Não são raros os momentos em que, na tentativa de enaltecer o brilhantismo de O Poderoso Chefão, os fãs da trilogia revelem uma expressão decepcionada ao se lembrarem da terceira e última parte da saga sobre os Corleone. A própria crítica especializada parece não ter chegado a um consenso. Enquanto publicações como The New Yorker e Washington Post classificaram o filme como “humilhação pública” e “um fracasso de proporções dolorosas”, à época de seu lançamento, outras como The New York Times o caracterizaram como “inevitável e irresistível”.
Particularmente, considero Francis Ford Coppola sábio por entender que a história dos Corleone (e de Michael, mais especificamente) pedia um desfecho. Mas não um desfecho qualquer. Coppola percebeu que o ciclo de violência gerado, em grande parte, pela imponente família italiana, só perderia sua força por meio de um grande sacrifício, uma tragédia, da morte avassaladora de um inocente. A queda irrecuperável de um império.
“Humilhação pública”: assim classificou o filme o jornal ‘The New Yorker’
Logo em seus minutos iniciais, O Poderoso Chefão III já dita o tom da narrativa, ao nos guiar pela melancolia, abandono e silêncio que tomaram conta da propriedade dos Corleone, em Lago Tahoe. Um contraste evidente com as primeiras cenas do segundo filme da trilogia, quando o local era palco de festas e celebrações. E, claro, lar de uma família que, até então, estava unida e completa.
Michael Corleone (Al Pacino), que, após a morte do pai Vito Corleone (Marlon Brando), fez barbaridades para provar seu valor como chefe da família, agora se apresenta como um homem em busca de redenção. Este fato, por si só, já é um grande indício de que o filme precisa se distanciar de seus antecessores. Mike sempre foi um Don muito diferente de Vito, mas, aqui, encontra em seu pai a referência que precisa para se reaproximar dos filhos e da ex-esposa Kay (Diane Keaton). Isso sem falar da tentativa de tornar os negócios da família legítimos e o fato de ser atormentado pela morte do irmão Fredo. Afinal de contas, por mais cruel que pudesse ser, Vito Corleone jamais mataria um membro da própria família. A rima narrativa presente na cena final, inclusive, é nada menos que magnífica, pois ilustra perfeitamente a diferença entre os dois Dons.
E é a partir da reaproximação de Mike com os valores de seu pai e na ambição de Vincent Mancini (Andy Garcia), filho ilegítimo de Sonny Corleone (James Caan), em comandar a família que acompanhamos o desenrolar da trama. De certa forma, é compreensível que O Poderoso Chefão III seja um eterno injustiçado, pois, se afastar dos elementos que colocam os dois primeiros filmes em posição de clássicos inquestionáveis é uma proposta, no mínimo, muito ousada. Fora o fato de a conclusão da história ter sido lançada em 1990, 16 anos após o segundo filme. Logo, é natural que haja estranhamento.
Ainda assim, do ponto de vista narrativo, é difícil achar algo no filme de encerramento que não faça sentido. O arco de Michael finalmente se completa e é impossível não refletir sobre suas mudanças ao longo da trilogia, sobre como um ato de amor por seu pai, ao querer protegê-lo, o transformou em um homem cruel e solitário. E, claro, sobre como sua queda definitiva só poderia vir de uma inevitável perda da qual jamais poderia se recuperar.
Outra prova da coragem do roteiro deste terceiro filme é o fato de se dispor a mostrar a Igreja Católica como uma instituição corrupta, além de abordar os acontecimentos reais acerca da morte precoce e suspeita do papa João Paulo I.
Talvez a grande perda da produção (que nem chega a ser culpa do filme em si) seja a notável ausência de Robert Duvall como o carismático consigliere Tom Hagen, além da (também notável) falta de talento de Sofia Coppola para a atuação.
O Poderoso Chefão III é um filme corajoso e tocante, que cumpre fielmente aquilo que se propõe a fazer, não só fazendo jus aos seus antecessores como encerrando de maneira brilhante os arcos narrativos de seus personagens. É uma pena que um filme tão bom seja tão pouco valorizado.
Concordo sobre ser corajoso, mas como alguém obcecado pelos dois primeiros filmes, me incomodou muito o terceiro ser “abaixo da perfeição”. Me emocionei quando o Michael se lembrou do primeiro casamento e a tragedia que se sucedeu, quando o filho canta aquela música sensacional, mas algumas coisas me incomodaram. A cena em que ele se confessa a um “estranho”, apesar de lindamente escrita, não se encaixa ao Michael Corleone dos dois primeiros filmes. Não me pareceu natural ao personagem. O excesso de poder dado a irmã dele também não me pareceu natural observando a personagem nos dois primeiros filmes. A ascensão do Vincent Mancini, apesar do Andy Garcia estar muito bem, me pareceu muito meteórica. Ele foi de praticamente nada no início do filme à salvação da família no final e a história se passou em pouco tempo. Entre outras coisas. Talvez eu seja muito chato e esteja sendo exigente demais mas os dois primeiros foram muito perfeitos para ele fazer o que fez no terceiro.
Sobre a cena da confissão. Não parece natural porque, de fato, não é. O fato de não se encaixar ao Michael Corleone dos dois primeiros filmes só mostra como ele é um homem diferente no terceiro. É um incômodo pra gente ver aquela cena porque vemos a fragilidade do Michael, algo a qual nunca tivemos acesso antes. É incômodo, mas não é incoerente.
Não achei que teve um excesso de poder da irmã. No único momento da trama em que ela toma uma decisão em nome da família (quando o Michael fica doente), ele faz um discurso em que ela basicamente se humilha pra ele ao ser obrigada a concordar que o chefe da família é ele. Não podemos esquecer que estamos falando dos anos 90 agora, 16 anos se passaram e muita coisa mudou, inclusive a posição da mulher na sociedade. E mesmo com esse “avanço”, a irmã ainda é totalmente submissa à vontade dos homens ao redor dela.
Concordo que a ascensão do Mancini foi meteórica, mas acredito que isso tenha muito mais a ver com o cansaço do Michael em comandar a família. Tanto que quando chega na hora de dar a ordem de matar a galera envolvida no esquema da Igreja, ele diz pro Mancini: “então, você dá a ordem, porque eu não posso”. E é aí que o Mancini vira Don. O que também ilustra o machismo da família. O novato (e bastardo, o que para a sociedade era uma grande ofensa) tem prioridade sobre a mulher, que está envolvida nos negócios da família há decadas.
Também entendo o fato da subida meteórica de Mancini como uma forma de descarregar a frustração por não ter seu próprio filho como sucessor, isso fez com que se apegasse rapidamente ao sobrinho.
Ele está mais vulnerável, confia mais nas pessoas, é como se não tivesse mais tanto a perder… como você falou, está cansado.