Como fã de terror, até os meus 15 anos, eu acreditava que os filmes americanos eram a última bolacha do pacote. Para quem cresceu assistindo os Mortos-Vivos de Romero, os assassinos estripadores de jovens como Jason, Michael e Freddy, o alienígena clonador de humanos de O Enigma do Outro Mundo (1981) e o cientista malucão que virava A Mosca (1986), a terra de Obama era o verdadeiro baile da favela do cinema de gênero.

Essa bitolagem mudou, quando tive acesso ao ciclo de horror do cinema italiano. Dos refinados Giallos aos canibais do sexploitation amazônico até ao gore agressivo dos filmes sobrenaturais, foram o caminho ideal para ampliar o meu campo de visão do cinema de horror como um todo. Senti-me como John Nada, o anti-herói “carpiteriano” de Eles Vivem (1988) quando colocou os óculos escuros e descobriu a existência de alienígenas entre nós. No meu caso, a percepção da existência de um mundo de filmes assustadores além da terra do Tio Sam. Por isso, segue alguns trabalhos oriundos de vários outros continentes que merecem serem conferidos pelos amantes do cinema de horror, que comprovam que há vida fora do circuito americano:


Mártires (2008), de Pascal Laugier

No cinema de terror existe a máxima que cada indivíduo possui sua própria crença de medos e temores, o que explica certos filmes assustarem mais algumas pessoas do que outras e vice-versa. Por isso, entenda a minha opinião não como verdade absoluta, mas considero o francês Mártires de Pascal Laugier o melhor terror lançado neste século   ou pelo menos é aquele que mais incomoda. Laugier apresenta uma narrativa bem construída e original que constantemente subverte as nossas expectativas através das várias (e imprevisíveis) reviravoltas na narrativa. O ritmo depressivo e niilista, sempre balanceando a violência física das imagens com ênfase no enredo psicológico – o último ato é o suprassumo do perturbador – leva o filme ser um daqueles petardos insanos que te deixa atordoado. É melhor não falar muito do enredo para não estragar as surpresas, mas a sinopse envolve vingança e o estudo da natureza perversa do ser humano. Para ser apreciado com requintes de moderação.


A Cura (1997), de Kiyoshi Kurosawa

Você conhece o cinema sobrenatural de Kiyoshi Kurosawa? Não, então corra atrás. Apesar do sobrenome famoso, este cineasta japonês não tem nenhum parentesco com o grande mestre Akira. Porém, o seu cinema é de gente grande. A Cura é centrado em um policial que investiga diversos crimes violentos praticados por pessoas que não se lembram de nada. Kiyoshi faz uma mistura de terror psicológico com thriller policial macabro, onde o sensorial da loucura é construído artesanalmente na maldade humana –  aquela que habita nossos demônios interiores. A Cura é uma versão sobrenatural e existencialista de Seven – Os Sete Pecados Capitais (1995) que só poderia sair da mente insana de um cineasta asiático. Martin Scorsese já o listou entre suas obras favoritas do gênero.


O Gabinete do Dr. Caligari (1920), de Robert Wiene

Esta pequena pérola do horror expressionista alemão é uma espécie de vampiro do mundo cinéfilo: perto de completar 100 anos, a obra de Wiene não envelhece e parece ficar melhor e mais imortal a cada revisão. Sua história inovadora para época se tornou referência para os filmes de horror que vieram a seguir. Nela, o doutor Caligari é um médico que viaja por feiras de aberrações com o sonâmbulo Cesare (uma figura bizarra) que, segundo ele, está há 23 anos dormindo. Estranhos crimes acontecerão quando Cesare acordar. Com seu jogo de luzes e sombras, Wiene cria uma perturbadora atmosfera de pesadelo, ótima para liberar os devaneios da loucura. É impressionante como esta gema do cinema alemão obtém resultados assustadores com uma dinâmica simples.


Terror nas Trevas (1981), de Lucio Fulci

Não há nenhuma lógica, apenas uma sucessão de imagens…”. Essa é a definição de Lucio Fulci para a sua festa sangrenta do além vista em Terror nas Trevas. O fiapo de história – Uma mulher herda um hotel que é a ligação direta para a boca do inferno – é um reles motivo para o cineasta carcamano unir e fundir o enredo lovecraftiano com as explosões de violência e atmosfera gótica das suas imagens. Se tem algo mais assustador do que um pesadelo, Fulci comprova que é sua visão do purgatório: uma visão após morte, onde não há nada, um vazio infinito na qual a vida é um pesadelo terrível. Tão brutal quanto nillista, Terror nas Trevas é para se perguntar que raios de ingredientes colocavam nos molhos destes italianos para os deixarem tão loucos.


Inverno de Sangue em Veneza (1973), de Nicolas Roeg

Esta pequena produção anglo-italiana é a melhor definição de horror genuíno: vai nos deixando perturbados com suas cenas, com a estranheza do seu enredo e o desconforto das suas rupturas narrativas. Após o trágico acidente que culminou na morte de sua filha, o casal Laura (Julie Christie) e John Baxter (Donald Sutherland) muda-se para Veneza, para esquecer a tragédia. Porém, lá uma vidente diz que sua filha está enviando mensagens do mundo dos mortos. Roeg explora com requintes sobrenaturais a dor do luto, sempre utilizando o uso dos signos para expor o conflito dos personagens – o uso da cor vermelha ganha  importância fundamental no enredo. Uma obra para ser apreciada por aqueles que adoram filmes atmosféricos.


Tesis – Morte ao Vivo (1996), de Alejando Amenábar

Antes de ser reconhecido em Os Outros (2001), o espanhol Alejando Amenábar fez este assustador suspense com elementos de horror voltado ao mundo dos Snuff movies. Ángela é uma estudante de audiovisual cujo tema é a violência no cinema. Neste contexto, ela vai entrar em contato com este mundo sórdido a deixando perto de uma realidade chocante, onde a vida humana é um pedaço de carne para atender a psicopatia humana. O clima pesado alinhado a competente construção do espanhol, transformar Tesis em um belo estudo sobre a violência e realismo. Para esquecer aquela versão bunda mole protagonizada por Nicolas Cage, 8MM (1999), uma cópia barata deste clássico espanhol.


Left Bank (2008), de Pieter Van Hees

Quem acha que a Bélgica faz apenas excelentes chocolates, esta produção serve para comprovar que há mais do que isso. É uma mistura surpreende de drama com elementos de um sufocante terror psicológico. Left bank é uma espécie de O Bebê de Rosemary (1968) de Polanski só que estruturado em uma narrativa mais cadenciada e lenta. A forma que Hees vai criando a sensação de inquietação e de desconforto é louvável. Dentro dela, acompanhamos uma jovem atleta, Marie que se apaixona ardentemente por Bob, indo morar com ele em um apartamento misterioso. Ótimo para ser conferido degustando um chocolate belga para diminuir a ansiedade.


As Filhas do Fogo (1979), de Walter Hugo Khouri

Khouri já tinha brindado o público nacional com ótimo terror psicológico Anjo da Noite (1974). As Filhas do Fogo é outra prova do seu talento no gênero nesta história estranha e fascinante sobre fantasmas, onde duas moças encontram-se sozinhas em um casarão no campo e passam a ter visões de aparições do passado. Com uma atmosfera melancólica e perturbadora, Khouri mostra como fazer um horror refinado que trabalha elementos do erotismo e da sexualidade feminina os alinhando aos questionamentos existenciais da alma humana. As Filhas do Fogo é tão cheio de simbolismos e reflexões que parece uma versão dark intimista das obras do sueco Ingmar Bergman.


Fase 7 (2011), de Nicolas Goldbart

Diretamente da terra de Maradona, os nossos queridos rivais hermanos produzem este divertidíssimo filme do cinema fantástico. Fase 7 mesmo dentro da suas limitações orçamentárias, é uma despretensiosa produção B que trabalha situações da ficção científica com a sátira social do cinema de John Carpenter, além de trilhar pelo caminho dos enredos das grindhouses da década de 70. Um edifício em Buenos Aires é colocado em quarentena após um de seus moradores morrer vítima de um vírus desconhecido. Se a trama parece similar ao espanhol REC, o diretor Nicolas afasta essa ideia, ao focar no horror do caos e da loucura surgidos a partir da situação de isolamento e dos conflitos das relações humanas. Destaque para a trilha sonora de Guillermo Guareschi, uma magistral releitura das composições de Carpenter.


Bedevilled (2010), de
Cheol-soo Jang

Se teve algo que aprendi com os coreanos através dos seus filmes, é que jamais devemos sacanear com eles, afinal a sua vingança sempre é cruel. Bedevilled envolve este sentimento negativo como um olhar crítico sobre a sociedade egoísta dos tempos atuais. Hae-Woon, é uma jovem bancária que traduz ao extremo o sentimento de isolamento das pessoas que vivem em grandes centros. Depois de um colapso, ela resolve passar férias na casa da avó na ilha que cresceu, um meio rural misógino e preconceituoso. Lá, reencontra uma amiga Bok-Nam, uma mulher jovem que é constantemente abusada pelo marido e o cunhado. A convivência das duas nesse lugar irá transformar a personalidade uma da outra. Através de uma narrativa tensa, o diretor Cheol-soo faz uma ótima discussão sobre a sociedade individualista que é pontuada em um ato final sangrento e imprevisível. Mostra que os coreanos sabem orquestrar excelentes odes a violência e nos deixar sempre reflexivos em relação às ações geradas por ela.