Se uma boa mentira depende de bons detalhes, em The Sinner, nova série da Netflix, um assassinato também se revela a partir de suas sutilezas. A história apresenta Cora Tannetti (Jessica Biel), esposa de Mason Tanetti (Christopher Abbott), que em um dia normal com sua família, ataca um homem, matando-o sem motivo aparente. Após ser fichada pela polícia, a assassina se culpa pelo crime e não tem intenções de recorrer ao caso. Cabe então ao detetive Harry Ambrose (Bill Pullman) descobrir suas motivações, conhecendo também muito sobre sua vida de Cora.

Mesmo apresentando um enredo simples e roteiro nem tão surpreendente, a série busca seu lugar em meio a tantas outras que utilizam a mesma temática (“How to get away with a murder” e “Alias Grace”, por exemplo). Para isso, faz uso de minuciosos recursos para ressaltar os fatos que justificam este assassinato. Nesta série, não há dúvidas sobre quem cometeu o crime, a investigação se propõe a descobrir o real significado do crime, o qual nem mesmo Cora se recorda.


Grandes personagens, pequenas detalhes

Um dos artifícios de grande importância adotados é a presença de personagens bem desenvolvidos. Sua montagem inclui cenas que, previamente, parecem aleatórias, mas que se tornam importantes conexões com cada um e até mesmo com o crime estudado.

Para retratar o vazio das memórias de Cora, a primeira cena mostra a personagem nadando sozinha, em um lugar que aparentemente não ter fim. Este tipo de ambientação volta a se repetir na série, como uma forma de escape, significando também fluidez e mudança de vida, de personalidade. Isto corrobora com momentos antes do crime em que Cora se mostra insatisfeita com a vida que tem ao lado do marido e do filho, sempre em busca de uma mudança na rotina.

A medida em que Cora é questionada sobre sua vida e o que poderia ter motivado a violência contra a vítima, imagens e lembranças sonoras vão surgindo como destaque. A música que tocava durante o assassinato, sinos, o papel de parede de um quarto e até mesmo marcas físicas surgem como peças de um quebra-cabeça sobre si mesma. Aos poucos a série revela a importância desses detalhes no trauma sofrido por Cora, relacionando-se com o crime em questão.

Para conseguir decifrar esta grande incógnita, o detetive Ambrose surge como o clichê do único policial no qual Cora pode confiar. Mesmo não aparentando originalidade, este personagem consegue ser um elemento surpresa dentro da trama, sua vida até então normal com problemas de relacionamento na família é explorada à medida em que conhecemos as particularidades em sua personalidade, uma contravenção entre suas necessidades e desejos.

A exemplo destes dois personagens principais e dos coadjuvantes, a trama explora as nuances da mente humana. Entre fragmentos e memórias esquecidas, Cora revela fatos que não sabia sobre si e sobre outras pessoas. Apesar de simples, as motivações de cada um apresentam muito sobre suas respectivas personalidade e participação dentro do ocorrido. A própria Cora descobre ser resultado de diferentes processos sociais, que podem ter sido tão traumatizantes a ponto de se tornarem reprimidos durante muito tempo.

Problemas

Mantendo um ritmo constante de suspense e de interesse na maior parte de seus oito episódios, a série apresenta problemas no desfecho. Os dois capítulos finais, que deveriam ser o ápice da história, o grande plot twist, se tornam decepcionantes em comparação ao que a série propõe anteriormente.

Em um mundo onde tantas atrocidades são cometidas diariamente, o espectador se prepara para ver na ficção acontecimentos correlatos. Todos elementos do roteiro propõem que a personagem principal tenha passado por traumas terríveis, o que realmente acontece, porém, a justificativa para estes ocorridos, para tanto sofrimento, se torna banal visto o potencial que a série apresenta em seu início.

Em meio a séries que já possuem espectadores cativos e que, muitas vezes, pecam por exagerar na busca de surpreender seu público, The Sinner apresenta um final com narrativa congruente. Porém, a série comete erros ao propor que apenas chamar a atenção do público é suficiente para seu sucesso, apresentando um conteúdo que não consegue corresponder ao nível de curiosidade alcançado.