Durante uma entrevista, o consagrado diretor de teatro, Peter Brook, respondeu qual era o motivo em montar um determinado texto que em nada condizia com as ideias e os temas que abordava até então em sua carreira de sucesso. A resposta, incômoda aos analistas de sua obra e supostamente de toda a sua coerência artística, foi lacônica: era o obscuro pressentimento. Nada mais místico, mas não menos verdadeiro.

Quando o desejo de realizar um filme bate à porta em nossa mente, não necessariamente vem acompanhado de uma ideia consistente que pode tornar esse desejo numa vontade real que possibilite a produção da obra. Apenas a intuição de que chegou a hora de fazer um filme não basta.

Normalmente, algumas ideias que surgem para a elaboração de um argumento no início do processo criativo cinematográfico acabam se revelando completamente inviáveis e são rapidamente descartadas. Pode acontecer daquela ideia inicial se transformar em outra ideia adaptada a um contexto mais realista envolvendo o orçamento e a tecnologia disponíveis para a realização do filme.

Uma ideia pode ser também toda a essência de um filme.

De certa forma, o cinema acaba sendo um espelho de diversos aspectos da vida e a consolidação de uma ideia acaba sendo o resultado de uma colaboração vinda de diálogos com várias pessoas, que podem ser amigos, profissionais do audiovisual, familiares, professores e, até mesmo, de pessoas que não seriam simpáticas à ideia colocada em questão.

Nem sempre uma ideia é o início do caminho para a elaboração do argumento e, posteriormente, a construção do roteiro. Uma ideia pode ser também toda a essência de um filme.

Em 1917, o artista plástico Marcel Duchamp (1887-1968) foi a um mercado, comprou um urinol e colocou-o numa exposição. Simplesmente pegou um objeto e promoveu-o ao status de arte. Duchamp queria libertar a pintura da representação da realidade e valorizar mais a ideia por detrás da obra do que o produto acabado em si. Germinava a semente da arte conceitual.

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Alguns cineastas mergulharam nesse conceito e foram bem sucedidos, como Stan Brakhage e Jonas Mekas. Eram artistas que conseguiam arrebatar todo o poder de uma ideia com a intenção de provocar um despertar de sensações no espectador.

Quando a ideia torna-se o pontapé inicial para um futuro roteiro de um filme com a modelagem mais convencional temos um processo diferente que envolve o desenvolvimento estrutural da história sendo totalmente voltado para a compreensão praticamente absoluta do espectador.

Talvez o mais difícil, e quase impossível, é estabelecer um método para a obtenção de uma ideia que seja criativa, original, inovadora e que possa ser desenvolvida plenamente para a criação de um roteiro cinematográfico.

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Mas existem algumas sugestões para que essa ideia brilhante apareça como uma sublime inspiração. A recomendação mais comum para cineastas iniciantes é procurar algum elemento interessante dentro da própria vivência, alguma história familiar que seja peculiar, um personagem com um comportamento pouco usual. Federico Fellini e François Truffaut dedicaram boa parte do conteúdo de seus filmes tendo como base as suas próprias histórias pessoais.

Uma ideia pode bater de várias formas, como quando captamos uma frase, um diálogo ou uma história ao acaso, lendo uma notícia de jornal, uma revista ou um livro, assistindo um filme ou um programa de TV, escutando uma música, durante uma pesquisa na internet ou mesmo procurando quais seriam as tendências do mercado audiovisual atual. Ou seja, dependendo da capacidade de observação e de absorção de cada um, essa bagagem cultural adquirida oferece mais chances de que você seja contemplado com uma ideia genial. Acredito que para conseguir pensar em grandes ideias no mínimo é preciso ser curioso.

A criatividade extraordinária do filme não cai do céu

Quando Orson Welles (1915–1985) foi convidado para dirigir “Cidadão Kane” (1941) com liberdade plena de criação, mesmo sendo uma personalidade famosa no teatro, teve a humildade de se enfurnar na Cinemateca de Nova York durante algumas semanas e assistir o máximo possível de filmes ampliando consideravelmente sua cultura cinematográfica apenas para se sentir capacitado para realizar um filme. A criatividade extraordinária do filme não caiu do céu.

Não é uma regra, mas estar aberto ao conhecimento geral pode ser transformador e pode estimular o processo criativo do artista que existe em todos nós.