Sem dúvida, o ano mais marcante da década de 80 foi 1985. Neste período, o cinema de terror presenciou trabalhos tão divertidos como de boa qualidade: A Volta dos Mortos-Vivos, de Dan O’Bannon, A Hora do Espanto, de Tom Holland, A Coisa, de Larry Cohen e Demons, de Lamberto Bava, todos misturavam com maestria terror e humor nos seus enredos. Só que nenhum deles executou a fórmula com tanta perfeição como Re-Animator – A Hora dos Mortos-Vivos, filme de estreia de Stuart Gordon no cinema e que é o homenageado desta semana no Especial Horror do Cine Set, pelo seu trigésimo aniversário.

Na verdade, Re-Animator é uma preciosidade do horror oitentista. Se pararmos e analisarmos, perceberemos que é uma obra peculiar. Não há qualquer indício de um horror clássico nas suas entrelinhas que direcione para o implícito ou sugerido. O interesse é apenas pelo visual e grotesco e não é à toa que, em menos de 90 minutos, Re-Animator ofereça violência e escatologia, até porque o cinema de Gordon é feito para aqueles que têm estômago forte. Em outras palavras, é uma força primitiva e feroz que desperta o sentimento de total diversão para quem assiste.

Inspirado levemente no conto de H.P. Lovecraft, acompanhamos o sinistro Dr. Herbert West (Jeffrey Combs, parceiro habitual do diretor), responsável por uma fórmula de líquido verde (a que dá o título ao filme) que ressuscita os mortos à vida. Depois de ser expulso de uma universidade europeia em decorrência da morte do seu mentor, Dr. Gruber, pelo uso da fórmula – é a cena pré-crédito do filme, na qual Gordon já mostra a intensidade do seu trabalho em uma sequência que os olhos explodem – West vai parar em uma universidade americana onde conhece o ingênuo Dan Cain (Bruce Abbot) e ambos dividem um apartamento. Dan namora a filha do reitor da faculdade, Megan (a linda Barbara Crampton). Enquanto isso, West se desentende com o principal professor da universidade, Dr. Carl Hill (o ótimo David Gale, falecido em 1991), a quem acusa de plagiar as ideias do Dr. Gruber. Logo West vai induzir Dan a participar dos seus experimentos malucos com o uso da fórmula.

Re-Animator – A Hora dos Mortos-Vivos consolidou um subgênero conhecido como Splatter, produções que exageravam no sarcasmo e na violência excessiva com direito a mutilações e vísceras, onde geralmente a escatologia comanda as ações.  Evil Dead – A Morte do Demônio (1981), de Sam Raimi, foi o precursor deste tipo de subgênero, que teve outros representantes, como A Volta dos Mortos-Vivos, Frankenhooker, de Frank Henenlotter, e Fome Animal, de Peter Jackson.

É um trabalho que diverte mais do que propriamente assuste, até porque Gordon utiliza uma mistura de terror com ironia que, de tão escrachado, provoca o riso nervoso devido aos excessos e exageros da violência gráfica. Apesar de ser considerado trash pela grande maioria do público, Re-Animator passa longe disso, principalmente pela boa qualidade da produção, mesmo com seu orçamento financeiro modesto. Quem dera que todos os filmes trash tivessem um clima de mistério e suspense envolventes como é o caso deste trabalho.

Outra qualidade do filme é como ele é exímio em contar sua história e associá-la aos momentos escatológicos. Gordon alterna na elaboração do suspense – muitas vezes pautado no mistério – com as cenas de carnificina pesada. O humor é enxertado nos momentos certos, principalmente quando provoca o sarcasmo e a diversão (grande parte dele acontece nas cenas que envolvem o Dr. Hill e sua cabeça), enquanto no terror mais puro e assustador, o humor é quase ausente. Esse tipo de narrativa é anárquico por natureza, até pelo modo como apresenta gradativamente as situações: começa em um ritmo intenso na sequência pré-credito, alterna entre o suspense e o romance quando desenvolve a relação de Dan com Megan e dele com West, para então investir em cenas fortes, na qual a experiência de ambos com o primeiro cadáver reanimado no necrotério se destaca e proporciona o momento mais tenso e visceral.

Sem contar a carnificina final, onde os exageros se multiplicam e a violência, o sangue e a escatologia são ingredientes muito bem lapidados no humor demente oferecido pelo filme. Tem momentos clássicos como a bizarra cena de “estupro”, onde a cabeça decepada de um personagem realiza sexo oral em uma garota que se encontra indefesa e amarrada a uma mesa. É uma cena tão grotesca, mas filmada de forma cínica e engraçada pelo diretor, cujo efeito imediato é provocar o espectador.

O texto lovecrafitiano nas mãos do roteirista Dennis Paoli atualiza o Dr. Frankenstein do conto de Mary Shelley para modernidade. Não é à toa que West verbaliza as palavras do referido cientista logo nas primeiras cenas “Não matei! Eu lhe dei a vida!”. A essência clássica e gótica do romance de Lovecraft é também retirada para dar espaço ao clima mórbido que flerta abertamente com a necrofilia. Neste ponto é curioso observar no filme que o contraste entre vida e morte se alterna: o caminho para morte é visualizado como uma obsessão para transcender a vida. Para os personagens, a vida não tem qualquer apreço e a morte é o fascínio que os move na busca por corpos deformados e purulentos, um desejo “canibalístico” para superá-la e atingir a vida eterna. Por isso, Re-Animator é “romântico” no sentido mais necrófilo possível, até pela dificuldade do ser humano em aceitar a morte como algo natural, de desapegar daqueles que amamos – o que reflete na bela cena final entre Dan e Megan.

O trabalho também marcou a primeira parceria de Gordon com o roteirista Paoli e o produtor Brian Yuzna, que depois adaptariam outros trabalhos do escritor para o cinema, como Do Além (1986), Castelo Maldito (1995) e Dagon (2001), sendo que os dois primeiros contaram ainda com a dupla Combs e Crampton. Gerou duas continuações, é claro, longe da originalidade deste aqui: A Noiva de Re-Animator e Re-Animator – Fase Terminal, ambos dirigidos por Yuzna, sendo o segundo bem bizarro e o terceiro o mais fraco da trilogia.

Vale ressaltar que o filme continua dinâmico, principalmente pelos ótimos efeitos especiais de John Carl Buechler (que dirigiu Sexta-feira 13 – Parte 7), além da deliciosa e macabra trilha sonora de Richard Band, muito bem empregada na cena de créditos e que pode ser considerada uma homenagem ou cópia descarada da trilha de Bernard Hermann para Psicose. E tanto Combs quanto Gale carregam as atuações com a sordidez e demência necessárias no filme.

Re-Animator é cinema anárquico e cínico de primeira, do tipo que você só encontrará em obras realizadas na década de 80. O fascínio pela morte ganha ares românticos nesta adaptação de H.P. Lovecraft. É difícil nos dias atuais conservadores encontrar filmes deste naipe, até mesmo porque nenhum diretor até hoje teve a coragem ou a ousadia de Stuart Gordon para trabalhar ou insinuar temas tão ordinários como dedos arrancados, olhos que explodem, cabeças cortadas que falam, cérebro exposto, estupro e necrofilia com humanos e animais. São tantas atrocidades insanas poucas vezes vistas no cinema.

* Texto original alterado para substituir a equivocada expressão humor negro.