Nascer, Crescer, Negar”

1) Qual a sua avaliação da gestão do Robério Braga ao longo dos últimos 20 anos?

“Deixou a marca dele. Deixou festivais que se perpetuaram como o de ópera. Conseguiu manter a máquina apesar dos cortes. Infelizmente, nas últimas administrações não conseguiu manter editais robustos para o audiovisual e viu o AFF ser arquivado”.

2) O que você acha que precisa mudar na SEC agora com o Denilson Novo?

Preferiu não responder.

Gustavo Soranz ministra oficina de Estratégias Criativas na Produção de DocumentárioGustavo Soranz – coordenador da pesquisa “Filmografia amazonense – análise dos filmes produzidos no Amazonas de 1960 a 1990″

1) Qual a sua avaliação da gestão do Robério Braga ao longo dos últimos 20 anos?

“É importante notar que a SEC, tal como conhecemos, é uma secretaria administrada desde seu início por Robério Braga. Ela só vai se constituir efetivamente como secretaria autônoma em 2003, depois de ser compartilhada com turismo ou educação por alguns anos. Sendo assim, toda sua estrutura organizacional e sua política de trabalho é resultado de uma gestão desenvolvida e consolidada durante os últimos 20 anos tendo Robério à frente como secretário.  Então, vejo que uma conquista importante é a cultura ter alcançado protagonismo nesse período, o que permitiu que houvesse diversas conquistas, como a instalação de corpos artísticos diversos, departamentos especializados – como a Amazonas Film Comission – e a realização de festivais importantes em diferentes áreas. Evidentemente há erros e acertos. A meu ver, foi uma gestão marcada pela realização de eventos, muito mais do que uma secretaria que induziu ou fomentou a produção artística e cultural. Esse projeto tem enfrentado dificuldades nos últimos anos devido à crise financeira pela qual passa o país e o estado e, ao fim, não temos como resultado uma política pública sólida para as artes e a cultura, o que seria desejável. Não temos lei de incentivo à cultura em nível estadual e os editais são esporádicos e não avançaram como seria possível”.

2) O que você acha que precisa mudar na SEC agora com o Denilson Novo?

A longa duração da gestão de Robério Braga à frente da SEC criou essa expectativa pela sucessão. A renovação com o Denilson Novo é uma resposta interessante do governador a essas demandas. Um aspecto muito positivo é que o Denilson vem do campo da produção cultural, é um artista com engajamento importante com a produção artística independente. Entretanto, o mandato curto desse atual governo coloca em dúvidas o que será realmente possível de ser realizado pelo novo secretário nesse período tendo diante de si uma estrutura já bem azeitada para um certo modelo de produção. As mudanças desejáveis na política cultural do estado, como o cumprimento do papel de indutor e fomentador da atividade cultural parece um projeto a ser desenvolvido mais a médio prazo, não acredito que seja possível em um período tão curto. Do ponto de vista da atividade audiovisual, se ele conseguir desembaraçar o edital de arranjos regionais com a Ancine, uma oportunidade histórica que estamos perdendo e algo capital para nossa atividade no estado, já será algo muito importante.

Liliane Maia – representante do audiovisual no Conselho de Cultura Municipal

1) Qual a sua avaliação da gestão do Robério Braga ao longo dos últimos 20 anos?

Considero que o audiovisual conseguiu avanços importantes durante a gestão do secretário Robério Braga. Mesmo com a interrupção do Amazonas Fim Festival, não se pode desconsiderar os dez anos de realização do Festival com a presença de nomes importantes da área e a realização de dezenas de oficinas. Não podemos esquecer, ainda, a implantação da Amazonas Fim Comission, que deu início a todo esse processo, atraindo produções para o Estado e divulgando o Amazonas nacional e internacionalmente, abrindo caminho para o Festival e outras ações na área do audiovisual, inclusive incentivando/financiando profissionais de Manaus na realização de cursos na área, como na EICTV, em Los Baños (Cuba).

Infelizmente nos últimos dois anos, em função do contingenciamento no orçamento, pouco se conseguiu fazer na área. Até mesmo o Edital do “Brasil de Todas Telas” em parceria com a Ancine/FSA no valor de R$ 3 milhões, sendo R$ 1 milhão do governo do Estado, não conseguiu sair do papel.

2) O que você acha que precisa mudar na SEC agora com o Denilson Novo?

Acredito que o novo secretário de cultura não terá muito tempo para implantar um novo projeto cultural no Estado. Mas falando especificamente para o audiovisual, se Denilson Novo conseguir liberar esse recurso junto à Sefaz e garantir a contrapartida de R$ 2 milhões que havia sido liberada pela Ancine, já é um bom começo. É um grande desafio a ser superado.  Talvez consiga até mesmo lançar uma segunda edição do “Brasil de Todas as Telas”. Eu, particularmente, estou na torcida e desejo sorte e sucesso para o Denilson, principalmente na escolha das pessoas que o ajudarão na área de gestão da SEC durante sua gestão.

 


Rafael Ramos – diretor dos curtas “A Segunda Balada”, “A Menina do Guarda-Chuva” e “Aquela Estrada”

1) Qual a sua avaliação da gestão do Robério Braga ao longo dos últimos 20 anos?

Vi o trabalho do secretário muito pautado para grandes eventos como o Festival de Ópera, Jazz, o finado Amazonas Film Festival, concerto de natal, etc. Foi bem proveitoso para o público manauara, que teve acesso a coisas muito boas. Lembro uma vez lendo na Bravo um guia de eventos que citava o Festival de Jazz com destaque, ressaltando a qualidade do evento, participação de músicos importantes do cenário internacional e tal. Esse destaque era fruto claro da dinâmica da cultura, do estado de pensar arte como algo vindo de fora para dentro. Para o público e a repercussão dos eventos era ótimo, mas, em contrapartida, era péssimo para o artista local que nesse cenário era totalmente subvalorizado. Esses megas eventos sedimentaram na população a ideia tacanha de que as coisas de fora são melhores. É sintomático isso, a gente tem muita dificuldade de ter público nos eventos de artistas locais seja para ver uma peça, um filme, ou show musical. Acho que o pior legado da secretaria foi reproduzir esse pensamento exteriorizado das coisas.

2) O que você acha que precisa mudar na SEC agora com o Denilson Novo?

O principal trabalho do novo secretário acredito que seja criar uma comunicação horizontal com todas as classes artísticas, ouvir e discutir políticas culturais com classe, etc… valorizar os artistas locais, que como falei deixou muito a desejar na gestão do Rogério. Acho que esse é um bom ponto de partida. Para além disso, acredito que seja muito importante uma política cultural que valorize os movimentos periféricos.

 

Zeudi Souza, diretor audiovisual amazonenseZeudi Souza – diretor dos curtas “Perdido” e “Vivaldão – Colosso do Norte”

1) Qual a sua avaliação da gestão do Robério Braga ao longo dos últimos 20 anos?

O Robério Braga, sem sombra de dúvidas, foi um divisor de águas da Cultura no Amazonas, apesar das duras críticas sobre sua gestão. Nesses mais de 20 anos, vimos florescer diversas vertentes artísticas e culturais, seja através dos corpos artísticos, a criação do festival de ópera, festival de dança, editais de fomentos, intercâmbios promovidos pela SEC, parceria para criação de cursos de artes e, sobretudo, a criação do Festival de Cinema que durou 13 anos. O evento marcou e oportunizou diversos cineastas na cena local e nacional. Robério deixa um legado, que devemos sentar enquanto artistas e pensar a continuidade desse legado. De um modo geral, o que ele fez na Cultura dá um suspiro, que a pouco tempo vem sufocando, talvez pelo longo período que permaneceu, ou pelos governos que demandam outras prioridades.

2) O que você acha que precisa mudar na SEC agora com o Denilson Novo?

Denilson Novo é um cara despojado que está inserido na cena cultural do Estado. Creio que o diálogo, nesse primeiro momento, talvez, seja mais importante do que as mudanças. Claro que elas devam acontecer, mas pensando holisticamente com os artistas, se de um lado temos um cara NOVO cheio de visões e que está do lado daqui, temos que ver como vai se comportar o NOVO secretario do lado de lá, onde existem as burocracias, que nem sempre dialogam com as necessidades dos artistas. Mas, eu enquanto artista que está inserido em um nicho de produção cultural, gostaria muito que o novo secretário trouxesse de volta o Amazonas Film Festival. Talvez essa mudança seja a que mais me anseia, no tocante ao que existe, uma mudança necessária é a criação ou continuidade de editais de fomento continuo, para que nossos artistas vislumbrem a criação de suas obras.