“Nove Rainhas” deve ter sido o primeiro filme argentino de muita gente. Afinal de contas, não há como se deixar envolver logo nos primeiros minutos quando um rapaz inseguro entra em uma loja de conveniência para aplicar um golpe na balconista e se enrola ao ponto de ser desmascarado por um homem mais velho. Logo em seguida, descobrimos se tratar de um outro malandro com mais experiência. Com personagens tão bem definidos em pouco tempo de projeção e uma trama ágil com reviravoltas surpreendentes, o suspense dirigido e roteirizado por Fabián Bielinsky abriu os olhos de muita gente para a produção hermana.

Filme representa um marco do atual cinema argentino

Ali estava a figura onipresente do cinema argentino nos anos posteriores: Ricardo Darín. Com competência e charme que o consagrariam, o ator magnetiza o espectador a ponto de fazê-lo torcer para um sujeito desprezível capaz de aplicar golpes até mesmo em velhinhas. Igual figuras icônicas como Dr. House ou Walter White, o criminoso Marcos consegue através da inteligência e astúcia se tornar um anti-herói. A figura do ingênuo Juan vivido pelo competente Gastón Pauls completa esse cenário simples capaz de revelar muito mais nas entrelinhas.

Bielinsky lançou “Nove Rainhas” em 2000. Para quem não lembra, a Argentina vivia uma crise econômica e social das mais graves. Manifestações pelas ruas do país, caos no ambiente político a ponto da renúncia de dois presidentes em cinco dias acontecer em 2001, desemprego e a explosão da violência urbana formavam o cenário conturbado. Longe de discursos ideológicos baratos ou diálogos metidos a politizados, o filme mostra a degradação moral da sociedade argentina ao colocar todos os personagens com atitudes pouco nobres em uma sucessão de golpes e mentiras a cada instante.

Nem mesmo tamanha situação dramática faz com que o orgulho portenho e a tão característica sensação de superioridade da nação seja abalada. Por diversas vezes, Marcos busca se diferenciar de outros criminosos. Na própria visão, ele é diferente dos chamados larápios, corruptos, batedores os quais costumam agir com brutalidade e violência. O personagem de Darin se considera em um ponto acima por utilizar a lábia e a inteligência para realizar as falcatruas. Mesmo que isso signifique aplicar golpes em idosas e roubar dinheiro da carteira de uma mulher de meia-idade em um elevador quebrado.

O grande charme de “Nove Rainhas” está em trazer este retrato social dentro da universalidade marcante do cinema argentino. Mesmo remetendo aos dramas vividos no país naquele período, o filme consegue ter na unidade dramática e no elo dos personagem a capacidade de atrair o público de qualquer lugar do mundo a se inserir no drama de Marcos e Juan. Essa força se mostra refletida no fato da produção ter ganhado um remake americano estrelado por John C. Reilly e Diego Luna intitulado “171”.

Digno de um dos melhores finais produzidos nos últimos anos no cinema mundial, “Nove Rainhas” abriu as portas para sucessos  da produção argentina no mundo afora como “O Filho da Noiva”, “O Segredo dos Seus Olhos”, “Abutres”, “O Abraço Partido”, “Um Conto Chinês”, “Leonera”, “Medianeras”, “Elsa e Fred”.

NOTA: 9,0